07 jun, 2019 - 07:01 • Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)
Tendo como pano de fundo a Feira do Livro de Lisboa, que decorre até 16 de junho, a Renascença e agência Ecclesia entrevistaram o diretor-geral da Paulus Editora. Uma conversa sobre livros e os desafios que se colocam ao setor e, em particular, às editoras católicas que ali marcam presença, com qualidade reconhecida e com uma oferta cada vez mais alargada em termos de temas e autores.
Para o padre José Carlos Nunes, participar neste tipo de eventos “é fundamental” para ter visibilidade e conquistar mais leitores. Diz que uma das estratégias é “estar atento”, para dar resposta adequada à procura, que na Paulus têm sempre em conta. Não vê como “concorrentes” os livros de ‘autoajuda’, explicando que o objetivo principal do que escolhem publicar é ajudar as pessoas a crescer na fé, que não é “algo mágico” e tem de ser “cultivada”.
A poucos meses de deixar o cargo, para ir tirar um doutoramento em comunicação digital, José Carlos Nunes não tem dúvidas de que o futuro dos livros também passa por aí. E fala das apostas editoriais que têm feito, como a da coleção Youcat, destinada aos jovens.
Participar numa Feira do Livro é muito importante para uma editora como a Paulus, que está ao serviço do Evangelho e da cultura cristã?
É importante e é fundamental. Cada vez mais, a Feira do Livro de Lisboa é um evento cultural, ligado aos livros, de maior relevo no nosso país. E não falo tanto numa perspetiva de vendas, comercial, mas numa perspetiva de presença, e de imagem também. Nós já participamos na Feira da Livro há muitos anos…
Há quantos?
Esta é a 89.ª edição, nós já participamos há pelo menos 65 anos. E a nossa presença tem sido sempre esta: estar no meio da cultura portuguesa, mostrar que também há uma cultura religiosa.
Mas, faz diferença em termos de exposição pública, para se darem a conhecer a mais gente?
Sim, faz, porque passa muita gente pela Feira do Livro, com as mais variadas razões e motivos. Porém, a nossa presença é uma presença no meio da cultura, no meio da cidade, no meio de tantas outras editoras e no meio de tantos outros temas. É bom que esteja presente a temática religiosa, e não só, porque a Paulus Editora tem vindo cada vez mais a apostar numa outra linha editorial, que tem a ver com o diálogo com os não-crentes, e sobretudo um diálogo de uma espiritualidade um pouco mais alargada.
Ao longo do ano vão promovendo lançamentos e apresentações de livros, participam em Feiras, iniciativas próprias do mundo editorial. É importante usar as mesmas armas das outras editoras? Conseguem chegar a mais público?
É cada vez mais fundamental. Aliás, nós nascemos precisamente desta intuição do nosso fundador, de que devemos combater o mal usando as mesmas armas, mas para o bem. Combater, obviamente, aqui é em sentido figurado, o sentido de que se a mensagem é boa, todos os meios utilizados devem ser excelentes, para poder ajudar a veicular esta mensagem de salvação, que traz felicidade às pessoas, que ajuda as pessoas a encontrarem a sua realização na própria vida. Cada vez mais procuramos adequar-nos aos vários públicos, a partir da necessidade de os conhecer.
"Os livros da Paulus encontram-se em qualquer livraria, portanto há espaço para eles, o que significa que lhes reconhecem não apenas qualidade mas interesse para o próprio público"
Há preconceito, da parte de outras editoras, em relação às editoras assumidamente católicas?
Sim, por vezes associam as editoras católicas a um tipo de literatura mais devocional, a um nicho de mercado, ‘ai, isto são coisas mais ligadas à Igreja, e não nos interessa’. E este é um caminho que temos feito, através de coleções novas, de novas apostas, não só numa perspetiva de conteúdos, mas também numa perspetiva de divulgação. Por isso, nos últimos anos temos apostado muito em não apenas publicar as obras, mas associar eventos a essas obras. O nosso departamento de feiras e eventos tem tido um crescimento muito grande, no que diz respeito à participação não apenas em feiras do livros, mas também em eventos que fazemos, associados ao próprio livro.
Hoje não basta editar um livro e colocá-lo numa prateleira, ou em exposição numa livraria. Não é suficiente, porque saem tantos livros por dia, por mês e por ano, que não há público para ler todos estes livros. Então, sentimos necessidade de criar eventos à volta das obras: pode ser um workshop, conferências, um debate de ideias ou um diálogo com o autor, e isto com os mais variados meios.
Fala-se muito da crise do livro, mas a Paulus, como outras editoras católicas (Paulinas, Princípia, Lucerna, ou Apostolado da Oração, dos Jesuítas) têm um ritmo de edições considerável. Há público para tantos livros relacionados com a temática da fé?
