12 fev, 2019 - 06:46 • Ângela Roque
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Em entrevista à Renascença, a diretora da Cáritas da Venezuela traça um cenário das necessidades do país em profunda recessão desde 2014. Há falta de produtos básicos e medicamentos. Muitos viram-se obrigados a abandonar ou país.
“Um país como a Venezuela, que tinha recursos humanos e económicos, não devia estar a passar por esta situação, nem a ter de ativar a ajuda exterior. Temos gente a passar fome e sem medicamentos”, lamenta a diretora da instituição católica, em entrevista à Renascença. Janeth Márquez lembra que a ajuda de emergência que se aguarda não vai resolver a crise na Venezuela, mas permitirá dar resposta às situações mais urgentes. “É preciso que não se crie essa falsa expectativa, por isso temos vindo a alertar que esta não será uma ajuda para todos, só para os mais necessitados”.
“Neste momento é preciso ter muito claro o que é a solidariedade e quais são as prioridades e quem precisa mais. A ajuda humanitária destina-se a resolver problemas graves no momento, por isso estamos a alertar todos os que venham a organizar essa ajuda para que se foquem nas prioridades, que vejam onde a vida corre perigo e onde há mais sofrimento”, defende aquela responsável.
A instituição da Igreja católica sabe o que é mais urgente e faz mais falta. “São os medicamentos para as crianças, em especial as que têm desnutrição aguda. Alimentos terapêuticos, com micro-nutrientes, desparasitantes, vitaminas. Cálcio e ferro para as grávidas e as mães que amamentam bebés dos 0 aos 6 meses”, exemplifica Janeth Márquez, que lembra que os idosos são outro grupo de risco. “Também estão em défice nutricional, e há muitos a tomarem conta das crianças, cujos pais emigraram”.
A Cáritas assegura alguns fármacos, através das suas 20 farmácias, mas hoje em dia já tem falta de quase tudo. “Dependemos das doações que recebemos”, explica. E há medicamentos mesmo urgentes, para as doenças crónicas. “Todos os dias nos tocam à porta doentes com diabetes, tensão alta, problemas de tiroide”.
Os números do atendimento da Cáritas são reveladores da situação em que o país se encontra. “Entre 2017 e 2018 atendemos mais de 18 mil crianças, 10 mil com défice nutricional. Damos comida diariamente a dois milhões de pessoas, em lares, orfanatos, prisões. Temos mais de quatro milhões de pessoas atendidas por ano”, revela aquela responsável, que não vê a hora da ajuda exterior chegar. Mesmo sendo apenas um paliativo.
“É fundamental que chegue essa ajuda em termos de alimentação, medicamentos, e também para os hospitais, com material cirúrgico. Porque temos boas infraestruturas, mas estão muito debilitadas e não temos nenhum tipo de material”, diz.
Para Janeth Márquez é óbvio que a Venezuela “precisa de um plano de políticas públicas que permita resolver os problemas de fundo, que se agravaram nos últimos anos, um programa de governo que incida nos problemas estruturais para que se melhorem as condições de vida e as pessoas não precisem nem da ajuda comunitária, nem da farmácia da Cáritas, mas tenham possibilidade de se alimentar e de comprar medicamentos com o que ganham no seu trabalho”.
A Igreja disponibilizou a rede da Cáritas para receber e distribuir as ajudas, mas há outras organizações que colaboram. “Não é de hoje. Há já 3 anos que fazemos este trabalho, com pequenos donativos. Agora, se deixarem entrar ajuda humanitária poderemos dar uma resposta mais planificado e profunda, apesar do problema de fundo se manter”.
Janeth diz que a Igreja na Venezuela se apercebeu a tempo dos apelos, debilidades e sofrimento da população, e tem procurado dar resposta através das várias instituições que tem, educativas, de saúde, sociais, e também de acompanhamento. “Nos últimos três anos fizemos um trabalho permanente de apoio das pessoas, em busca de soluções, e temos feito alertas aos próprios governantes, para que vejam o sofrimento do povo e o resolvam. Esta crise todos os anos soma novos problemas que não encontram solução, e neste momento, 2019, temos uma hiperinflação, hospitais destruídos, e um país em que em cada família há duas pessoas com salário mínimo”.
Muitos já arriscaram deixar o país, mas Janeth chama a atenção para os perigos da emigração forçada. “A Igreja tem uma campanha em que alerta para os riscos que correm”. E quem sai hoje já não é pelas mesmas razões de há uns anos. “Primeiro saiam os que tinham dinheiro, depois os estudantes. Agora saem os mais pobres”, diz. Na fronteira podem encontrar problemas ainda maiores do que os que existem na Venezuela, porque há “as redes de emigração, as mafias, que os escravizam. Tentamos que se mantenham calmos”. E informados.
Janeth Márquez faz questão de deixar “um agradecimento muito grande à Igreja de Portugal. Apoiou-nos em 2018, está muito próxima de nós e disposta a continuar a apoiar-nos”. Um apoio que pode ser expresso também através da oração. “Rezem por nós”, pede aquela responsável, para quem “2019 vai ser um ano em que vamos continuar a precisar a vossa solidariedade”.