12 out, 2018 - 11:33 • Filipe d'Avillez
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O Papa Francisco canoniza este domingo o arcebispo Oscar Romero, que foi assassinado em 1980, enquanto celebrava missa.
Francisco, que para além de ser latino-americano sempre falou na necessidade de a Igreja ir às periferias existenciais, não esconde a sua admiração pelo clérigo salvadorenho que foi morto precisamente por ser considerado uma voz incómoda para o regime, ao denunciar os abusos dos militares e a situação dos pobres em El Salvador.
O arcebispo de San Salvador tinha denunciado que agricultores salvadorenhos, autorizados a tomar posse de terras pela lei da reforma agrária, tiveram de enfrentar pessoas armadas. Romero pôs à disposição dos agricultores a rádio da diocese.
Em maio de 2013, durante uma visita a Portugal, o bispo salvadorenho Gregório Rosa descreveu Romero como um “pastor, profeta e mártir, mas acima de tudo sacerdote, num momento de grande repressão, em que havia os 'esquadrões da morte', em que ninguém defendia a dignidade humana, e ele defendeu os pobres de toda a injustiça, e foi alvo de ataques brutais por parte de grupos de direita e do governo militar.”
Durante todo este tempo Romero atuou praticamente isolado, explicava então o bispo auxiliar de San Salvador, mas não totalmente desarmado: “Estava só perante todos, com uma pequena arma que era a sua rádio católica. Toda a gente ouvia a rádio à hora da missa, em qualquer lugar do país, era uma luz na escuridão, porque era a única voz que dizia o que se passava, o que pensar do que se passava, e como ter esperança.”
Chega assim ao fim um processo que durou décadas. O processo de Romero esteve parado durante bastante tempo, durante o pontificado de João Paulo II, havendo muita discussão sobre se a sua morte tinha constituído martírio, ou apenas um crime de natureza política. Muitos setores da Igreja desconfiavam do arcebispo por o considerarem próximo da Teologia da Libertação, uma corrente teológica que chegou a ser muito popular na América do Sul e que, nas suas expressões mais radicais, tinha conotações marxistas.
Em 2007 o Papa Bento XVI referiu-se a esta discussão quando disse que a sua causa de beatificação era complexa, uma vez que forças políticas tentavam aproveitar-se da sua imagem, mas acrescentou que não tinha dúvidas sobre os seus méritos, considerando-o uma grande “testemunha da fé”.
Em 2013, contudo, o processo foi reaberto e em 2015, durante o pontificado de Francisco, um painel de teólogos concluiu que se tratava, de facto, de um caso de martírio e que Romero tinha sido morto “por ódio à fé”.
Embora o assassino nunca tenha sido apanhado, nem tenha confessado o seu crime, tudo indica que Romero foi morto por ordem da junta militar. Foi silenciado apenas um dia depois de ter pedido aos militares salvadorenhos para, na qualidade de cristãos, obedecerem às ordens superiores de Deus e não cumprirem as do Governo que implicassem a violação dos direitos humanos básicos e a repressão.