Esse é o nosso desafio, o de procurar o público, porque o público existe. Mas, cada vez mais o público não vem até nós, nós é que temos de ir ao seu encontro, e esta é a nossa estratégia principal. Aliás, passa pela nossa forma pastoral de estar e de existir, na Igreja e na sociedade: não ficamos à espera que venham ao nosso encontro - apesar de termos livrarias próprias, em Portugal e não só -, nós vamos ter com o público, com as mais variadas linguagens e os mais variados meios, que nos ajudam nesta ótica pastoral.
Há público para os mais variados temas, até mesmo ligados à espiritualidade. Porque a espiritualidade não se restringe a uma proposta de vida de fé. A espiritualidade tem um sentido mais alargado, tem a ver também com o bem estar, a forma de nos relacionarmos com os outros e com Deus. A espiritualidade, num sentido lato, tem a ver com toda a existência humana, com toda a experiência humana enquanto tal.
Nesse sentido, é importante que as editoras promovam e alarguem o debate e a reflexão teológica para campos que não são especificamente o da preparação para o sacerdócio?
É fundamental. Se nós queremos uma Igreja cada vez mais consciente da sua identidade, que mude a realidade à sua volta para melhor – porque, para pior, é a coisa mais fácil de fazer -, a qualidade da nossa fé ajuda à qualidade da nossa vida. No fundo, a qualidade da nossa vida depende da qualidade da nossa fé, porque uma coisa e a outra estão interligadas. É neste sentido que as propostas de leitura que nós fazemos, através das nossas obras, são propostas alargadas, tendo em conta vários públicos.
O que publicam é muito variado, vai dos textos mais eruditos, investigações, de livros estritamente religiosos até autores de literatura infantil. Privilegiam os temas relacionados com a fé, ou têm vindo a abrir o leque de temas e publicações?
Uma coisa e outras. Aliás, há uma imagem muito bela de São Paulo, nas suas cartas, que nos acompanha muito nos nossos projetos editoriais: a certo momento, diz ‘não vos dei outro alimento mais sólido, porque vós sois ainda crianças e tive de dar-vos leite materno’. Portanto, nós procuramos dar leite materno para aqueles que são mais jovens na fé, e procuramos dar alimento mais sólido aos que são mais adultos e conseguem digerir outro tipo de alimento. Procuramos, de facto, ir ao encontro das diversas necessidades que cada um tem, para poder crescer na fé, porque nós acreditamos numa fé madura. A fé não é algo mágico que eu recebo, podendo viver de rendimentos na fé. A fé tem de ser cultivada, dia após dia, tem de ser alimentada, tem de ser cuidada. E é aí que nos colocamos.
"O nosso desafio é procurar o público, porque o público existe, mas cada vez mais não vem até nós. Nós é que temos de ir ao seu encontro e é esta a nossa estratégia principal"
Aliás, a nossa editora, a partir do Jubileu da Misericórdia, sobretudo quando o Papa insistiu muito nas Obras de Misericórdia Espirituais, percebemos que o nosso caminho passa muito por aí: ‘ajudar os ignorantes’ a conhecer melhor as realidades da fé e da vida humana; ‘corrigir os que erram’. Por aqui passa a nossa missão, também, a nível editorial.
Essa perspetiva católica sobre a espiritualidade, o ser humano, o mundo, a vida, tem chegado a um público não-católico?
Sim. Por exemplo, nós temos uma coleção que se chama ‘Na primeira pessoa’, que tem sido um teste muito interessante, na nossa linha editorial. Pretende dar voz a personalidades públicas que, através da sua vida, têm um conjunto de valores que podem servir de estímulo aos outros. Nessa coleção publicámos o livro ‘O presidente dos afetos’, a propósito dos 70 anos do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Foi um ‘piscar de olhos’ à área política…
Não, foi sobretudo uma leitura, a partir da solidariedade e, sobretudo, da sensibilidade do presidente da República para com os mais desfavorecidos, para ajudar a perceber como, efetivamente, a política também é feita de afetos, mas não são os afetos que fazem a política, enquanto tal; é algo que já existia antes, e foi isso que se pretendeu com essa obra. Isto é, perceber se o presidente da República sempre foi assim, afetuoso, ou se só se tornou afetuoso depois de entrar na política. A jornalista Cláudia Sebastião foi investigar e concluímos que sempre foi afetuoso. Por isso a questão do afeto como uma caraterística humana, mas também religiosa, está presente na vida neste caso de Marcelo Rebelo de Sousa.
