25 ago, 2018 - 20:12 • Aura Miguel , Eunice Lourenço
O Papa Francisco encontrou-se na tarde deste sábado com oito vítimas irlandesas de abusos do clero, de religiosos e membros de instituições. O encontro durante cerca de hora e meia e decorreu nas instalações da Nunciatura na capital irlandesa. As vitimas dos orfanatos fizeram dois pedidos ao Papa: que promova o reencontro entre mães e filhos e que peça às congregações responsáveis por essas casas que admitam os erros e paguem indemnizações.
Um dos participantes do encontro foi Paul Jude Redmond, que escreveu o livro 'The Adoption Machine' (“A máquina de adopção”), sobre a obscura história de orfanatos irlandeses (Mother and Baby Homes) a cargo de congregações religiosas e que constituem outra vertente dos abusos que têm chocado aquele país.
O próprio Paul, que entregou o seu livro ao Papa, nasceu nesse sistema, na Castlepollard Mother and Baby Home, em 1964. Com 13 dias foi transferido para outra casa e a sua mãe teve de o entregar à madre superiora. Nunca mais se viram.
Clodagh Malone, outra das participantes no encontro deste sábado, também nasceu nesse sistema, mas foi vendida a uma família norte-americana. Paul e Clodagh fazem parte da Associação dos Sobreviventes das Mother and Baby Homes e entregaram ao Papa dois pedidos.
Em primeiro lugar, lembram que cerca de 100 mil mães solteiras foram forçadas a separar-se dos seus filhos e convencidas de que era pecado mortal tentar contactá-los. “Como força de reparação, pedimos a sua Santidade que deixe claro às mães da nossa comunidade que estão a morrer e aos seus filhos que o encontro entre mães e filhos não é pecado e traz felicidade. Os encontros entre pais e filhos devem ser estimulados e facilitados pela Igreja”, escrevem no pedido que também foi entregue ao Papa em espanhol para que não houvesse equívocos.
Estes sobreviventes realçam que muitas mães biológicas e filhos que foram adotados vão estar na missa deste domingo de encerramento do Encontro Mundial das Famílias.
O outro pedido é para que as congregações que estavam responsáveis por essas casas e que são cinco admitam publicamente os seus erros e paguem os processos em curso.
Nessas casas terão morrido cerca de seis mil bebés e também muitas jovens mães. “As irmãs dessas congregações nunca se resonsabilziaram pelo sua obrigação de prestar cuidados adequados. Pedimos a sua Santidade que peça publicamente às irmãs dessas congregações o reconhecimento dos seus atos e que peçam perdão aos sobreviventes das suas instituições”, escrevem no pedido que deram a conhecer à comunicação social.
Também Bernadette Fahy foi vítima desse sistema de orfanatos que afetou milhares de crianças irlandesas, filhas de mães solteiras ou sem posses, e dedica-se hoje a ajudar outras vítimas.
Depois do encontro, Paul e Clodagh disseram que o Papa acolheu os pedidos. “Foi um encontro poderoso. O Papa ouviu-nos com genuíno interesse”, disse Clodagh Malone.
É preciso mais ação, pedem as vitimas
Outra das vitimas que foi à Nunciatura foi Marie Collins, vítima de abusos por parte de um padre, na década de 1960. Marie Collins chegou a fazer parte da comissão criada no Vaticano para acompanhar os casos de abusos – a comissão Pontifícia para a Tutela de Menores - , mas demitiu-se insatisfeita com o que estava a ser feito. No início desta semana, considerou que a carta do Papa ao Povo de Deus, era mais uma intervenção “cândida” do Papa.
Marie Collins tem pedido mais ação no afastamento de responsáveis pelos abusos e pelo seu encobrimento. Essa é, de forma geral, a queixa de muitas vitimas: as palavras de condenação por parte dos Papas não são suficientes, é necessário ação para afastar os abusadores e impedir que volte a acontecer.
"O Papa Francisco podia ter dito o que vai fazer aos bispos que silenciaram, mas não disse uma palavra. Um belo discurso não lava as nossas feridas. Num discurso de duas páginas, o assunto merece pouco mais de um parágrafo. E o Papa citou a carta de Bento XVI, mas depois disso, os abusos continuaram a ser silenciados, como também ficou provado agora com os escândalos nos EUA. Continuamos à espera de ações concretas”, disse Margaret McGuckin, outra vítima de abuso (mas que não esteve no encontro), reagindo ao discurso do Papa, na sala de imprensa desta visita.
Outra vítima presente no encontro deste sábado foi o padre Patrick McCafferty, padre em Belfast e que chegou a defender que Francisco cancelasse a sua visita à Irlanda. Damien O’farrell, vereador na câmara de Dublin e uma das primeiras vítimas de abuso a processar os Christian Brothers, uma congregação dedicada ao ensino, também esteve presente neste encontro.
O’Farrell foi abusado aos 12 anos e o seu caso foi julgado nos anos 1990. Nessa altura, não quis identificar publicamente o abusador e pediu, em tribunal, que não houvesse pena de prisão. Mas, agora, lamenta essa decisão por considerar que se tivesse denunciado o seu abusador poderia ter evitado outros casos de pedofilia.
A oitava vitima que participou no encontro de hoje com o Papa Francisco pediu para não ser identificada. Foi vitima do padre Tony Walsh, que era conhecido como “padre cantor” e foi acusado de vários crimes de pedofilia. Durante 15 anos a arquidiocese de Dublin recebeu denúncias que ignorou e só o destituiu em 1996. É um dos poucos casos que chegou à prisão.
A jornalista da Renascença Aura Miguel acompanha o Papa Francisco na sua Viagem Apostólica à Irlanda com o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.