02 jul, 2018 - 16:21 • Aura Miguel
D. José Tolentino Mendonça vê no convite do Papa "um duplo desafio". Vai ficar responsável por "garantir a integridade" da Biblioteca e dos Arquivos do Vaticano e, simultaneamente, "fazer ressoar esse tesouro no presente, na contemporaneidade".
Em entrevista à Renascença, o padre português, que será elevado a arcebispo e cuja missa de ordenação presidida pelo cardeal patriarca de Lisboa está marcada para 28 de julho no Mosteiro dos Jerónimos, fala sobre o desafio que aceitou assumir.
Como recebeu esta notícia de que o Papa queria elevá-lo a arcebispo?
Com surpresa e sentido de missão, sabendo que sou um humilde servo da Igreja e, nesse sentido, ao convite do Santo Padre, eu disse que sim.
Portanto não lhe passava pela cabeça, nem desconfiava sequer...
De nenhuma maneira, eu fiz o retiro ao Santo padre e à Cúria Romana e regressei a Lisboa, à minha vida habitual, pronto para regressar àquilo que eram as minhas tarefas, tanto mais que, nos últimos tempos, tinha assumido um desafio muito grande e importante para mim que era a direção da Faculdade de Teologia. De maneira que estava longe dos meus planos qualquer alteração.
Muito provavelmente o sucesso da sua pregação e a beleza do que disse à Cúria também terão motivado esta decisão do Santo Padre...
Acho que isso só o Santo Padre poderá verdadeiramente responder. Penso que foi, para mim, um momento muito importante de serviço à Igreja, no retiro. Não poderei dizer muito mais.
Este novo desafio que agora enfrenta é como tirar-lhe o tapete de um contexto onde já era muito apreciado por todos, sobretudo em Portugal, bem como o facto de estar na Universidade Católica. Não será que estes desafios que agora surgem, são uma concretização de "a quem muito é dado, muito é exigido"?
Eu tenho uma atitude que é a mesma nos lugares para onde tenho sido destacado e, na vida de um padre, isto é muito normal. Estamos uns anos num lugar e depois mudamos de comunidade, mudamos de serviço e a minha atitude é sempre de humildade muito grande em relação ao que a Igreja me pede. Uma grande disponibilidade mas também uma humildade no sentido de aprender: aprender com as pessoas que estão lá, porque as instituições nasceram muito antes de nós. É preciso conhecer bem para poder amar e para poder servir e é nessa atitude que estou. O arquivo e a biblioteca apostólica são lugares, digamos, são lugares da memória, da preservação, de um conhecimento, lugares também de grande abertura ao mundo. É um lugar que tem uma importância simbólica muito grande. Lembro-me daquilo que o Papa Paulo VI disse quando visitou a Biblioteca apostólica, que era "o lugar onde se sentiam os passos de Jesus na História da humanidade". De maneira que são esses passos de Jesus que vamos procurar ouvir naquele espaço que é, de facto, uma espécie de grande repositório e relicário da memória do cristianismo e da humanidade.
D. José Tolentino também é um homem de pensamento contemporâneo. Como se alia esta contemporaneidade a tantos livros e documentos tão antigos?
Os livros têm muitas vidas ao longo dos tempos e penso que o duplo desafio passa precisamente por aí: por um lado, é preciso garantir a integridade daquele tesouro, conservando-o da melhor maneira e fazendo tudo para que ele possa ser transmitido às gerações futuras, nas melhores condições; e, ao mesmo tempo, o outro desafio é fazer ressoar este tesouro no presente, na contemporaneidade, estabelecendo diálogos e pontes que possam, de certa forma, permitir que aquele tesouro continue a nutrir o coração dos cristãos e dos homens e das mulheres do nosso tempo.
O que tem a dizer aqueles que agora se entristecem com a sua partida daqui?
Eu penso que há uma normalidade muito grande. A vida dos padres é mesmo esta, com umas trajetórias que têm a ver com o serviço da Igreja e penso que cada cristão, e cada um dos meus amigos, sabe que talvez o testemunho mais importante seja esse, de uma disponibilidade para permanecer fiel a um chamamento.
A ordenação episcopal de D. José Tolentino de Mendonça, novo arquivista e bibliotecário do Vaticano, vai decorrer a 28 de julho, às 16h00, no Mosteiro dos Jerónimos.
A celebração vai ser presidida pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, e terá como bispos co-ordenantes o cardeal D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, e D. Teodoro de Faria, bispo emérito do Funchal.
A data coincide com o 28.º aniversário de ordenação sacerdotal de D. José Tolentino Mendonça.
O Papa Francisco nomeou, a 26 de junho, o sacerdote madeirense como arquivista do Arquivo Secreto do Vaticano e bibliotecário da Biblioteca Apostólica, elevando-o à dignidade de arcebispo.
O início das novas funções de D. José Tolentino de Mendonça está marcado para o dia 1 de setembro.