28 jun, 2019 - 07:00 • Henrique Cunha (Renascença) e Paulo Rocha (Ecclesia)
“É uma ideia tentadora” convidar o Papa Francisco para visitar a Diocese de Vila Real. D. António Augusto Azevedo, que toma posse como bispo da diocese no próximo domingo, diz que "foi uma descoberta a coincidência" de o centenário da diocese se assinalar no mesmo tempo em que Francisco visita Portugal, para a Jornada Mundial da Juventude. Admite ser tentador um convite a “este Papa com quem tudo é possível”, mas de forma mais racional diz que lhe “parece muito pouco viável”.
D. António Augusto considera “uma coincidência feliz” o facto de a diocese celebrar o seu centenário em ano de Jornada Mundial da Juventude o que “permite cerca de um ano de festa” a Vila Real.
O novo bispo de Vila Real considera o despovoamento do país “uma questão muito séria” e, nesta entrevista conjunta à Renascença e Ecclesia, admite que “o papel da Igreja sobretudo nas aldeias que estão envelhecidas e despovoadas é importante”, mas ao mesmo tempo "difícil".
Classificando a questão dos abusos de menores como "pertinente" e "atualíssima", D. António Augusto sublinha que todos os bispos comungam da preocupação do Papa e que "cada diocese - e Vila Real também - irá pôr em pratica todas as orientações que foram dadas".
Já tem uma ideia mais aprofundada da realidade que vai encontrar em Vila Real?
Sim, já tenho uma ideia mais aproximada. Tinha uma ideia, enfim, fruto do conhecimento de visitas durante alguns anos. Nos últimos dias, naturalmente, documentei-me sobre alguns aspetos, alguns pontos concretos sobre a diocese, mas a partir do dia 30 é que irei conhecer mais em concreto o terreno, as pessoas, a vida da diocese.
Tem um percurso muito ligado a Universidade Católica e à formação no Seminário Maior do Porto, onde se formaram muitos sacerdotes da diocese de Vila Real. Isso será uma vantagem, é algo que pode potenciar?
De facto, há essa coincidência feliz de, nos últimos 40 anos os seminaristas de Vila Real seram formados no seminário do Porto. Tem sido um projeto de colaboração das duas dioceses, muito bonito, muito estável, tem dado bons frutos e Vila Real tem um conjunto de padres novos. Tem uma geração, de facto, com um número apreciável de padres e, certamente, também com boa formação. Como novo bispo, creio que será uma vantagem porque acredito que o conhecimento pessoal, a proximidade, a relação é um fator decisivo em todas as dimensões na vida e, sobretudo, na pastoral, na relação de um pastor, de um bispo com o seu presbitério. Creio que é um fator muito importante e muito positivo.
É "meio caminho andado" então?
Sim, creio que é meio caminho andado.
Tudo aponta para que seja o bispo diocesano por altura do centenário da diocese de Vila Real, em 2022. Já começou a pensar no programa dessas celebrações?
Para mim, foi uma descoberta, essa coincidência, da celebração do centenário da diocese em 2022. Desconhecia, fiquei a conhecer. É claro que é uma ideia que, naturalmente, começa a povoar o meu pensamento, o meu espírito, mas não tenho qualquer ideia concreta, até porque qualquer programa, qualquer iniciativa passará, obviamente, sempre pelo pronunciamento da diocese, dos seus órgãos próprios, do seu clero, dos leigos e movimentos. Portanto, só aí esse assunto irá ser aprofundado. De qualquer forma, à partida, julgo que é uma grande oportunidade. O centenário de uma diocese é sempre um momento que será aproveitado para que a diocese tome mais consciência da sua história, dos seus valores e, assim, ganhe um novo elã para o futuro e para os desafios do presente.
Um dado também já se sabe é que vai coincidir o centenário da diocese com a realização em Portugal das Jornadas Mundiais da Juventude e com a presença do Papa. Esse será também uma feliz coincidência e pode também potenciar a celebração do centenário na diocese de Vila Real?
De facto, é uma feliz coincidência, o que nos permitirá, desde logo - e, se Deus quiser, com este Papa -, termos quase um ano de festa. Numa primeira parte do ano, teremos o centenário e, na segunda parte, teremos toda a preparação mais intensa e próxima das Jornadas Mundiais da Juventude. Pode, obviamente, ajudar a trazer um pouco a juventude, desde logo para a vida da diocese.
