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As periferias em Roma. Quem são os cardeais da era de Francisco

02 out, 2019 - 12:55 • Filipe d'Avillez

Ao longo deste pontificado, Francisco tem reforçado a presença de cardeais de países longínquos e com baixo número de católicos, à custa dos países europeus. Portugal é a exceção que confirma a regra.

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O Papa Francisco tem vindo a reforçar o papel das “periferias” no Colégio Cardinalício à custa dos países europeus, que têm perdido representação.

Desde 2013, quando os cardeais eleitores da Europa representavam 56% doColégio, Francisco tem vindo a alargar as fronteiras das suas escolhas, com uma mudança mais visível no peso específico da África, Ásia e Oceânia. Contudo, Portugal tem sido uma exceção à regra, uma vez que nunca houve tantos cardeais portugueses como agora.

Portugal estava até hoje representado por quatro cardeais: D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima; D. Manuel Clemente, patriarca de Lisboa; D. Manuel Monteiro de Castro, penitenciário-mor emérito, e D. José Saraiva Martins, prefeito emérito da Congregação para as Causas dos Santos, os dois últimos com mais de 80 anos. Com a nomeação do arcebispo D. José Tolentino de Mendonça, o número passa a cinco, três dos quais com idade para votar num conclave.

Com cinco cardeais - e sem distinguir entre a população católica e não-católica - Portugal passa a ter cerca de um cardeal por cada dois milhões de habitantes, ou até menos, se contarmos apenas os católicos. Na Europa, entre países comparáveis com Portugal em termos de matiz religiosa e/ou dimensão demográfica, esse valor só é superado pela Itália.

A Cúria romana continua a ter um peso enorme de clérigos italianos - o que não surpreende, tendo em conta que Roma é uma diocese italiana - e tem hoje 42 cardeais no colégio cardinalício, ou seja, um para cada 1,4 milhões de italianos. É o maior contingente, de longe, seguido à distância pelos Estados Unidos, com 14, e Espanha com 13, respetivamente um para cada 23 milhões de habitantes e um para cada 3,6 milhões. Contudo, a proporção americana desce para um por cada cinco milhões tendo apenas em conta os católicos.

A Bélgica, por exemplo, que tem uma população de 11,5 milhões, tem apenas um cardeal, tal como a Áustria, com uma população de 11 milhões, também.

França e Alemanha também têm mais cardeais que Portugal: seis e oito respetivamente. Mas, como as suas populações são significativamente maiores, a proporção acaba por ser favorável a Portugal. França tem um cardeal por cada 11 milhões e Alemanha um para cada 10 milhões de habitantes. Olhando pela perspetiva da população, Portugal terá cinco vezes mais cardeais do que estes dois países. Também o México tem mais cardeais do que Portugal - seis - mas a proporção é de um para 32 milhões de habitantes.

Conclui-se, assim, que todos os países com mais cardeais do que Portugal são significativamente maiores demograficamente, tendo, por isso, uma proporção de cardeais por habitante, ou por habitante católico, menor do que Portugal. Itália, como já vimos, é a exceção.

Usando o mesmo princípio da proporcionalidade, há muitos países que têm apenas um cardeal, mas que se encontram em melhor posição que Portugal e, nessa perspetiva, o "campeão" dos cardeais seria Marrocos, que, no sábado, passa a ter um cardeal para uma população de apenas 50 mil católicos (embora tenha nascido em Espanha, Cristóbal López Romero é arcebispo de Rabat e, por isso, conta como marroquino para efeitos oficiais). Em termos de proporção, isso equivale a 200 cardeais para um país de dez milhões. Já Cabo Verde e Malta, com um cardeal cada, teriam cerca de 200. A extrapolação é absurda, naturalmente, mas ajuda a colocar em perspetiva a importância para a comunidade católica marroquina de estar sequer representada no Colégio dos Cardeais.

O caso de Marrocos é paradigmático da estratégia que tem sido adotada pelo Papa Francisco. Países como Santa Lúcia e Tonga, com populações entre 100 mil e 200 mil pessoas, dificilmente imaginariam ter um cardeal em pontificados anteriores. E outros países, como a República Centro-Africana, o Burkina Faso ou a Papua Nova Guiné, não obstante terem populações significativas, eram preteridos simplesmente porque eram muito periféricos.

Contudo, Francisco parece ter mais em mente do que apenas dar sinais às periferias de que as suas vozes são ouvidas e valorizadas em Roma. O Papa tem feito do diálogo com o Islão um fator importante do seu pontificado, o que se compreende pelas visitas pastorais que já fez a países de maioria islâmica e pelos encontros que manteve com altas figuras desta religião.

Também no plano das nomeações de cardeais, o Papa tem escolhido várias figuras do mundo islâmico, onde as populações católicas são reduzidas e, frequentemente, alvo de perseguição. Estas escolhas têm o duplo efeito de valorizar estas comunidades, como acontece no Paquistão, Bangladesh, Iraque, Marrocos e a Albânia, e, ainda, de fortalecer os líderes das comunidades aos olhos dos seus conterrâneos, com quem têm de interceder a favor dos direitos dos seus fiéis.

Portugal é especial?

Resta saber se existe alguma explicação para Portugal ter visto aumentar o número de representantes no Colégio de Cardeais. O estado da Igreja em Portugal não parece justificar tamanho entusiasmo, uma vez que não difere muito de outros países ocidentais tradicionalmente católicos.

Olhando para os cardeais em questão, vemos que dois deles, os que já ultrapassaram os 80 anos, perdendo assim direito ao voto em conclave, são da carreira diplomática e da Cúria Romana, estando mais diretamente ligados ao Vaticano do que à Igreja portuguesa.

O terceiro cardeal português é D. Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa. A nomeação de D. Manuel para o Colégio Cardinalício seria vista como normal, uma vez que a tradição manda que os bispos de certas dioceses sejam feitos cardeais. Contudo, com o Papa Francisco cedo se percebeu que nem todas as tradições são para cumprir.

Francisco ignorou, aliás, uma bula de um dos seus antecessores ao não fazer D. Manuel Clemente cardeal logo no primeiro consistório depois da sua nomeação como Patriarca de Lisboa, embora a decisão tenha sido interpretada à luz do facto de D. José Policarpo ainda ser vivo e ter idade para votar num conclave nessa altura.

A tradição acabou por ser cumprida em 2015. Mas há outras dioceses que, supostamente, seriam beneficiadas pela mesma tradição - embora sem bulas - que têm sido sucessivamente ignoradas, como é o caso do Patriarca de Veneza, que foi nomeado em 2012 e ainda não foi feito cardeal.

A quarta nomeação acabou por ser mais surpreendente. D. António Marto é o primeiro bispo de Leiria-Fátima a ser feito cardeal e a decisão foi tomada na sequência da visita do Papa a Fátima para o centenário das aparições, em 2017. Os seus sucessores não devem esperar que esta seja uma tradição a manter só por inerência do cargo.

Já o quinto cardeal português, D. José Tolentino Mendonça, é, novamente, um membro da Cúria Romana, para a qual foi nomeado em 2018. A surpresa aqui é a forma como o antigo professor e vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa viu a sua vida mudar de rumo depois de ter sido convidado a pregar o retiro de Quaresma do Papa nesse ano. A impressão que deixou junto de Francisco foi tal que o Papa o nomeou arquivista e bibliotecário do Vaticano, levando-o para Roma. O titular desses cargos costuma ser feito cardeal e essa foi uma tradição que Francisco cumpriu.

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