12 fev, 2020 - 15:31 • Olímpia Mairos (texto e fotos)
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A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) já se pronunciou contra a despenalização da eutanásia e nesse sentido apoia a realização de um referendo. Parece-lhe ser o melhor caminho, neste momento, para defender a vida no seu todo, desde o princípio até ao seu fim natural?
A atitude da Igreja não pode ser outra, se não estar na defesa e na promoção da dignidade da pessoa humana e, por isso, a favor total da vida. Aquilo que nós fazemos é colaborar com todas as iniciativas que estejam em curso para este fim, que é o cuidar da vida até ao fim do fim. E Portugal, que na sua constituição se apresenta como uma república soberana baseada na dignidade da pessoa humana, é chamado, e toda a gente de boa vontade, a cultivar a vida como o melhor dom, a coisa mais bela, até ao fim do fim. É essa a nossa atitude e continuará a ser.
A despenalização da eutanásia não é uma questão meramente religiosa. Mas que papel devem assumir os cristãos nesta matéria tão importante como é a vida?
Não é uma questão meramente religiosa, também é porque tudo o que tem a ver com a vida, tudo o que é humano é autenticamente cristão. Por isso, a atitude de todos os cristãos e de todas as pessoas de boa vontade é cultivar a vida e cuidar dela até ao fim do fim. E a nossa postura é que se aposte cada vez mais naqueles que têm essa responsabilidade, nos cuidados continuados e nos cuidados paliativos, para que se viva com dignidade até ao fim do fim. E o viver com dignidade é viver sem dor naquilo que é a contingência da nossa vida humana, nas várias circunstâncias de doenças ou outras problemáticas que nos aconteçam ao longo da nossa história. Mas sempre o sim à vida como valor por excelência, o valor máximo e, por isso, inegociável, inviolável e nem sequer referendável. Mas no estado atual, todos os meios que se dispuserem para um debate e um diálogo sereno a favor da vida, e deixarmos de lado e denunciar tudo aquilo que sejam atentados à própria vida, é o nosso dever, a nossa missão.
Na sua opinião, quais os riscos sociais envolvidos em se permitir a eutanásia direta? Que portas se podem abrir, para a sociedade portuguesa, com a aprovação desta lei?
Eu penso que o ponto está mesmo aí, nas portas que se possam abrir, no sentido de banalizar o dom mais excelente e mais sagrado, podemos dizer, que é a própria vida. E em nada podemos ceder em tudo aquilo que é contra a vida e a dignidade da pessoa humana e cuidar bem dela, até ao fim do fim, e cuidarmos uns dos outros para que a vida tenha sempre sentido e se abra sempre à esperança, porque é um dom, não se compra, não se vende, não se pode fazer dela como bem queremos e nos apetece, mas cultivá-la com o máximo de dignidade de que formos capazes, até ao fim do fim.
Manuel Luís Capelas, um dos diretores do Observató(...)
Num contexto de envelhecimento da população e de restrições financeiras dos serviços de saúde, não pode correr-se o risco de, implícita ou explicitamente, se pensar: para quê gastar tantos recursos com doentes terminais, quando as suas vidas podem ser encurtadas?
Corremos, certamente, na cultura dominante em que interessa o lucro e o capital que não tem coração. Então, aquilo que não é útil, não vale. Mas a vida tem sempre sentido, tem sempre valor, em qualquer circunstância que nos possa acontecer e, por isso, não podemos correr esses riscos das tais portas que se possam abrir, como já acontece na posição de outros países, de alguém que se vê cansado de viver ou não ser capaz de resistir ao peso da idade, da velhice, da doença e querer dispor da vida como se fosse dono dela. Mas nós somos servidores da vida, não somos donos. Cabe-nos acolhê-la como dom, e o mais belo da própria vida, o cuidar até ao fim do fim e não cedermos a qualquer tentação. E hoje que temos tantos meios técnicos, científicos que a inteligência humana consegue atingir, devem ser todos eles postos ao serviço da pessoa humana e a pessoa sempre acima de todo e qualquer interesse que possa estar subjacente nesta cultura que nos toca a nós viver. Devemos ser todos servidores desta cultura da vida e dizer não a toda a cultura de morte.
Estaremos, no fundo, a caminhar para uma sociedade descartável, onde não cabe a preocupação com o outro? Ainda há uma réstia de esperança?
Eu sou realista, otimista. Eu acredito na réstia de esperança, eu acredito na esperança, eu acredito na vida e acredito na inteligência e na boa vontade das pessoas. A liberdade não é fazer o que se quer, mas é querer o que se faz ao serviço de um bem maior, mais belo, que todos temos e que é o dom da vida.
Que ações concretas pode uma diocese do interior do país, neste caso Bragança-Miranda, encetar para defender a vida?
Desde os mais novos aos mais velhos, e numa relação intergeracional, creio que o caminho será esse, como tantas vezes tem sublinhado o Papa Francisco, a partir da profecia de Joel – “os mais velhos possam sonhar e os mais novos profetizar”. E isso só se faz na relação, na presença, na escuta, no diálogo, no amor. Não basta fazer o bem. E numa diocese do interior, como é Bragança-Miranda, com tanto bem que já se faz, não basta fazer o bem, é preciso querer o bem de todos e de cada um, de modo especial daqueles que não têm voz, não têm vez e daqueles que são para nós companheiros desta viagem e uns com os outros. Temos que estar juntos pela vida e cuidar dela até ao fim do fim.
E haverá esclarecimentos sobre o valor da vida e as consequências da despenalização da eutanásia nas homilias?
Já estamos a fazer isso e queremos continuar a fazer na relação direta, pessoal, em encontros, em reuniões, nas celebrações, porque nós estamos sempre ao serviço da vida, dessa vida maior que recebemos e porque acreditamos na vida para lá da morte, na vida eterna. Todas as oportunidades são ocasiões favoráveis para falar da vida, mas numa atitude muito serena, muito positiva e com os dons e todos os instrumentos que tivermos ao nosso alcance, para que a vida seja defendida, promovida, desde a sua conceção até à sua morte natural e, sobretudo, apontar para estes caminhos do cuidar e cuidar bem da vida até ao fim do fim.