18 abr, 2018 - 13:26 • Filipe d'Avillez
Quem é Alfie Evans?
Alfie Evans é um menino de 23 meses que está hospitalizado em Liverpool.
Alfie sofre de uma doença rara e que não foi diagnosticada. Os médicos dizem que se encontra num estado semivegetativo e que não existe cura.
Qual é a disputa?
O hospital quer desligar as máquinas que ajudam o Alfie a respirar, ato que conduziria à sua morte, mas os pais não aceitam e querem que o filho seja transferido para um hospital em Roma, ligado ao Vaticano, que se comprometeu a manter o suporte vital. O caso foi parar aos tribunais britânicos, que têm dado razão ao hospital.
O pai de Alfie tem sido ameaçado com detenção se tentar remover o seu filho do hospital.
Em causa está o conflito de interesses sobre o que é melhor para a criança e quem tem autoridade para tomar essas decisões. Os pais reivindicam esse direito, mas, no Reino Unido, em casos em que os médicos discordam da opinião dos pais, o assunto acaba por ir parar aos tribunais que, em nome do Estado, têm a autoridade para decidir em prol do bem dos menores. Neste caso a interrupção do suporte vital tem sido apresentado como sendo no melhor interesse da criança, apesar de lhe causar a morte, algo que os pais rejeitam.
No dia 23 de abril, o Governo italiano atribuiu cidadania italiana a Alfie Evans, na esperança de que isso facilite o pedido de transferência para o hospital Bambino Gesù, em Roma. Nessa mesma noite o hospital desligou as máquinas que ajudavam Alfie a respirar mas, surpreendentemente, o menino conseguiu respirar sozinho durante várias horas, até que os médicos concordaram voltar a oxigenar e hidratar o bebé.
No dia 24 de abril, perante a resistência de Alfie, o juiz aceitou novamente ouvir os pais e o hospital, não permitiu que o menino seja transferido para Itália, mas pediu ao hospital para avaliar a possibilidade de deixar a criança ir para casa.
Qual é a posição da Igreja?
O pai de Alfie é católico e tem feito várias referências religiosas nos seus apelos para poder continuar a tratar do seu filho. A Igreja tem sempre um interesse nestes casos éticos, mas, neste em particular, foi a família a levantar a questão religiosa.
Alfie é da diocese de Liverpool, mas o arcebispo local tem sido muito criticado pela família por não se envolver mais diretamente no caso. A arquidiocese emitiu um comunicado de apenas duas linhas, dizendo que rezava por Alfie e pela sua família, mas a família criticou esta posição por ser ambígua e não abordar a questão central, apelando à proteção da vida da criança. O pai de Alfie escreveu ao arcebispo Paul Bayes a pedir que este o ajudasse a chegar ao Papa para apresentar as suas preocupações.
No dia 4 de Abril o Papa referiu-se ao caso de Alfie num tweet e no passado domingo, na oração do Regina Coeli, o Papa referiu o assunto e esta quarta-feira recebeu Tom Evans em audiência privada. Francisco realçou que é um dever “fazer tudo para guardar a vida”. Aparentemente foi um bispo italiano, e não o arcebispo de Liverpool, que intermediou o acesso ao Papa.
It is my sincere hope that everything necessary may be done in order to continue compassionately accompanying little Alfie Evans, and that the deep suffering of his parents may be heard. I am praying for Alfie, for his family and for all who are involved.
— Pope Francis (@Pontifex) April 4, 2018
Também o arcebispo Paglia, da Academia Pontifícia para a Vida, falou no assunto publicando uma nota em que diz que “Alfie não poe ser abandonado. Alfie tem de ser amado, tal como os seus pais, até ao fim”.
Esta quarta-feira a conferência episcopal que junta os bispos ingleses e do País de Gales emitiu um comunicado sobre o caso do Alfie, manifestando a sua proximidade com a família do Alfie "que fazem tudo o que está ao seu alcance para cuidar do seu filho". Mas os bispos dizem também que acreditam que todas as partes envolvidas estão a tomar decisões difíceis "com integridade e em prol do bem do Alfie, do seu ponto de vista".
