21 fev, 2019 - 14:28 • Filipe d'Avillez , Aura Miguel
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A cimeira sobre abusos sexuais, que decorre por estes dias no Vaticano, vai dar resultados concretos “se tudo correr bem, em breve”, diz um dos organizadores.
Um dos maiores especialistas da Santa Sé em lidar com casos de abusos sexuais, o padre jesuíta alemão Hans Zollner, disse esta quinta-feira em conferência de imprensa que quem espera resultados concretos desta cimeira não vai ficar desapontado.
“Muitas pessoas esperam resultados concretos. O Santo Padre deu-nos uma lista de pontos em que teremos de trabalhar. Levará tempo, mas se tudo correr bem haverá resultados concretos em breve”, disse, referindo-se à lista de 21 pontos que o Papa fez chegar a cada participante nesta cimeira.
“Penso que com isto o Papa encarrega-nos, não só aos bispos, superiores gerais de ordens religiosas que estão no auditório, mas todos os que estão em posições de liderança na Igreja”, disse Zollner.
O arcebispo Charles Scicluna, outro especialista que ajudou a organizar esta cimeira, referiu que a Congregação para a Doutrina da Fé já está a produzir um manual para ajudar os bispos em todo o mundo a tratar estes casos, que deve estar disponível em breve.
Mas todas as normas e diretrizes do mundo não são de qualquer utilidade se não houver um compromisso da parte dos bispos para com a justiça e a verdade nesta matéria, disse Zollner.
Referindo-se ao impacto que teve para os bispos os testemunhos das vítimas, esta manhã, o sacerdote alemão não tem dúvidas. “Quando se ouve com a mente, ouvidos e coração abertos, não se pode permanecer igual. Isso transforma-nos.”
“Como é que obrigamos as pessoas a abrir a mente, os ouvidos e o coração? Penso que os testemunhos que ouvimos hoje de manhã, e o encontro que vamos ter com a vítima esta tarde, é a forma como temos de avançar”, diz.
“É preciso as normas, sim, mas é preciso acima de tudo responsabilizar-nos.”
Já o arcebispo Scicluna recordou que a resposta à crise dos abusos tem de ser comunitária, e não individual. “Os bispos não devem ter de lidar com os casos sozinhos, porque isso não é o espírito da responsabilização. É preciso discernir e processar os casos em comunhão.”
“Em primeiro lugar, em comunhão com os fiéis, que estão interessados na segurança dos seus miúdos, que o olham como um pastor, como servidor da sua segurança e têm de encontrar no bispo um amigo da segurança e um inimigo de quem quer que queira ameaçar a inocência e a segurança das crianças.”
E tão importante como a união com os fiéis é a colaboração com a justiça civil, diz.
“É importante perceber que estamos em níveis diferentes. Nós não podemos usar meios coercivos, nem temos saudades dos meios da inquisição. A nossa jurisdição depende da submissão da fé. Se um criminoso não tiver qualquer fé, nem respeito pelo seu compromisso enquanto membro de uma comunidade de fé, a nossa jurisdição não terá qualquer efeito.”
O Estado, pelo contrário, pode usar esses meios. O bispo deu o exemplo da pornografia infantil, que muitas vezes só é detetável com análises aos computadores, que a Igreja não tem autoridade para fazer, mas o Estado sim.
Não olhamos para categorias
Um dos jornalistas na conferência de imprensa quis saber porque razão não se tem falado de homossexualidade, uma vez que a esmagadora maioria dos casos de abusos que têm vindo a público, pelo menos em países ocidentais, são de natureza homossexual.
Sobre isto, o arcebispo Scicluna foi claro. “O meu instinto é de olhar para casos individuais. Nunca se pode generalizar e envolver uma categoria inteira de pessoas. Temos casos individuais e não categorias de pessoas.”
“Você falou de uma categoria, mas também se pode falar de heterossexuais, são condições humanas que existem, mas não são algo que predispõe para o pecado, há ouras variáveis e não hesito em dizer que as inclinações pessoais dos culpados são muito importantes, mas não me atreveria a indicar uma categoria que tenda para o pecado”, concluiu.
Em resposta a outra questão, o arcebispo maltês disse que a penalização para casos individuais tem sempre de ser pesada. “Se um seminarista comete um abuso, não deve ser ordenado, mas isso não é uma penalização. Por outro lado, se o culpado tem 80 anos e está num lar, ou se está em coma, como já nos aconteceu, não vale a pena demiti-lo do sacerdócio, porque o ser sacerdote já não é uma ameaça à sociedade”.
Charles Scicluna aproveitou ainda para esclarecer que o direito canónico já não usa termos como “laicização” ou “redução ao estado laical”, mas sim “demissão do sacerdócio”.
Os dois primeiros termos, que continuam a ser muito usados dentro e fora da Igreja, como aconteceu recentemente com a penalização imposta ao ex-cardeal McCarrick, têm sido muito criticados, por dar a entender que o estado laical é de alguma forma menor ou menos digno que o sacerdócio, algo que Scicluna fez questão de rejeitar.
A cimeira sobre os abusos sexuais na Igreja continua até domingo. Em Roma encontram-se 190 participantes, incluindo D. Manuel Clemente, em representação da Conferência Episcopal Portuguesa.