Levar também o Papa à vida da diocese pode ser uma possibilidade?
Não tinha pensado nisso, não me parece que seja muito viável, mas tudo é possível. Mas não me parece de todo que possa acontecer.
É uma ideia tentadora?
É uma ideia tentadora, tudo é possível com este Papa, portanto…. Mas, sinceramente, não me passa pelo espírito neste momento.
Vila Real, tal como a maioria das dioceses do interior, sofre com a questão do despovoamento. Não está nas mãos da Igreja a solução para este problema, mas que apelo é necessário fazer às autoridades para que se aposte em definitivo no combate ao despovoamento do interior?
De facto, a questão do despovoamento é uma questão séria no país. Toda a faixa do interior sofreu, nos últimos 20-30 anos, uma grande perda de pessoas, que migraram para o litoral. De facto, nas últimas décadas, o país inclinou para o mar. Eu acredito, eu quero crer que, no futuro - não me atrevo a dizer quando, mas imagino que no futuro não muito longínquo -, iremos redescobrir o interior, redescobrir o campo. Tenho essa convicção. E isso pode significar, desde logo, alguma gente nova, alguma energia.
Porém, importa também sublinhar que, em Vila Real, há zonas de núcleos urbanos. Por exemplo, Vila Real, Chaves, Régua e outros núcleos de concelhos que têm alguma vitalidade. Isto quer dizer que há algum crescimento, muito pelo fruto da presença da universidade. Esse é um fator muito importante.
Quanto ao papel da igreja, sobretudo no que diz respeito às aldeias que estão envelhecidas e despovoadas, é um papel importante, embora difícil. Em primeiro lugar, é um papel de presença. A igreja terá sempre de pensar nas formas de presença: ministros ordenados, vida da paróquia. Por outro lado, também há que pensar no tipo de pastoral: que tipo de assistência, de que tipo de redes, de relações humanas e de vida comunitária. Privilegiar com os que estão e, ao mesmo tempo, também com a ajuda, com o apoio de emigrantes, sejam os emigrantes dentro do pais que possam dar apoio, sejam os emigrantes que estão por toda a Europa e por todo o Mundo, que também virão nas férias. Perante este problema, a Igreja tem uma responsabilidade importante.
Faz da dimensão social do trabalho da Igreja uma dimensão prioritária na diocese?
Julgo que sim. A diocese já tem, tanto quanto eu conheço, algum, enfim, alguma presença social e essa presença, naturalmente, será apoiada. Na minha forma de ver a questão, essa presença deve ser valorizada.
Para garantir essa proximidade de que falava?
Exatamente. Isso vale para o interior, para Vila Real, ou para qualquer outro sítio. Temos de adequar as respostas sociais às necessidades. No país, houve alguns desajustamentos neste aspeto. A Igreja terá de ser nisso muito objetiva e muito realista
E ser supletiva ou ter iniciativa, nesse âmbito?
Sempre numa lógica de cooperação com o Estado, com as instituições da sociedade civil. A lógica terá de ser sempre de cooperação e, em relação ao Estado, uma lógica supletiva, evidentemente.
Ainda sobre este despovoamento de que falávamos, o Sr. D. Amândio, agora administrador apostólico da diocese, alertava, em entrevista à Renascença, para o facto de, se nada for feito, a região poder se transformar numa “coutada de coelhos”. O D. António Augusto parece mais positivo e, nas declarações que tem feito a respeito da diocese de Vila Real, foi referindo que a zona pode ser de charneira do trânsito do interior para o litoral. Está preocupado de facto com esta “coutada de coelhos” que pode emergir ou tem um olhar mais positivo ?
Eu creio que o Sr. D. Amândio se referia a uma preocupação real própria de um pastor: Porém, creio que é papel da Igreja e de todas as entidades, sobretudo civis, políticas, autárquicas, económicas, etc., potenciar esses aspetos que têm grande potencial, não é? Como é, de facto, a estrada nacional 2, essa passagem que vem de Espanha até ao Porto, atravessando Trás-os-Montes. E há, ainda, outro elemento fundamental, que é o próprio Douro. A margem Norte pertence a Vila Real e o Douro tem um potencial turístico imenso. Creio que o turismo é um fator que vai também ter um peso importante, é um elemento que pode revitalizar algumas aldeias, alguns lugares. O turismo não pode ficar apenas à volta do Porto ou à volta de Lisboa, deve alargar-se a uma zona tão bonita como é Trás-os-Montes e Alto Douro.
