19 jun, 2018 - 12:55 • Ângela Roque
“Os meus irmãos refugiados – amigos do outro lado do mundo” é o título do mais recente livro de Thereza Ameal com ilustrações de Pedro Rocha e Mello, sobrinho da autora que esteve recentemente como voluntário num dos campos de refugiados na Grécia. Foi, aliás, o seu testemunho e o do filho de Thereza, João Maria Ameal, que a levaram a querer falar desta temática aos mais pequenos, para quem habitualmente escreve. Espera que através deles a mensagem também chegue aos adultos.
Na introdução da obra, António Guterres lembra que “as crianças refugiadas são as vítimas mais vulneráveis das guerras e perseguições” e que “é muito importante que as outras crianças possam conhecer este drama”. Marcelo Rebelo de Sousa escreve no prefácio que “os refugiados são pessoa como nós” e que esta história pode contribuir para “alertar consciências, promovendo entre as gerações mais jovens uma cultura de abertura e acolhimento, de salvaguarda da dignidade das pessoas e dos direitos humanos”.
O livro, que vai ser apresentado esta quarta-feira, Dia Mundial dos Refugiados, conta a história de duas crianças, de uma menina muçulmana que a guerra obrigou a fugir e de um rapaz ocidental cuja família se deixa motivar pelo apelo do Papa Francisco para acolher migrantes que chegam ao seu país. Em entrevista à Renascença, a autora conta que esta é uma história de “esperança”, porque “é preciso falar de assuntos sérios às crianças” e não se pode deixar que o medo “nos feche o coração”.
A questão dos refugiados continua a marcar a atualidade. Foi por isso que resolveu escrever este livro?
É importante não deixar passar ao lado aquilo que realmente importa. E embora as notícias que nos chegam sejam por vagas e modas, e agora até se fale menos dos refugiados em relação a outras alturas, o assunto não está resolvido.
Este livro é dedicado ao Papa, que tem sido exemplar na forma como tem chamado a atenção para este problema. Uma das primeiras coisas que fez foi ir a Lampedusa, foi das primeiras pessoas a chamar realmente a atenção à séria, a nível mundial, para o horror do que se passava, e continua a apelar a esta abertura, a este acolhimento que é preciso ter e a chamar à atenção para a vergonha que é também tudo isto que se está a passar. Porque os campos de refugiados onde as pessoas estão mais parecem campos de concentração, as pessoas vivem em condições absolutamente indignas. E estamos a falar da Europa, como é que isto é possível?
O livro chama-se "Os meus irmãos refugiados - amigos do outro lado do mundo", e tem a clara intenção de alertar para este problema e para a cultura do acolhimento. É importante falar disto aos mais novos?
Sim, o mais possível. Muitas vezes as pessoas não falam de assuntos sérios com as crianças e esquecem-se que os miúdos veem e ouvem estas notícias, e raramente os pais falam com elas sobre o que é que se passa. Isto acaba por dar uma certa angústia de que, muitas vezes, os adultos não se apercebem. Ainda recentemente estive numa escola que vai participar no lançamento deste livro, onde os miúdos estão a fazer desenhos sobre esta temática, e fui lá falar sobre isto. Li-lhes o livro, abri o espaço a perguntas e não imagina a quantidade de perguntas interessantíssimas que eles fizeram.
O que é que os inquieta?
A coisa mais importante que os tocou foi eles perceberem que a maior parte dos refugiados são crianças e são também mulheres... Eu ia dizer famílias, mas infelizmente são famílias completamente partidas, divididas, com os membros perdidos uns dos outros. Muitas crianças são órfãs e vêm completamente sozinhas, é inacreditável a vulnerabilidade em que chegam. Depois, e é uma coisa que está muito na cabeça das pessoas, o medo, o problema do terrorismo, também falaram disso. Aquilo que me parece que é muito importante chamar a atenção é que os refugiados são pessoas como nós. Foi uma das coisas que tocou muito os miúdos e eu penso que é a coisa mais importante que passa no livro.
Daí também o título 'Os meus irmãos refugiados'?
Eles são nossos irmãos e são como nós. O meu filho João Maria Ameal e o meu sobrinho Pedro Rocha e Mello, que faz as ilustrações deste livro, foram voluntários em campos de refugiados na Grécia, e aquilo que me contaram influenciou-me para este livro. Contaram, por exemplo, que as pessoas que ali chegam não são os pobres, porque os verdadeiramente pobres não têm maneira de fugir, e ainda lá estão nos seus países a levar com bombas em cima. Muitos dos que chegam são médicos, são advogados, são pessoas que tinham uma empresa de informática, as crianças estavam na escola, muitas tinham uma segunda casa para passar férias, e de repente o seu mundo desmorona totalmente à sua volta.
Nós podemos dar graças a Deus porque estamos num sítio com paz, mas podia acontecer-nos a mesma coisa, podiam ser as nossas crianças. E o que é que nós queríamos que do outro lado da fronteira fizessem? Que abrissem as portas aos nossos filhos, aos nossos netos? Ou que nos enfiassem em tendas e barracões, numa vida verdadeiramente miserável e sem esperança? A história deste livro é uma história com muita alegria e com muita esperança.
