21 mar, 2018 - 11:00 • Filipe d'Avillez
Portugal é um caso singular na Europa ocidental, em matéria de prática e crença religiosa entre jovens, apresentando números muito superiores a Espanha e França e apenas comparáveis aos da Irlanda e da Polónia.
Um estudo levado a cabo pelo Centro de Religião e Sociedade Bento XVI, da Universidade de St. Mary, em Twickenham, Inglaterra, revelado esta quarta-feira, traça um retrato da identificação e prática religiosa de jovens entre os 16 e os 29 anos em 22 países da Europa, usando os dados da European Social Survey. A maioria dos países da Europa ocidental e central estão incluídos, com a notável exceção de Itália, que, nos anos abrangidos, não conseguiu financiar a recolha de dados, segundo Stephen Bullivant, o orientador desta análise.
A conclusão geral do estudo, lançado numa altura em que a Igreja Católica prepara um sínodo sobre os jovens, é francamente pessimista no que diz respeito à identificação religiosa dos jovens, com alguns países a apresentar esmagadoras maiorias de pessoas que não se identificam com qualquer crença. Destacam-se, neste ponto, a República Checa, com 91%, a Estónia, com 80% e a Suécia, com 75%. No Reino Unido e em França, uma grande maioria dos jovens também não se identificam com qualquer religião: 70% e 64%, respetivamente.
Só cinco dos países para os quais existem dados têm menos não-crentes que Portugal, com 42%: Irlanda, Eslovénia e Áustria, com 39, 38 e 37%, respetivamente, surgem logo a seguir, antes da Lituânia, com 25%, e da Polónia, com apenas 17% dos jovens a dizer que não se identificam com qualquer fé.
Países católicos mais resistentes
Ao olhar para estes números, fica claro que existem "duas europas" bastante diferentes e que essa diferença não se explica pela geografia.
Por um lado, há uma maioria de países muito fortemente secularizados, como os países escandinavos, da Europa de Leste (como República Checa e Estónia) e também na Europa Ocidental, como são os casos de Espanha e de França. Por outro, uma minoria de países que vai resistindo a esta tendência. No grupo, inclui-se Portugal, Irlanda e, sobretudo, a Polónia, mas também a Lituânia, a Eslovénia e a Áustria. Nestes três casos, os índices de prática religiosa são muitíssimo menores do que o número de pessoas que se identifica como cristã.
Todos os países que ainda apresentam maiorias confortáveis de cristãos são tradicionalmente católicos. Em entrevista à Renascença, Stephen Bullivant confirma a tendência, embora seja cauteloso quanto à explicação. “Talvez seja apenas o caso que o declínio católico tem sido mais lento que o protestante, mas olhando apenas para os dados, os países com a população de jovens cristãos mais robusta tendem a ser historicamente católicos”, diz.
Como já se viu, há exceções. Espanha e França são também países historicamente católicos, mas onde a identidade cristã, entre os jovens, parece estar em queda livre. Uma das maiores surpresas do estudo são precisamente as diferenças entre os dois países ibéricos, tendo em conta as semelhanças históricas e culturais.
Um dos dados que mais salta à vista é a enorme diferença entre Portugal e Espanha no que diz respeito à prática religiosa. Um total de 53% dos jovens portugueses identifica-se como católico em Portugal, um número muito acima da média europeia, mas ainda assim bastante distante da Polónia, com 82%. Entre os espanhóis o número é de 37% e em França são apenas 23%.
O fosso agrava-se quando se olha apenas para os católicos praticantes. Aí, com 27% a revelar que vai à missa pelo menos uma vez por semana, Portugal surge em segundo lugar entre todos os países analisados, atrás da Polónia, com 47%. Apenas 10% de espanhóis e de franceses responde afirmativamente a esta questão, quase três vezes menos que Portugal, e enquanto só 17% dos que se identificam como católicos em Portugal dizem que nunca vão à missa, o número sob para 39% em Espanha, o mais alto de entre os 22 países. Mais uma vez, a Polónia destaca-se com apenas 3% dos católicos a dizer que nunca metem os pés numa Igreja para participar numa missa, sem contar casamentos ou funerais.
Também em relação à frequência de oração, a imagem de Portugal e de Espanha é muito diferente. Enquanto 36% dos jovens católicos portugueses rezam, fora de celebrações religiosas, pelo menos uma vez por semana, em Espanha não são mais do que 22%, com 40% a dizer que nunca o fazem, o número mais alto registado. O número de jovens católicos portugueses que nunca reza é de 18%.
República Checa e Lituânia: dois paradoxos
Nas categorias vistas até aqui, há dois países que se destacam por razões diferentes. A República Checa lidera, de longe, em termos de secularismo, com mais de nove em cada dez jovens checos a dizer que não se identificam com qualquer religião. Já a Lituânia apresenta um valor bastante alto de pessoas a identificar-se como católicas, 72%, apenas atrás da Polónia.
Mas quando se olha aos dados de prática religiosa entre os que se identificam como católicos, a realidade inverte-se. Na Lituânia apenas 5% vai à missa pelo menos uma vez por semana, mas entre os católicos checos – um universo muito menor em números brutos – são 24%, pouco atrás de Portugal.
Em termos de oração semanal, então, a República Checa sobe para segundo lugar na Europa, apenas atrás da Polónia. Um total de 48% dos católicos checos tem prática de oração frequente, contra apenas 14% dos lituanos.
Stephen Bullivant, que orientou o estudo da Universidade de St. Mary, vê o caso checo como fonte de esperança. “Claramente a comunidade católica na República Checa, um país historicamente protestante, vê-se a si mesma como uma minoria contracultura, uma minoria criativa. Na Europa em geral, há medida que as gerações mais velhas morrem vamos ver um aumento de não-religiosos, até que isso se torna a norma. Na República Checa já é a norma, mas os poucos que se consideram religiosos claramente o fazem por alguma razão, não é apenas por um sentimento de pertença tribal, como ainda vemos noutros locais”, diz.
Há outros dados surpreendentes: por exemplo, apesar de apenas 9% dos católicos holandeses ir à missa semanalmente, 43% diz que reza pelo menos uma vez por semana, um número igual à Irlanda e superior a Portugal.
Uma geração perdida
É em outubro que começa o sínodo de bispos que vai discutir a situação dos jovens na Igreja Católica, mas, neste preciso momento, encontram-se em Roma três centenas de jovens numa reunião preparatória.
Stephen Bullivant está atento ao desenvolvimento destas reuniões, mas alerta para a necessidade de se perceber que o retrato da Europa não representa a realidade mundial. “Aqui só vemos uma pequena parte da Igreja, a Igreja é muito maior que a Europa e o declínio não é a tendência dominante em muitos outros locais.”
“O problema”, diz, “é que o tipo de jovens que vão ser escolhidos para falar no sínodo são os que estão envolvidos e comprometidos com a Igreja. Mas este estudo mostra que há uma percentagem grande que não são representados porque não são praticantes.”
Por isso existe o perigo de o sínodo acabar por não traçar uma imagem verídica dos jovens católicos no mundo. “É muito fácil ficar com a impressão errada de que está tudo bem, e que basta soltar estes jovens no mundo e deixá-los agitar as coisas. Mas o problema é bastante mais profundo que isso”, conclui, “perdemos toda uma geração”.