O turismo religioso poderá também ter um papel importante?
Creio que sim. Nós, em Portugal, ainda não o exploramos, no bom sentido. Ainda não temos consciência de todo o potencial do turismo religioso, para além de Fátima. Vila Real tem um grande potencial em termos de turismo religioso. Temos de saber valorizar o nosso património: património arquitetónico e lugares, sítios, santuários que existem e Trás-os-Montes. São importantes pontos de visita, pontos de interesse turístico. Portanto, também é um fator a potenciar.
Ainda nesta questão do despovoamento, as autoridades e as instituições, em geral, têm defendido o recurso aos imigrantes como forma de combater a falta de mão-de-obra em alguns setores de atividade. Soubemo, recentemente, através de um estudo do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, que, em 2018, mais de 70 milhões de pessoas foram deslocadas no mundo, devido a guerras e perseguições. É possível, de forma solidária, acolher estes imigrantes e, ao mesmo tempo, combater o despovoamento? O que é que é necessário para que acabem mesmo por se fixar?
Essa é uma questão mais global, pois envolve todas as vertentes da imigração… A imigração económica num duplo sentido, isto é, necessária para povos e famílias que têm necessidade de emprego, também necessária para alguns setores de atividade. Ainda não conheço em pormenor o que se passa, por exemplo, no Douro, mas daquilo que eu conheço, no Douro, nomeadamente, tudo o que diz respeito ao vinho do Porto, às colheitas, etc, ainda envolve muita mão-de-obra. Não tenho números concretos, não sei exatamente que necessidades há, mas seja na vindima, seja na agricultura em geral, precisamos de mão-de-obra e precisamos também de valorizar a agricultura. Seja em termos propriamente de produção, de produção de riqueza, seja também no que diz respeito à valorização dos próprios campos e das zonas mais agrícolas. Julgo que, em gera,l o país e a zona norte, precisarão de algum tipo de mão-de-obra importada. Esse trabalho deve ser feito com acompanhamento, com condições, garantindo contratos, garantindo respeito pelos direitos das pessoas. A Igreja deverá estar atenta a isso e acompanhar isso.
Por causa da mão-de-obra, exclusivamente, ou para garantir também que territórios que vão ficando sem habitantes possam, enfim, ter continuidade e a aldeias possam ter continuidade?
Sim, com certeza.
Nomeadamente, na fixação de refugiados? Em Portugal, isso já aconteceu em algumas regiões do país?
Creio que nestes fluxos migratórios todos esses fatores se interligam: o fator trabalho, o fator família, o fator despovoamento, o fator desenvolvimento económico. Todos os fatores se interligam. Agora, o processo tem de ser claro, legal, transparente, acompanhado pelos serviços. É o Estado que tem de fazer o seu papel , eve acompanhar.
O papel da Igreja será mais ao nível do acolhimento?
Sim, a Igreja é um fator importante no acolhimento dos imigrantes, ou seja, a comunidade cristã é uma comunidade onde as pessoas se reencontram sempre e que ajuda a abater alguns muros e alguns receios. Certamente, ajuda a fazer pontes.
Acredito que para a diocese de Vila Real os emigrantes, aqueles que saíram, sejam também um desafio a ter presente, porque estão dispersos e porque regressam nos meses de Verão. Que pontes a diocese deve estabelecer com essas comunidades?
Daquilo que eu sei - e ainda não é muito - há muitas pessoas oriundas da diocese que estão noutros países, sobretudo da Europa. As pontes fundamentais têm a ver, naturalmente, com a informação relativa da vida da diocese, têm a ver com o acolhimento devido no tempo de férias, quando vêm para se sentirem de fato membros importantes e ativos da vida das paróquias. É muito importante manter esta ligação com todos, com aqueles que ainda nasceram por cá e também com os filhos desses que ainda nasceram na terra. É muito importante manter essa ligação com os descendentes e com as novas gerações.
Ainda sobre Vila Real e o interior, gostava de o ouvir sobre a ligação do interior à interioridade, à espiritualidade. Que potencialidade tem Vila Real, nomeadamente em torno do Douro, em torno de figuras inspiradoras como Miguel Torga?