Mais recentemente tivemos também o livro da Aura Miguel, ‘Aura Miguel – Convida’, precisamente a partir de um programa na Rádio Renascença, de entrevistas a personalidades tão diferentes, mas todas elas com um cunho humano, uma mensagem humana e com valores humanos que nos unem. Afinal de contas, os Dez Mandamentos estão inscritos no coração de todo o ser humano, não são apenas uma questão moral, são uma questão ética, da sociedade.
As obras que editam são projetadas em função da procura?
Sim. Nós temos análises de mercado, a partir de outras empresas, mas também fazemos as nossas próprias análises, a partir do nosso público: quem frequenta as nossas livrarias, os assinantes das nossas revistas e, ao mesmo tempo, os nossos parceiros na divulgação das obras. Aliás, a parte comercial é um fator muito importante na Paulus Editora. Não falamos apenas de conteúdos, mas também de parcerias com livrarias generalistas. Os livros da Paulus encontram-se em qualquer livraria, portanto, há espaço para eles, o que significa que lhes reconhecem não apenas qualidade, mas interesse para o próprio público.
Sabemos que as livrarias, hoje, têm um espaço limitado. Livros que não se vendem, não têm espaço nas livrarias, há uma rotatividade muito maior. Os livros da Paulus estão muito presentes nessas livrarias – e nós não pagamos por isso, devo dizer -, até chegam ao ‘Top 10’, pela qualidade do conteúdo, mas sobretudo pelo interesse do público enquanto tal.
Voltando à questão da espiritualidade. Vemos como os livros de ‘autoajuda’ têm muita procura. Há quem confunda livros de meditação cristã com esta “autoajuda”? Fazem-vos concorrência?
Responderia com alguma ironia: as pessoas deixaram de se confessar e passaram a ir ao psicólogo, é um pouco isso. É claro que um não substitui o outro, a interdisciplinaridade nestas áreas é fundamental. Porém, também há muita confusão em relação àquilo que é a meditação ou ao que são novas filosofias, que muitas vezes vêm ocupar um espaço na vida das pessoas, quer por moda, quer por necessidade inconsciente dessa mesma realidade. É bom que estejamos atentos, e nós procuramos estar atentos a isso.
"Há muita confusão em relação ao que é a meditação ou as novas filosofias. Está cada vez mais na moda a questão do yoga, do reiki e todas estas filosofias orientais. Já temos tudo isso na fé cristã"
Hoje em dia, está cada vez mais na moda a questão do yoga, do reiki, e todas estas filosofias orientais. Vários leitores questionam-nos, nas nossas livrarias, para saber se isto não está em contradição com a fé cristã, se é legítimo, se faz bem ou mal. O que costumamos dizer é que já temos tudo isso na fé cristã: temos meditação, temos lectio divina, temos música gregoriana que ajuda a acalmar o espírito, temos um exame de consciência que a Igreja recomenda, a frequência dos sacramentos, sobretudo da Reconciliação enquanto tal… tudo isto existe na Igreja. Agora, há outros fatores na sociedade, que muitas vezes acabam por tomar a dianteira, e porque aparecem mais vezes acabam por suscitar um maior desejo na vida das pessoas.
Algumas publicações mais relevantes têm sido as da coleção YOUCAT, o catecismo para os jovens. Têm feedback dos leitores mais novos em relação a esta aposta editorial?
Sim. Esta coleção foi publicada por nós, em Portugal, precisamente para preencher uma lacuna que existia a nível editorial, no espaço juvenil. Havia muita literatura devocional, alguma literatura teológica, mas para os jovens havia muito pouco. Por isso, apostámos muito nesta coleção, precisamente para responder a desafios pastorais. E a experiência que temos tido é muitíssimo boa, prova disso são as várias reedições que temos feito de qualquer um destes volumes. Aliás, o último saiu no inicio deste mês, o YOUCAT para crianças e para pais. É uma obra para um público mais infantil, que quer ajudar as crianças a preparar a sua Primeira Comunhão, mas também os pais, porque sabemos que hoje também precisam, cada vez mais, de uma catequese familiar, que muitas dioceses e paróquias já vão oferecendo.
"Muitas coisas concorrem com o papel hoje em dia. Daí a necessidade de se começar a fazer uma transição para o digital"
Os jovens consideram esta coleção um dom de Deus para eles, porque não o trabalham só na catequese, como um complemente aos catecismos que existem, existem grupos de jovens, grupos de oração, que pegam muitas vezes na coleção YOUCAT para abordar os mais variados temas. Não trata só do Catecismo, há um volume sobre a Doutrina Social da Igreja, com temas fundamentais dos dias de hoje, e que muitas vezes não se abordam na catequese: o dinheiro, a política, a ecologia, a moral sexual.
Os jovens, à medida que vão tendo um amadurecimento e se vão interrogando sobre eles próprios, sobre o mundo, sobre a relação com Deus, precisam de conteúdos. Então, nesta coleção encontram, numa linguagem mais juvenil, os mesmos conteúdos do magistério da Igreja.
