18 set, 2018 - 16:46 • Filipe d'Avillez
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O número dois da Igreja Ortodoxa Russa, o metropolita Hilarion Alfeyev, considera que seria útil católicos e ortodoxos dialogarem mais a fundo sobre as suas respetivas respostas a questões como a família e o casamento.
Em entrevista à Renascença, durante uma visita a Portugal, o secretário geral do departamento Externo da Igreja Ortodoxa Russa – cargo ocupado durante 20 anos pelo atual Patriarca de Moscovo – reconhece que as relações entre Moscovo e Roma, que historicamente têm sido difíceis, estão agora num plano melhor, depois de os respetivos líderes se terem encontrado em Cuba, em fevereiro de 2016.
“O principal fruto deste encontro foi o abrir de uma nova página nas nossas relações. Nunca um patriarca de Moscovo se tinha encontrado com um Papa de Roma. Claro que o Patriarca Cirilo, que foi responsável pelo departamento de relações externas durante quase duas décadas, encontrou-se com vários Papas durante o seu longo ministério, mas não tinha havido nenhum encontro de facto entre o Patriarca e o Papa. O facto de ter acontecido deve ser considerado um avanço nas nossas relações.”
Quanto a outros frutos, contudo, levarão tempo a surgir, diz. “Claro que agora temos de trabalhar na implementação do que foi discutido durante este encontro. A declaração conjunta do Papa e do Patriarca tinha muitos pontos concretos, que não estão relacionados com Teologia ou Eclesiologia, mas sim com questões práticas da vida das pessoas. Agora estamos a trabalhar na sua implementação”.
O documento em questão referia vários assuntos de preocupação mútua, incluindo a ameaça colocada pelo ateísmo, secularismo e consumismo, aborto e eutanásia, questões ligadas aos migrantes e refugiados e também à importância da família e do casamento.
Sobre o casamento, Hilarion mostra-se compreensivo sobre o esforço feito pelo Papa Francisco para permitir que algumas pessoas em uniões irregulares possam aceder aos sacramentos. “Não me cabe a mim decidir pelo Papa, ele vê muito mais claramente a situação na sua Igreja, mas compreendemos que é um grande problema haver tantos católicos devotos que passaram pela infeliz circunstância de um divórcio, ou de uma rutura da vida familiar e que começaram outras famílias, mas agora não podem comungar.”
Na tradição ortodoxa lida-se com o problema de outra forma, permitindo, em certos casos, segundos ou até terceiros casamentos. “Talvez possamos aprofundar o diálogo sobre isto, porque é sempre útil trocar impressões e partilhar a nossas experiências”, considera o hierarca russo.
Música e conflito
Se o encontro entre o Papa e o Patriarca permitiu uma aproximação e o ultrapassar de um clima de suspeição que existia até então, o metropolita Hilarion acredita que é possível dar seguimento a esse trabalho de forma informal, através de outras iniciativas, como no âmbito da cultura.
O próprio metropolita é um compositor de reconhecida qualidade, que já viu peças suas interpretadas no Vaticano. “A música também tem um papel a desempenhar no diálogo entre culturas e igrejas, porque é uma língua universal, compreendida por todos. Quando nós, na Rússia, ouvimos música de tradição católica, ou quando as pessoas no ocidente ouvem música de tradição ortodoxa, esta é sempre uma oportunidade de nos conhecermos melhor”, considera.
Mas as conversas entre ortodoxos e católicos nem sempre são melódicas. Permanecem muitas divisões doutrinais, mas algumas muito práticas. Os russos reservam uma irritação particular para com a Igreja Greco-Católica da Ucrânia, a maior das igrejas católicas de rito oriental, que tem teologia e liturgia bizantina, dificilmente distinguível das ortodoxas, mas está em comunhão plena com Roma.
“Nós pedimos repetidamente que a Igreja Greco-Católica se abstenha de intervir politicamente no que se passa na Ucrânia. O atual conflito é civil, mas tem uma dimensão internacional, uma vez que também afeta as relações entre a Rússia e a Ucrânia. Acreditamos que a religião não deve ser usada pelas partes em conflito, que as igrejas devem desempenhar um papel pacificador, de paz e reconciliação.”
“Mas desde o princípio deste conflito que os greco-católicos tomaram um lado particular e continuam a usar uma retórica agressiva, que frequentemente assume um carácter anti-ortodoxo. Não concordamos com isso”, admite o metropolita.
Por fim, os ortodoxos russos queixam-se da expansão dos greco-católicos para o leste da Ucrânia. “Acreditamos que isso não vai trazer paz, nem harmonia, nem reconciliação. Pelo contrário, vemos muitos conflitos a surgir por causa desta expansão.”
Portugal exemplo de integração
Em Portugal existe uma pequena comunidade de ortodoxos russos, mas tanto quanto sabe este responsável não existe qualquer problema de integração. “A Igreja Católica costuma ajudar muito nestas situações em que a comunidade quer abrir uma paróquia num país de maioria católica. Na maioria dos casos a paróquia começa numa igreja católica alugada.”
“Este tipo de relação fraterna é muito apropriada para a situação corrente, porque há muitas vagas de emigração, e quando os russos chegam a um país, querem sempre abrir uma paróquia. Ao mesmo tempo, querem integrar-se na vida do país, e a maioria dos nossos paroquianos está bem integrada”, afirma.
O metropolita Hilarion está em Portugal para proferir uma conferência sobre a relação entre a Igreja Ortodoxa Russa e os cristãos do Médio Oriente na quarta-feira, às 18h30, na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.