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No norte da Nigéria, os cristãos vivem “com medo nos corações”

29 out, 2019 - 16:08 • Filipe d'Avillez

Para além do Boko Haram, que continua ativo, os cristãos nigerianos vivem com constante medo de ataques de pastores de etnia fulani ou de raptos. O padre Gideon Obasogie recusa a ideia de que a culpa é da pobreza.

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Não é fácil ser cristãos no norte da Nigéria, uma região do país em que cerca de 90% dos habitantes são muçulmanos e onde continua a agir o grupo terrorista Boko Haram.

De visita a Portugal, onde participou no lançamento do relatório “Perseguidos e Esquecidos?”, da fundação Ajuda à Igreja que Sofre, o padre Gideon Obasogie falou com a Renascença sobre a situação dos fiéis na sua diocese de Maiduguri, onde o Boko Haram nasceu e continua a agir.

“O Boko Haram não desapareceu. Parece ter desaparecido das notícias porque os jornalistas não podem ir lá obter informação. É perigoso e difícil. Por outro lado, é verdade que em comparação com 2014 o Boko Haram está agora reduzido a uma franja da floresta do Sambisa e à região da fronteira com o Chade. Na cidade de Maiduguri já não há ataques como houve em 2014, mas nesses locais há ataques dia sim, dia não”, diz.

Embora no país em geral as comunidades muçulmana e cristãs sejam quase equivalentes, com uma pequena maioria islâmica, no norte os cristãos são apenas cerca de 10% da população. O padre Gideon reconhece que nem todos os muçulmanos são próximos do Boko Haram, mas o clima de medo tem prejudicado as relações inter-religiosas no terreno.

“A paróquia onde eu trabalhava até 2013 foi atacada e incendiada pelo Boko Haram. Fugimos, não fomos mortos, mas todos temos muitos amigos, família e conhecemos outros paroquianos que foram raptados ou mortos. O nível de destruição material foi de 100%. Temos 26 padres que perderam as suas casas em 2014-2015.”

“Há muçulmanos que são bons de coração”, diz o sacerdote, mas recorda a história de um rapaz cujo pai foi morto pelos terroristas, quando tinha apenas quatro anos. “Quando a mãe lhe explicou, aos oito anos, que o pai tinha sido morto pelo Boko Haram ele respondeu que quando crescesse ia matar o Boko Haram. É essa a situação que enfrentamos agora”, lamenta.

Mais recentemente a grande preocupação na Nigéria tem sido os ataques levados a cabo por pastores de etnia fulani que têm atacado comunidades de agricultores, que são na sua maioria cristãos. O conflito entre pastores e agricultores é muito antiga naquelas partes de África, e a dimensão religiosa aqui tem servido sobretudo de agravante. O padre Gideon acredita, porém, que os fulani estão a ser radicalizados por elementos próximos do Boko Haram.

“Os fulani sempre foram muito pacíficos. Mas de repente vemo-los a carregar AK-47. Na minha opinião o seu sistema foi infiltrado pelo Boko Haram. Gostaria de saber a partir de que altura é que os fulani começaram a andar armados? Sempre andaram com paus, para defender os seus animais, mas tem de haver outra forma de resolver este conflito – e sei que existe há muito tempo um conflito entre pastores e agricultores – que não implique a perda de vidas”, diz o sacerdote nigeriano.

A culpa não é da pobreza

A principal responsabilidade, contudo, está do lado dos políticos afirma. “O Governo tem de cumprir as suas obrigações, que são proteger a vida e a propriedade dos seus cidadãos. Qualquer Governo que não consiga fazer isso tem de arrumar as coisas e sair. Até podemos dizer que o Governo tem feito o melhor que pode, mas tem de fazer mais. Quando o Presidente Muhammadu Buhari chegou ao poder fez muitas promessas, mas continua tudo igual”.

A culpa, insiste, não pode ser da pobreza. “A Nigéria é uma nação maravilhosa, uma nação complexa mas abençoada. É o gigante de África. Mas continuamos a conviver diariamente com ataques em todo o lado. No nordeste é o Boko Haram, no sul são raptos, os pastores fulani que já mataram vários padres. Tudo isto é o resultado de desgoverno e liderança fraca.”

“As pessoas dizem que a culpa é da pobreza, mas eu não acredito nisso. Existe pobreza desde os tempos imemoriais, tem de haver outra explicação”, afirma.

Num cenário de perseguição e medo constante, o único apoio fiável aos católicos vem da Igreja, diz o padre, e a Igreja, por sua vez, é apoiada pela fundação Ajuda à Igreja que Sofre.

“Eu estou cá para a apresentação de um relatório que se chama ‘Perseguidos e Esquecidos?’, mas arrisco-me a dizer que nós, na Nigéria, somos perseguidos mas jamais fomos esquecidos. Porquê? Por causa da AIS. A AIS tem ajudado não só a minha diocese como a maioria das dioceses na Nigéria. Estão a reconstruir estruturas, a fornecer cuidados médicos, escolas para os nossos órfãos – a diocese tem uns 15 mil órfãos e cinco mil viúvas. Tem sido um grande apoio ainda na formação de padres e no fornecimento de ajuda para deslocados internos.”

“A diocese de Maiduguri não sobreviveria sem organizações como a AIS”, conclui.

[Notícia corrigida às 14h17]

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