24 fev, 2019 - 10:12 • Aura Miguel , Filipe d'Avillez
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O Papa Francisco compara os abusos sexuais ao sacrifício de crianças nas culturas e religiões antigas.
No discurso com que encerrou a cimeira sobre abusos sexuais e proteção de menores, este domingo, o Papa disse que o drama dos abusos sexuais atravessa os tempos, as culturas e as instituições, mas que isso não diminui de forma alguma a “monstruosidade” dos atos cometidos dentro da Igreja.
“O nosso trabalho levou-nos a reconhecer, uma vez mais, que a gravidade do flagelo dos abusos sexuais contra menores é um fenómeno historicamente difuso, infelizmente, em todas as culturas e sociedades. Mas, apenas em tempos relativamente recentes, se tornou objeto de estudos sistemáticos, graças à mudança de sensibilidade da opinião pública sobre um problema considerado tabu no passado, ou seja, todos sabiam da sua existência, mas ninguém falava nele.”
“Isto traz-me à mente também a prática religiosa cruel, difusa no passado nalgumas culturas, de oferecer seres humanos – frequentemente crianças – como sacrifícios nos ritos pagãos”, disse Francisco.
Apesar da universalidade dos abusos, “Devemos ser claros: a universalidade de tal flagelo, ao mesmo tempo que confirma a sua gravidade nas nossas sociedades, não diminui a sua monstruosidade dentro da Igreja”, disse Francisco, acrescentando que “o consagrado, escolhido por Deus para guiar as almas à salvação, deixa-se subjugar pela sua fragilidade humana ou pela sua doença, tornando-se assim um instrumento de satanás. Nos abusos, vemos a mão do mal que não poupa sequer a inocência das crianças. Não há explicações suficientes para estes abusos contra as crianças.”
Segundo o Papa, a ira popular que se tem manifestado em muitos setores contra a Igreja não é injustificada. Pelo contrário, tem algo de divino. “Na ira justificada das pessoas, a Igreja vê o reflexo da ira de Deus, traído e esbofeteado por estes consagrados desonestos. O eco do grito silencioso dos menores, que, em vez de encontrar neles paternidade e guias espirituais, acharam algozes, fará abalar os corações anestesiados pela hipocrisia e o poder. Temos o dever de ouvir atentamente este sufocado grito silencioso.”
Assim, Francisco coloca a crise dos abusos sexuais na Igreja, e o combate contra ele, no plano do sobrenatural, dizendo claramente que nos abusos se vê a mão do maligno. “Irmãos e irmãs, estamos hoje perante uma manifestação do mal, descarada, agressiva e destruidora. Por detrás e dentro disto está o espírito do mal, que, no seu orgulho e soberba, se sente o dono do mundo e pensa que venceu. Isto gostaria de vo-lo dizer com a autoridade de irmão e pai (pequeno, sem dúvida, mas que é o pastor da Igreja que preside na caridade): nestes dolorosos casos, vejo a mão do mal que não poupa sequer a inocência dos pequeninos.”
O Papa conclui que chegou a hora de todos colaborarem para extirpar definitivamente este mal da Igreja e propõe oito dimensões em que a Igreja deve investir. Em primeiro lugar está a tutela das crianças “é necessário mudar a mentalidade combatendo a atitude defensivo-reativa de salvaguardar a Instituição em benefício duma busca sincera e decidida do bem da comunidade, dando prioridade às vítimas de abusos em todos os sentidos.”
Em segundo lugar Francisco pede “seriedade impecável” que não poupa esforços para conduzir à justiça todos os culpados destes crimes e em terceiro apela a uma verdadeira purificação, que começa com a auto-acusação.
No campo prático, é necessário apostar na formação de seminaristas e candidatos às ordens religiosas e também no reforço das diretrizes das conferências episcopais. Em sexto lugar é necessário acompanhar os abusados, tentando curar as suas feridas. Francisco chama ainda atenção para a necessidade de combater os abusos sobre crianças no mundo digital e através do turismo sexual.
“Por fim, gostaria de assinalar a importância de dever transformar este mal em oportunidade de purificação”, disse o Papa, “o melhor resultado e a resolução mais eficaz que podemos oferecer às vítimas, ao Povo da Santa Mãe Igreja e ao mundo inteiro são o compromisso em prol duma conversão pessoal e coletiva, a humildade de aprender, escutar, assistir e proteger os mais vulneráveis.”
Com este discurso do Papa chega ao fim a cimeira sobre abusos sexuais e proteção de menores.