25 fev, 2019 - 07:00 • Aura Miguel
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. Manuel Clemente, diz que as indicações que saem da cimeira sobre absusos que decorreu no Vaticano "não trazem novidades substanciais em relação ao que já temos em Portugal desde 2012"-
Em entrevista à Renascença, no final dos trabalhos de Roma, o também cardeal patriarca de Lisboa partilha aquilo que mais o tocou e o que espera que mude na abordagem da Igreja a esta questão.
Que balanço faz desta cimeira?
O Papa teve esta felicíssima ideia de nos convocar para tratarmos em conjunto algo que a todos diz respeito, a nós como Igreja e como Igreja na sociedade. Sendo algo tão global, só globalmente podia ter sido debatido. E foi.
Este globalmente também entre os participantes, e tudo com a maior franqueza, clareza, tudo se disse, tudo se conversou. Tenho algum conhecimento destes dois mil anos da Igreja, toda a vida fui professor destas coisas e não conheço nada assim, como aconteceu agora, em que um Papa convoca todo este tipo de pessoas, não só eclesiásticos - leigos, leigas, mães, vítimas - para que tudo se debatesse em conjunto e com clareza. Isto é a verdadeira colegialidade de que se tem falado, e também a sinodalidade, que toda a gente participe no que a todos interessa.
Uma das novidades foram os testemunhos das vítimas...
Com certeza. E os testemunhos têm uma força muito especial, que nos deixa tocados por aquilo que os toca a eles, os que sofreram, quer seja aqui quer seja nos nossos países. Sempre que ouvimos uma manifestação de algo que realmente aconteceu, não podemos deixar de ficar abalados.
O que é que cada um dos participantes vai fazer nos seus países e dioceses?
Vai fazer ainda mais. Creio que com o Papa Francisco - também com os pontificados anteriores, mas temos de dizer que especialmente com ele - esta proximidade que trás da sua terra-natal para a Europa e para o mundo, em relação às pessoas e em relação aos problemas, vai-se tornando um estilo eclesial e um estilo pastoral da Igreja. As distâncias que as outras sociedades e outros tempos mantinham, hoje em dia não existem, também por causa dos media.
Mas teve de haver este encontro... Foi um abanão?
Sim, um abanão que estava marcado desde o verão. Portanto, tivemos tempo para nos prepararmos nas nossas igrejas, ouvindo pessoas, etc. Isto é uma boa maneira de trabalhar, é bom porque é a Igreja toda no seu conjunto.
O que é que vai fazer agora, no regresso a casa?
Insistir no que já tenho feito. Sou o mesmo, o problema não é de hoje. Portanto, vamos insistir. Houve uma vantagem, também, que foi de que aquilo que se tem feito localmente e até nos vários continentes e regiões passa a ser feito universalmente, porque toda a gente conversou, toda a gente teve tempo e oportunidade de dizer da sua justiça. Já nos foi dito que, agora, aparecerão umas linhas ainda mais precisas, aquilo a que chamam um “vade-mecum” de conduta em relação a esses casos.
Esta segunda-feira, haverá já um encontro ao nível de dicastérios.
A nível dos serviços mais diretamente ligados ao Papa, em Roma. Julgo, por aquilo que ouvi, que as indicações não trazem novidades substanciais em relação ao que já temos em Portugal desde 2012: normas que nos foram pedidas de Roma, que fizemos e que estamos a seguir. Mas o “vade-mecum” para todos os bispos, de todo o mundo, claro que ajuda, é um instrumento de trabalho mais preciso.
O que é que o inspirou mais nestes últimos dias?
Tenho-me lembrado dos chamados transcendentais, aquelas realidades humanas que como são muito essenciais alargam o horizonte e acabam por se tornar quase absolutas. Em primeiro lugar, porque foi tudo com muita franqueza, com muita verdade e, como foi verdadeira, também foi boa, porque o que arde cura, costuma-se dizer, e com razão. As coisas, quando são verdadeiras, mesmo quando são exigentes, ou precisamente porque são exigentes, curam e, por isso, são boas. E, nesse sentido, também tem alguma beleza, porque é a beleza da verdade que nos faz ter esperança para que com verdade e com empenho as coisas se resolvam.