É a história de duas crianças, uma que é refugiada e outra que acolhe.
É como se fossem duas histórias paralelas, uma é a história da Miriam, que é uma menina muçulmana, de um país não especificado, que tem um pai médico, um irmão mais velho que está na tropa, longe, e que é obrigada a fugir de casa repentinamente com a mãe, o irmão bebé e o avô, deixando para trás parte da família, o que é uma grande angústia. Deixa tudo para trás, a sua escola, os seus amigos, a sua casa, os brinquedos. Passam fome, frio, calor, no meio de um caos absoluto, mas mantêm sempre a esperança, a união entre a família, a fé, e continuam a ter um coração humano e solidário, até acabam por receber duas crianças pequeninas que encontram completamente perdidas, dividindo o pouco que têm com elas. Finalmente acabam por se encontrar num campo de refugiados.
Simultaneamente há a história do Pip, um rapazinho ocidental, também não se diz de que país, e que vem de um jogo de futebol e encontra a mãe a ver televisão. A mãe está muito triste a ver as notícias da guerra e ouvem o Papa a pedir para se acolher os refugiados. Isso fica a ressoar dentro deles e começam a pensar, 'Nós temos uma casa tão grande, o que é que nós podemos fazer?'. E decidem 'Vamos acolher refugiados". E então têm também a sua história, inscrevem-se para poder receber as pessoas, preparam a casa para acolher mais gente. O Pip está entusiasmado por receber uma rapariga em casa, diz que vai ser como ter uma irmã mais nova. Finalmente a família da Miriam consegue reunir-se com o pai e com o irmão e depois ficam também em aberto muitas coisas que podem acontecer daí para a frente.
Como é que se inspirou para as personagens?
A menina, a Miriam, baseia-se muito na menina de uma fotografia que o meu sobrinho que enviou quando estava na Grécia e que era uma criança que me encantou. Desde aí rezava todos os dias pelos refugiados e na minha cabeça via sempre a cara daquela menina, a quem eu chamei Miriam e que, no fundo, é a personagem principal do livro.
O livro alerta para a importância do acolhimento. Outra mensagem é a de que é preciso olhar para quem chega como alguém igual?
Igual e diferente, ao mesmo tempo, o que não tem de ser mau. Um dos grandes problemas no acolhimento é que a maior parte dos refugiados são diferentes em muitas coisas, vêm de países longínquos, a maioria muçulmanos, portanto têm uma religião diferente, vestem-se de forma diferente, comem coisas diferentes e a diferença mete sempre medo, assusta. Então, aquilo que eu gostaria era que este livro ajudasse também a mostrar que a diferença é também algo de bom, que podemos aprender com culturas diferentes e acima de tudo que não podemos deixar que o medo nos feche o coração. E nós, especialmente os católicos, seguindo as palavras de Jesus, temos de abrir o coração a todos. É para isso que o Papa tem chamado tanto a atenção. Espero que este livro ajude e que, através das crianças, a mensagem também chegue aos pais, porque mesmo as crianças que já lêem sozinhas, quando um livro as toca, acabam por falar disso, é mais fácil que abordem o assunto por causa do livro que estão a ler. Depois há as crianças mais pequenas que são os pais e os avós que lêem com elas. Espero sinceramente que isto também chegue aos adultos e lhes toque.
O livro tem uma introdução feita pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, e o prefácio é do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. São colaborações de peso…
Sim, é verdade. É uma grande honra e só mostra a importância deste tema. Eu não fazia a menor ideia se ia conseguir isto, quando enviei o texto não sabia se conseguiria sequer que chegasse às suas mãos. Mas sabia que eram os dois católicos e que tentam pôr os seus princípios e os seus valores na sua vida prática, na vida política. No caso do engenheiro António Guterres, foi Alto Comissário para os Refugiados, portanto é uma pessoa que está muito por dentro desta temática. Acho que tanto a introdução como o prefácio estão excepcionais.
O livro vai ser lançado no Dia Mundial do Refugiado e tem também um objetivo solidário. Qual é?
As receitas do livro vão reverter para o JRS, o Serviço Jesuíta aos Refugiados. Eu ofereço os direitos de autor, o Pedro Rocha e Mello as ilustrações e a própria Paulus Editora vai dar uma quantia por cada livro vendido para ajudar esta instituição no seu trabalho, que é excepcional. É uma ONG católica que trabalha em cerca de 50 países ao nível do acolhimento e da integração dos migrantes, quer nos países onde há campos de refugiados, quer naqueles para onde são depois encaminhados como refugiados. Em Portugal integra a PAR, a Plataforma de Apoio aos Refugiados, e tem um grande trabalho feito ao nível da educação, por exemplo, no ensino da língua de cada país, na ajuda com os papéis de legalização dos migrantes. É uma instituição que merece ser conhecida e ajudada e uma das formas de ajudar pode ser comprando este livro.