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Entrevista a Nazira Goreya, fundadora da União das Mulheres Siríacas

“A Europa tem de ajudar a Síria, se quer parar o fluxo migratório”

14 nov, 2019 - 21:04 • Ângela Roque (Renascença), Lígia Silveira (Ecclesia)

O alerta é feito por Nazira Goreya, fundadora da União das Mulheres Siríacas – uma minoria cristã da Síria. Goreya foi recebida no Ministério dos Negócios Estrangeiros e conseguiu reunir com deputados do PSD, CDS e Bloco de Esquerda, a quem denunciou o genocídio de que estão a ser alvo no seu país.

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Nazyra Goreya é co-presidente do Conselho Executivo do Cantão de Jazira (região autónoma do nordeste da Síria) e fundadora da União das Mulheres Siríacas, uma das designações dada aos cristãos daquela zona.

Acompanhada por Metin Rhawi, responsável pelos assuntos externos da União Siríaca Europeia a residir na Suécia – e que lhe assegura a traduções nas entrevistas - já esteve no Comité de Direitos Humanos do Parlamento Europeu, encontrou-se com alguns eurodeputados, e vai tentar estar com o Papa, no Vaticano.

Numa breve passagem por Lisboa, esta quinta-feira foi recebida no Ministério dos Negócios Estrangeiros por Pedro Carneiro, responsável pela Direção de Serviços do Médio Oriente e Magrebe. Na véspera, reuniu-se no Parlamento com Jorge Paulo Oliveira, do PSD, e Telmo Correia, do CDS - numa audiência conjunta -, e ainda José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda.

Antes de seguir viagem para a Alemanha, onde prossegue o périplo, falou à Renascença e à agência Ecclesia sobre a situação na Síria, onde o cessar-fogo não está a ser cumprido

Veio a Portugal e já se encontrou com alguns deputados, no Parlamento, e com um responsável do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Como é que correram os encontros?

Já fomos recebidos noutros parlamentos de outros países e também no Parlamento Europeu. Em Portugal, quem já nos recebeu compreendeu a situação, sabe o que se passa na Síria, mas não foram dados passos concretos. Espero conseguir isso, no futuro. Mas foram contactos positivos, as pessoas querem ajudar de alguma maneira, e mantemos a fé na Europa e nos países europeus para nos apoiarem.

O que é que esperam de Portugal e das autoridades portuguesas?

Nós somos cristãos síriacos. Já fomos uma maioria na região. Hoje somos uma pequena minoria que está a enfrentar um genocídio. Não somos só nós, também curdos, árabes, outras minorias que vivem na região têm enfrentado a mesma situação crítica. Obviamente que acreditamos na humanidade, nos valores humanos. Não acreditamos que o Governo português e os partidos políticos, nem os outros países europeus, fechem os olhos e não percebam a dor e o sofrimento que estamos a viver, como seres humanos, na Síria. Confiamos que o vosso Governo, de alguma forma, irá intervir para fazer parar o que está a acontecer na Síria.

Acredito que nos próximos dias, nos encontros que ainda vou ter (noutros países) antes de regressar à Síria, mas também depois disso, serão tomadas decisões por parte da comunidade internacional, do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais de vários países, para parar a invasão turca da Síria, que irão impedir o presidente turco Erdogan de continuar a fazer o que está a fazer, com os grupos jihadistas, contra as minorias e o povo da Síria.

Mas como está a situação no terreno? Não acalmou depois do cessar-fogo? Não está a ser cumprido?

Houve um cessar-fogo acordado entre a Turquia e a Rússia, mas não conduziu a uma acalmia. Fala-se de cessar fogo, mas continuamos a ser atacados por grupos jihadistas enviados pela Turquia para a região, onde estão a cometer crimes de guerra, decapitações e muitas outras atrocidades.

Na última semana, nos dois últimos dias em particular, a comunidade cristã síriaca, que vive junto ao rio Jabur (afluente do rio Eufrates), tem estado debaixo de fortes ataques de artilharia lançados a partir da Turquia e de ataques dos jihadistas por terra. E ali não há militares curdos, só a força militar síriaca (MFS), e já tivemos baixas. Nas últimas 24 horas, vários jovens foram apanhados pelos jihadistas, dois sabemos que foram levados, não sabemos para onde, nem como estão a ser tratados. Outros seis estão em paradeiro 'desconhecido', não sabemos se conseguiram fugir, se estão mortos, os corpos ainda não foram encontrados. É uma situação grave…

Sentem-se traídos pelo presidente Trump e pelas forças militares americanas, que deixaram a Síria?

Dizer 'traído' é uma expressão forte, não quero expressar-me dessa forma. Mas não esperava que isto acontecesse. No início, houve um acordo militar entre os Estados Unidos e as Forças Democráticas Sírias (SDF), para a guerra contra o Daesh, no âmbito de uma coligação internacional. Não nos prometeram uma solução política, os americanos foram muito claros quando disseram que estavam lá para combater o Daesh, para apoiar a estabilização da região. Mas não esperávamos, de todo, que as coisas se desenrolassem assim. A retirada militar deles foi um grande desapontamento.