Eu julgo que o interior e as paisagens e os horizontes são os que se abrem, enfim, em vários locais do interior sobretudo Vila Real e Trás-os-Montes e permitem, ou favorecerem uma ligação da pessoa à terra. E esta é uma ligação muito forte. Portanto, ajuda a ter uma perspetiva da vida, uma perspetiva da história muito consolidada, muito telúrica e eu creio que isso configura uma espiritualidade muito sólida. Acredito que é um fator a ter em conta e um fator também a valorizar.
Avançando para situações que dizem respeito à Igreja Católica em Portugal. Recordo por exemplo a decisão da última assembleia plenária da Conferência Episcopal Portuguesa sobre a comissão de proteção de menores em cada uma da diocese. Terá de dar passos urgentemente também em Vila Real após a tomada de posse?
A questão dos abusos é uma questão pertinente, atualíssima, é uma preocupação do Papa Francisco, da qual eu e todos os bispos, todos nós comungamos. Cada diocese - e Vila Real também o fará - irá pôr em pratica todas as orientações que foram dadas, seja no capitulo da prevenção seja também na adoção de medidas para eventuais casos que possam surgir. Deus queira que não. Mas todos os aspetos necessários deverão ser concretizados.
Sendo que tem casos em curso da diocese, não é?...
Pois, esses "dossiers", como compreende, ainda não os tenho na minha mão.
Que reflexão lhe merece esta "abertura” à ordenação sacerdotal de casados na Amazónia?
Não creio que a questão ainda se possa pôr de forma tão direta e frontal. Estive no último Sínodo e, de certo modo, já se anunciava que essa questão poderia vir a fazer parte da reflexão deste Sínodo extraordinário sobre a Amazónia. Creio que a questão, que já vem inscrita no documento de trabalho “Instrumentum Laboris”, coloca em cima da mesa a questão relativa ao tipo de resposta ministerial que a Igreja deve pensar e repensar para assistir as comunidades num meio tão duro, tão disperso tão amplo como é a Amazónia. Que se salte imediatamente para a questão da ordenação de homens casados, creio que é ir um pouco longe demais, é um passo demasiado largo. Agora, que serão dados passos no sentido de encontrar respostas ministeriais para as necessidades das comunidades, creio que sim.
Inclui-se, por certo, este tema num tema mais vasto que é o da vocação, tema que foi também refletido no Sínodo dos jovens...
O Sínodo debruçou-se também sobre a questão da vocação e há um efeito que me parece que aos poucos se está a notar e que a exortação do Papa "Christus Vivit", de certo modo, já, assume, que é o de encarar a palavra "vocação" de forma muito mais arejada e muito mais atrativa para os jovens. Até agora, era um tema, uma palavra um bocadinho difícil para muitos deles. Eu creio que a palavra e o modo como a vocação é apresentada no Sínodo e na exortação é um modo muito mais aberto e, portanto, favorece que o tema seja de facto abordado pelos nossos jovens, na Igreja, nos movimentos e seja instinto de reflexão.
E diz respeito a todos? Não só a sacerdotes ou religiosos?
Diz respeito a todos, exatamente. E parece-me, pelas primeiras impressões que vou colhendo, que esta nova geração dos jovens e dos jovens cristãos está disponível para olhar para a sua vida nesta lógica de missão e vocação
Incluindo uma cultura vocacional no seu projeto de vida?
Sim. Creio que sim. Olham para a sua vida de uma forma mais responsável, no sentido de tomarem decisões com algum futuro, com alguma continuidade. A Igreja os acompanhará nesse caminho e eu creio que esta é a primeira viragem que é preciso fazer. No entanto, há uma segunda que está por fazer e que me parece mais lenta, que é termos uma verdadeira cultura vocacional na Igreja, nas comunidades, nos movimentos. Ainda me parece que estamos longe disso.
E preciso trabalhar mais em família esse pormenor?
Também em família, sobretudo nos primeiros passos. Mas eu não restringia à família. Acho que nos ambientes em que os jovens se encontram nas escolas, nos movimentos, nos grupos de jovens, etc, esta questão deve ser claramente colocada porque me parece que há dois sobrepostos que se verificam: o primeiro que é Deus e continua a chamar os jovens; e o segundo é que os jovens são generosos e disponíveis, embora com receios para aceitar. Estou relativamente otimista quanto a isso.