03 fev, 2020 - 13:09 • Filipe d'Avillez
O Supremo Tribunal de Karachi, no Paquistão, aplicou a lei islâmica, ignorando a lei nacional, para validar o casamento forçado de uma cristã de 14 anos que foi raptada e forçada a converter-se ao Islão.
A família de Huma Younus interpôs uma ação em tribunal alegando que a sua filha era menor e que por isso não podia casar, tentando dessa forma obter a sua libertação. Os raptores, contudo, apresentaram um documento assinado pela rapariga a dizer que era maior de idade.
Perante a dúvida o tribunal mandou Huma comparecer em tribunal para depor, dando esperança à sua família e a toda a comunidade cristã de que finalmente o sistema judiciário pudesse estar a mudar e que defenderia os direitos dos cristãos, nomeadamente das jovens que são raptadas e forçadas a converter-se e casar com muçulmanos.
Essas esperanças foram, contudo, descartadas quando o tribunal declarou que o facto de Huma já ter tido um ciclo menstrual significa que pode casar, fazendo assim tábua rasa da própria lei nacional que proíbe o casamento de mulheres menores de 18 anos.
“Esperávamos que com este caso a lei fosse aplicada pela primeira vez, mas claramente no Paquistão estas leis apenas são formuladas e aprovadas para dar crédito ao país aos olhos da comunidade internacional, para pedir fundos para desenvolvimento e conseguir livre acesso aos mercados europeus para produtos paquistaneses”, lamentou o advogado Tabassum Yousaf, em declarações citadas pela fundação Ajuda à Igreja que Sofre.
A família e a equipa jurídica de Huma desconfiam ainda de cumplicidade entre o agente da polícia responsável pelo caso e o raptor, conhecido como Jabbar. Questionado sobre o facto de Huma não ter comparecido para a audição, o agente Akhtar Hussain limitou-se a dizer que ela tinha sido notificada. Apesar da sua incapacidade de cumprir as ordens do tribunal, os juízes mandaram o mesmo agente assegurar que fosse feito um exame médico à jovem, para comprovar a sua idade. Segundo o advogado Tabassum Yousaf, contudo, “É evidente que estando Hussain encarregue existe uma alta probabilidade de os resultados serem falseados. Mas ainda temos esperança de poder provar que a rapariga é menor e assim conseguir que ela seja entregue a um centro de acolhimento, pelo menos, para a livrar do seu raptor”.
A próxima sessão do processo será no dia 4 de março, mas, segundo a fundação Ajuda à Igreja que Sofre, que tem acompanhado de perto o caso e apoiado a família nas suas despesas jurídicas, o facto de o casamento ter sido considerado válido anula qualquer possibilidade de que Jabbar seja puindo pelos crimes de rapto e casamento forçado.
“Esta sentença envergonha o sistema judicial paquistanês. É inimaginável que a lei Sharia possa prevalecer sobre a lei nacional. Expressamos toda a nossa indignação, mas ao mesmo tempo não desistimos. Pela Huma e pelo mais de milhar de raparigas que são raptadas, violadas, convertidas à força e obrigadas a casar com o seu raptor”, diz a Alessandro Monteduro, do ramo italiano da AIS.
“Hoje aprendemos que vale tudo, porque no Paquistão até uma menina de oito ou nove anos, desde que já tenha menstruado, pode ser dada legalmente em casamento”, conclui.