Os bispos defendem ainda o hospital e os seus profissionais, que têm sido criticados pelos apoiantes da família do Alfie e dizem que cabe agora ao hospital Bambino Gesù, em Roma, apresentar aos tribunais as razões pelas quais acham que neste caso devia ser aberta uma exceção, permitindo a sua transferência.
No dia 23 de Abril, com os recursos judiciais esgotados mas já depois de o Governo italiano ter concedido cidadania a Alfie, o Papa voltou a referir-se ao caso num tweet, pedindo que seja respeitada a vontade dos pais de deixar o menino ser transferido para Roma.
Moved by the prayers and immense solidarity shown little Alfie Evans, I renew my appeal that the suffering of his parents may be heard and that their desire to seek new forms of treatment may be granted.
— Pope Francis (@Pontifex) April 23, 2018
Este é mais um caso “Charlie Gard”?
Este caso apresenta várias semelhanças ao do Charlie Gard, outra criança britânica que se viu no meio de uma disputa legal o ano passado, acabando por morrer.
Também na situação do Charlie havia discordância entre pais e hospital e acabaram por ser os juízes a ordenar que as máquinas fossem desligadas.
Contudo, há algumas diferenças significativas. Os pais de Charlie Gard queriam transferir o seu filho para os Estados Unidos, para fazer um tratamento que acreditavam poderia melhorar o seu estado de saúde. Contudo, quando o médico americano em causa finalmente viajou para o Reino Unido para falar do seu “tratamento revolucionário”, concluiu-se que não havia qualquer base para acreditar que funcionaria, que nunca tinha sido testado sequer em ratos de laboratório e que não havia qualquer garantia que não acabaria por prejudicar ainda mais a criança.
Já os pais de Alfie Evans querem apenas manter o seu filho vivo, uma vez que acreditam que a sua vida ainda tem valor. Tom Evans critica a decisão do juiz que afirmou que a vida do seu filho era “fútil” e diz: “Eu não sou médico, mas posso ver que o meu filho está vivo e que não está a ser tratado. Há meses que peço ao hospital, e continuo a pedir, que me deixem transferir o nosso filho, este filho de Deus, para o hospital do Papa, que prometeu cuidar dele, até que Nosso Senhor o permita e até que Alfie dê por concluída a sua viagem”.
Uma das questões importantes para a avaliação do caso é saber até que ponto Alfie está em sofrimento ou não. Tal como no caso Charlie Gard, é difícil chegar a conclusões, uma vez que os hospitais estão impedidos de divulgar publicamente dados sobre a condição médica da criança, pelo que apenas dispomos da informação dada pelos pais e daquela que é referida pelos juízes nas suas sentenças.
Esta é uma questão de eutanásia?
Embora Tom Evans tenha dito que sim, este não pode ser considerado um caso de eutanásia. A eutanásia implica causar diretamente a morte a alguém, a seu pedido (eutanásia voluntária) ou não (eutanásia involuntária).
Da perspetiva dos médicos, trata-se antes de um caso de distanásia, isto é, a insistência em cuidados médicos para prolongar a vida, para além do razoável, mesmo que isso acabe por causar mais sofrimento.
A distanásia e a eutanásia são ambas condenadas no Cristianismo, independentemente da idade do doente em causa.
Do ponto de vista ético, há uma distinção muito importante a fazer. É uma coisa dizer que o tratamento no caso de Alfie, para além de não apresentar qualquer possibilidade de cura ou de melhoria, lhe está a causar sofrimento. Outra coisa é dizer que o tratamento não está a causar sofrimento, mas que a vida do bebé, por não haver possibilidade de cura ou melhora, não tem valor, ou é indigna, e por isso mantê-lo vivo seria inútil. Esta segunda posição – que no entender dos pais de Alfie é o que estão a dizer os médicos e os tribunais – seria condenável do ponto de vista cristão, uma vez que a dignidade humana não depende da capacidade física da pessoa ou da sua utilidade social.
[Notícia atualizada dia 24/04 com a reação de Alfie quando foram desligadas as máquinas e a decisão do juiz de não permitir a viagem para Itália]
[Notícia atualizada dia 23/04 com a atribuição de cidadania italiana a Alfie Evans]
[Noticia atualizada às 13h51 com a nota da conferência episcopal de Inglaterra e País de Gales]