Acredita que o regime sírio irá autorizar que a vossa região (o cantão de Jazira) tenha alguma vez autonomia?

O regime sírio não tem uma agenda para o futuro da Síria, mas mesmo historicamente nunca houve interesse em discutir a questão. Nós sempre estivemos abertos a discutir o assunto com o regime, não é segredo, porque sempre quisemos uma Síria unida, mas com descentralização, com autonomia, sem depender unicamente de Damasco. Mas o regime não reconhece nada disto, nem entende que tem de fazer mudanças.

É fundadora da União das Mulheres Siríacas. Como é que os direitos das mulheres foram afetados pela guerra na Síria e pelos recentes acontecimentos?

A guerra afetou-nos, mas em alguns pontos também positivamente, porque ao ver a revolução, nós chamamos-lhe a ‘revolução das mulheres na Síria’.

Durante a história da Síria, a mulher era oprimida, no geral não lhe era permitido expressar-se e tomar posições na sociedade. Por todo o Médio Oriente acontece o mesmo e podemos ver que, pelo mundo, poucas são as mulheres que lhes seja permitido terem posições de liderança. A revolução abriu a porta às mulheres para participarem a todos os níveis: a nível social, cultural, político, militar - podemos ver as mulheres curdas e siríacas a ter as suas unidades de proteção, a lutarem pela sua dignidade e pelos direitos dos seus povos, pelos direitos dos seus filhos para que sejam iguais aos homens.

Vemos que estamos hoje numa posição de liderança que nos permite estar aqui a falar e isto é um ‘empoderamento’ para as mulheres, que há algum tempo não seria possível. A guerra afetou todos, mas para os direitos das mulheres houve um desenvolvimento positivo.

Antes de vir para Portugal, esteve no Parlamento Europeu (PE). Como foi a receção e que expetativas têm?

Mantive encontros com eurodeputados, a nível pessoal, e também fui recebida no Comité de Direitos Humanos do Parlamento Europeu. A impressão que tenho é que a União Europeia e o PE têm as mãos atadas e não podem mover-se como eu gostaria. Não têm uma força militar para agir. São mediadores e tentam diplomaticamente que grupos e países possam interferir de forma concreta. Mas, obviamente, espero que o PE e os seus membros percebam, assim como os países membros, porque o que se passa no Médio Oriente não se circunscreve àquela área.

Os problemas no Médio Oriente interferem convosco, a insegurança que se vive lá sente-se diretamente aqui na Europa, com o fluxo da migração. A minha esperança é que nos ajudem a estabilizar a região no Médio Oriente, nos ajudem a encontrar uma solução, para prevenir a estabilidade europeia. Pensamos que vocês não o merecem também, queremos que vivam em paz, mas o que se passa na nossa terra também vos afeta.

Precisamos da vossa ajuda e assistência para estabilizar a Síria para que o fluxo migratório pare e, quem sabe, quem emigrou possa regressar ao seu país, em vez de ser refugiado na Europa.

Normalmente não digo isto, para não diferenciar pessoas, quando falo é em termos gerais, mas aqui quero ter a oportunidade de vos dizer que a minoria cristã está a sofrer muito seriamente, e mais do que os outros grupos. Está a tornar-se mais pequena ainda e parece que o genocídio vai acabar connosco desta vez. As mudanças demográficas vão terminar connosco. Se não nos apoiarem, como cristãos, para que permaneçamos no nosso país, para que sejamos visíveis na agenda política e na discussão de soluções para a Síria, eu infelizmente acredito que será o fim do cristianismo na Síria e no Médio Oriente, no geral. Esta é a realidade. Outras comunidades são grandes o suficiente e vão continuar a existir, mas nós não. Nós seremos extintos.

Depois de Portugal, qual é o próximo destino?

Vamos para a Alemanha, vamos falar com jornalistas e televisões alemãs. Vamos também à Suécia, estou em conversações com o parlamento da Suécia.

É importante falar publicamente nos media. No genocídio de 1915, contra o povo arménio, a atenção dos media foi pouca, levou muitos anos para se conhecer, e ainda hoje muitos europeus desconhecem o genocídio que matou 2,5 milhões de pessoas. Mas o genocídio de hoje, o de 2014-2015, e o que se está a passar agora, é de fácil conhecimento, é fácil seguir através das redes sociais e dos media. Por isso é importante para nós estarmos nos media, dar conta do que está a acontecer para que as pessoas possam perceber. Precisamos de parar esta mentalidade de genocídios no Médio Oriente.

Fizemos também um pedido para ver o Papa. Estamos à procura de canais, mas queremos estar com o Papa enquanto líder religioso dos cristãos.

Quando é que regressa à Síria?

O visto termina em dezembro e o regresso acontecerá no início/meados de dezembro. Até lá, quero encontrar-me com o máximo de pessoas possível.

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