Estas são edições internacionais, em várias línguas. Qual tem sido o contributo desta coleção YOUCAT nas Jornadas Mundiais da Juventude, e como será em 2022, com a JMJ em Lisboa?
Todos os últimos volumes têm prefácio do Papa – de Francisco e, antes, de Bento XVI -, o que quer dizer que o sucessor de Pedro considera este projeto muito válido. Nas últimas Jornadas Mundiais da Juventude, o Papa tem oferecido estes volumes, gratuitamente, através da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre, a nível internacional, como um subsídio pastoral, para que os jovens - regressando às suas casas depois da experiência de fé vida e celebrada na JMJ - não percam os inputs (contributos) que receberam nessas Jornadas e possam, depois, aprofundar essa mesma fé, individualmente ou em grupo.
A Fundação YOUCAT – inicialmente era uma editora, mas passou a ser uma fundação com estrutura própria que avalia estes projetos - tem dito que, depois da JMJ, os jovens não deitam o livro fora; chegando aos seus países, contactam a Fundação, através da internet, a solicitar mais material de apoio, ou até mesmo a perguntar quando é que o livro é publicado nesta ou naquela língua. Já nos aconteceu a própria Fundação perguntar-nos ‘quando é que vai sair a edição portuguesa?’, porque de Portugal, do Brasil, de Angola ou Moçambique já estavam a querer a edição em português.
A Paulus Editora não esconde a sua natureza - está ligada à Sociedade de São Paulo, uma congregação religiosa de vida apostólica fundada pelo beato Tiago Alberione, em Itália, em 1914, e que celebra já 75 anos de presença em Portugal. A vossa vocação é comunicar, é evangelizar através da comunicação, o que fazem com a edição de livros, mas também com publicações periódicas, uma rede de livrarias…
É verdade, também com um programa de rádio semanal, ‘O Caminho de Emaús’, que é distribuído, regra geral, à disposição de rádios regionais e locais, um pouco por todo o território nacional, e não só. Temos uma presença nas redes sociais (Facebook e Youtube) e, recentemente, tivemos uma experiência televisiva com o programa ‘Livros com Fé’, na Ângelus TV, que agora encerrou a emissão. Foi uma experiência interessante, porque percebemos como tudo isto se vai complementando, naquela que é a nossa missão.
Aliás, a Paulus apresenta-se hoje como uma “editora multimédia”. O caminho é por aí, pelo digital, pelas novas tecnologias?
Cada vez mais, porque é por aí que a sociedade caminha, e a tecnologia invadiu a nossa vida e a nossa vida, sem tecnologia, torna-se muito mais complicada…
Esta aposta no digital vai, de alguma forma, tirar espaço à edição em papel?
Vai, com certeza. Aliás, nós já notamos isso, até mesmo pelas nossas revistas, à exceção da ‘Liturgia Diária’, que é um subsídio litúrgico-pastoral. Mas, as revistas de conteúdos, como a ‘Família Cristã’ ou a ‘Síntese’, de informação paga, vão tendo um decréscimo de leitores e de assinantes também. Percebemos essa tendência, porque muitas coisas concorrem com o papel, hoje em dia. E daí a necessidade de se começar a fazer uma transição para o digital: a ‘Família Cristã’ já tem uma edição digital, desde há poucos meses, que se vai aperfeiçoando, além de potenciarmos o próprio site.
Já foi provincial da Sociedade de São Paulo, e sabemos que em breve deixará de ser o responsável pela Paulus Editora para se dedicar de novos aos estudos, e na área do digital. O que é que vai fazer?
O nosso superior geral conversou comigo – eu já lhe tinha manifestado, no final do meu mandato, o desejo de poder continuar os estudos na área da comunicação – e disse-me que havia necessidade, e que seria um projeto interessante para a congregação, que fosse fazer uma especialização, um doutoramento na área da comunicação digital. Aceitei, fiquei muito contente com esta nova missão que ele me entrega, porque nós precisamos de pensar a missão da congregação, não no futuro, mas no presente, já, imediato, que é este que tem a ver com a comunicação digital.
Uma formação a olhar para o futuro, em termos pessoais e da congregação?
Pessoais, porque me dá muito gosto o estudo da comunicação, sempre deu e apenas interrompi por causa das funções que tive nos últimos 15 anos. A nível da congregação, porque vivo como paulista, e sinto que o nosso ministério na Igreja passa efetivamente pela comunicação. Nesse sentido, temos de conhecer a realidade humana para podermos ter a mensagem divina adequada à compreensão e à vivência das pessoas, nos dias de hoje, com os desafios de hoje.