27 dez, 2019 - 07:00 • Henrique Cunha (Renascença) e Paulo Rocha (Ecclesia)
"Muitos reclusos, em Portugal, são tratados como se fossem lixo". O alerta é do coordenador da Pastoral Penitenciária da Diocese de Braga, padre João Torres, em entrevista conjunta à Renascença e à Agência Ecclesia.
O coordenador da pastoral diz que “não é muito simpático” fazer-se esse tipo de afirmação, mas considera muito importante denunciar a ausência de estratégia que promova a reinserção.
Em entrevista conjunta à Renascença e à agência Ecclesia, o padre João Torres defende a necessidade de maior atenção ao meio prisional.
O responsável pelo maior presépio vivo da Europa, que desde há cinco anos conta com reclusos na sua construção, defende uma maior atenção para a realidade das cadeias portuguesas, porque no final, se os presos “voltarem ao mesmo bairro onde praticavam crimes, à mesma rua, quem vai pagar são os cidadãos”.
"Quando recuperamos reclusos, não estamos só a pensar nos reclusos, mas em possíveis vítimas futuras"
O padre João Torres refere que, “quando recuperamos reclusos, não estamos só a pensar nos reclusos, mas em possíveis vítimas futuras”. A ideia é “tudo fazer para que quem matou ou roubou não volte a provocar mais vítimas”.
O coordenador da Pastoral Penitenciária da Diocese de Braga deixa também reparos à forma como os reclusos são defendidos em tribunal.
Para o padre João Torres, “a justiça a sério, no nosso país, é para gente que tem meios financeiros, que tem acesso a bons escritórios de advogados”.
O responsável chega mesmo a denunciar que “muitos reclusos que vão a tribunal conhecem o seu advogado 30 minutos antes do julgamento”.
O padre João Torres é também responsável pelo maior presépio ao vivo da Europa, o presépio de Priscos.
O projeto já envolveu cerca de 40 reclusos. De acordo com o sacerdote, tem alimentado o sonho de quem por lá passa; tem promovido a inclusão.
"O dia em que mais silêncio existe na prisão é quando fecham as celas às sete da noite, no dia 24 de dezembro, na noite de Consoada”
O responsável recorda aqueles casos de antigos presos que participaram na elaboração do presépio e que depois de cumprirem a sua pena visitam Priscos “com um sorriso no rosto e outra capacidade de sonhar a vida”.
Cometeram um crime, pagaram por ele, mas “têm todo o direito de voltar à sociedade à sociedade e voltar a sonhar”, afirma.
Nesta entrevista Renascença/Ecclesia, o coordenador da Pastoral Penitenciária de Braga falou também do ambiente frio do meio prisional, lembrando a solidão de quem está preso na noite de Natal.
O padre João Torres garante que nunca deseja a nenhum recluso Feliz Natal, porque “estão longe da família, num ambiente que é frio” e lembra que “o dia em que mais silêncio existe na prisão é quando fecham as celas às sete da noite, no dia 24 de dezembro, na noite de consoada”.
Se este ano o Presépio de Priscos fez questão de recordar a necessidade de se construírem pontes, para 2020 o objetivo chamar a atenção para a diferença de investimento entre dois cenários muito reais: a guerra e a paz. A ideia é construir um acampamento militar “para as pessoas verem quanto dinheiro se gasta na guerra e quanto pouco dinheiro se gasta para construir a paz”.