21 jan, 2019 - 12:57 • João Cunha , com Ângela Roque
A Câmara de Lisboa está a desinvestir nos programas de apoio à população sem-abrigo e isso já está a ter consequências visíveis. O alerta é lançado pelo Centro Social e Paroquial de S. Jorge de Arroios, que não conseguiu manter o "Núcleo de Apoio Local", que acolhia e alimentava quem vivia na rua, na freguesia, assegurando também o acompanhamento com técnicos especializados.
O financiamento da autarquia baixou de 75 mil euros por ano para apenas 15 mil, o que obrigou a abandonar o projeto, explica à Renascença o diretor do Centro Social e Paroquial, que lamenta a decisão de acabar com esta parceria, que já tinha provas dadas.
“Era um projeto integrado. Nós estávamos lá e tínhamos a permanência dos técnicos de segunda a domingo, os sete dias da semana, entre as 8h00 da manhã e as 10h00 da noite. E, durante o dia, alguns dos técnicos também faziam a ronda na freguesia, criavam alguma relação com as pessoas, e nesse sentido foi muito bom, até porque os dados indicaram que por ano tivemos uma enorme taxa de sucesso”, explica Pedro Raul Cardoso.
Estes dados positivos não chegaram, todavia, para manter o projeto em funcionamento. Sem financiamento suficiente, o Centro foi obrigado a acabar, repentinamente, com o projeto, e os problemas de quem vive na rua não só se mantiveram, como se agravaram. O espaço onde os sem abrigo iam mantém-se, mas a instituição que o gere só fornece refeições. Durante o dia, os utentes deambulam pela zona da Rua de Arroios, perto da Igreja, junto à qual passam as noites. E há relatos de distúrbios constantes e ameaças aos residentes.
“O ambiente tornou-se insuportável. Dá uma imagem péssima e não pode continuar a ser assim”, desabafa um dos residentes na zona, interpelado pela Renascença, quando ia a caminho do trabalho. Outro dá como exemplo o que tem acontecido junto à capela mortuária da Igreja, quando há velórios. “Estão aí enquanto as pessoas estão a velar corpos. É muito mau ambiente, mesmo”.
Outra habitante da freguesia passeia o cão, manhã cedo, no pequeno jardim frente à Igreja de Arroios. Diz que não deixou de a frequentar, mas já lá não vai tantas vezes, porque o que vê, incomoda-a. “Fazem necessidades à nossa frente, mesmo aqui no jardim. Não têm qualquer pudor com as pessoas, e não se pode dizer nada, porque se se diz alguma coisa ainda nos descompõem”, conta.
Aos ouvidos do pároco de Arroios, o padre Pedro Manuel Nunes Pedro, já chegaram muitos relatos de problemas, que têm afastado os paroquianos da Igreja. “Temos sentido isso, que as famílias e as pessoas se queixam de não poder participar tranquilamente nas atividades da igreja, e é verdade que algumas se têm afastado, e isso é um problema que nos preocupa muito.”
Desde a passada semana que a Renascença está a tentar contactar o vereador responsável pela ação social na câmara de Lisboa, mas só ao final da manhã desta segunda-feira surgiu uma reação, por parte do assessor do vereador.
"Não houve corte nenhum neste mandato e está a preparar-se um reforço da resposta em Arroios no próximo mandato. O Centro Social de Arroios geria o Núcleo de Apoio Local - estrutura montada no anterior mandato - com um financiamento limitado até ser aberto um concurso público. Infelizmente, decidiram não se candidatar ao concurso público quando este abriu, tendo ficado a gestão do Centro Social sob responsabilidade do CASA (Centro de Apoio aos Sem Abrigo), uma IPSS nacional. Os termos deste concurso, que são públicos, implicavam uma redução da resposta para uma resposta sobretudo alimentar. A decisão de reduzir à resposta de distribuição alimentar será provavelmente reequacionada no próximo Programa Municipal desta área, este sim da nossa competência."
Esta segunda-feira à tarde haverá uma reunião entre a autarquia, o Centro Social e Paroquial e o pároco de Arroios, para analisar a situação e perceber o que se pode fazer para melhorar a situação dos sem-abrigo, e dar de novo paz aos residentes naquela zona da cidade.