22 fev, 2019 - 10:39 • Filipe d'Avillez , Aura Miguel
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O Cardeal Blase Cupich, dos Estados Unidos, abordou esta sexta-feira, segundo dia da cimeira sobre os abusos sexuais de menores que decorre no Vaticano, abordando aquela que tem sido uma das grandes questões dos últimos meses, que é a forma como se deve lidar com bispos ou superiores de ordens religiosas que estejam envolvidos – seja como abusadores, seja como encobridores – em escândalos de abusos sexuais de menores.
A dificuldade está no facto de, segundo a estrutura organizativa da Igreja a nível mundial, cada bispo diocesano do mundo depender diretamente do Papa, não podendo ser responsabilizado pelos seus pares ou sequer pela sua conferência episcopal.
Enquanto um padre diocesano ou religioso depende diretamente do seu bispo ou superior religioso e pode ser julgado por ele, sancionado e eventualmente demitido do estado clerical, ou receber outra punição qualquer, só o Papa é que tem autoridade para fazer o mesmo a um bispo.
Esta falha tornou-se particularmente evidente com o escândalo do ex-cardeal McCarrick, que ironicamente foi quem apresentou publicamente nos Estados Unidos as normas para lidar com padres acusados de abusos sexuais. No verão de 2018 o cardeal foi suspenso quando surgiram alegações credíveis de que tinha abusado de menores, vindo-se depois a saber que durante décadas ele manteve relações homossexuais com jovens padres e seminaristas. No passado fim-de-semana o ex-cardeal foi demitido do estado clerical.
Para além de McCarrick, outros bispos têm sido apanhados nas redes do escândalo dos abusos sexuais, mas em todos os casos foi só com intervenção direta da Santa Sé que o problema foi resolvido canonicamente.
Poder ao metropolita
Na sua conferência desta sexta-feira de manhã o cardeal Cupich propôs uma lista de 12 pontos que cada conferência episcopal no mundo pode adotar e, eventualmente, adaptar, para fazer face a esta lacuna.
Em primeiro lugar, disse Cupich, as vítimas, seus familiares e pessoas que denunciam os casos devem sempre ser tratados com respeito e dignidade e deve-se oferecer às vítimas apoio psicológico, pago pela diocese do bispo acusado. Não devem, ainda, ser sujeitos a qualquer tipo de vingança ou retaliação por terem denunciado os casos.
O cardeal enfatiza ainda a importância de se incluir em todo o processo peritos leigos, homens e mulheres. Cupich disse mesmo, durante a sua conferência, que a ausência destas vozes arrisca-se a deformar a Igreja e ofender a Deus.
“Devemos, sem hesitação, incorporar uma alargada participação dos leigos em todos os esforços para identificar e construir estruturas de responsabilização para a prevenção dos abusos sexuais por parte do clero. A história das últimas décadas mostra que a perspetiva única e abençoada de homens e mulheres leigos, mães e pais, contribui de tal forma para a visão da Igreja sobre esta tragédia que qualquer caminho em frente que exclua ou diminua esta contribuição deformará inevitavelmente a Igreja e desonra a Deus.”
De seguida, Cupich sugere aproveitar o papel do bispo metropolita. Um metropolita é o arcebispo que historicamente tinha autoridade sobre os bispos das dioceses vizinhas. Por exemplo, o Patriarca de Lisboa é um metropolita e historicamente tinha influência direta sobre as dioceses vizinhas e até sobre o Funchal e Angra do Heroísmo. Segundo a sugestão de Cupich, o arcebispo metropolita ficaria responsável por investigar alegações de abuso ou encobrimento relativas a bispos das dioceses vizinhas, fazendo chegar as conclusões a Roma.
A Santa Sé decidiria, depois, se o processo – caso houvesse fundamentos – continuava a partir de Roma ou se seria devolvido ao metropolita, concedendo-lhe autoridade para julgar o bispo em causa. Em todo o caso, a decisão final caberia ao Papa.
Blase Cupich recomenda ainda a criação de um fundo nacional, regional ou provincial, dependendo da dimensão do país, para financiar estas investigações.