20 fev, 2020 - 20:36 • Liliana Carona
Habituado a visitar doentes em estado terminal nas suas casas e no hospital, o bispo da Guarda, D. Manuel Felício, garante não falar de cor. E por isso não tem dúvidas de que a aprovação dos cinco projetos de lei para despenalização da eutanásia vem abrir um precedente no que ao abandono diz respeito.
“A lei em si não obriga a fazer nada, a lei tira a segurança de quem numa sociedade se sente protegido. A partir de hoje as pessoas estão mais abandonadas e estão desconfiadas do aparelho do Estado, é mais um fator de desconfiança. Tratam-nos como números e isto não ajuda à tranquilidade das pessoas. A tendência será esta: a pessoa produz, mantém-se e ajuda-se, a pessoa é um peso ou dificuldade: transmite-se-lhe a convicção de que já não vale andar aqui. E sabemos o que se passa noutros países, diariamente há muitas pessoas a pedir a eutanásia, há qualquer coisa que não funciona”, lamenta.
O bispo da Guarda manifesta desilusão, até porque em campanha eleitoral para as legislativas nenhum dos candidatos à Assembleia da República abordou o tema da eutanásia junto de D. Manuel Felício.
“O isolamento e o abandono são mais que tremendos e eu não vi a discussão deste problema. Este assunto foi um não assunto para os candidatos à Assembleia da República. Nenhum me pôs esse problema quando estiveram aqui a conversar comigo. Será que nas costas do eleitorado tenho direito de agir de maneira diferente?”, questiona.
Para D. Manuel Felício, a discussão em torno da eutanásia não é entre crentes ou não crentes. E não esconde a preocupação perante o futuro. “Isto não é problema de crentes ou não crentes. Isto não é um problema religioso, mas um problema de humanidade. Temos que dar segurança aos cidadãos. Se algum dia cair na tentação de pedir que me antecipem o fim, considerem que não estou no uso das capacidades mais nobres e por isso não me respeitem e deixarei isso escrito no testamento”, assume, sublinhando que “com esta lei, os cidadãos deixarão de sentir que estão protegidos. Estão entregues não sei à sorte de quem”, acusa.
D. Manuel Felício insiste que a vida não tem preço nem pode ser leiloada, tem de ser defendida do princípio ao fim.
"Todos os cidadãos têm o direito de viver na tranquilidade e na confiança de que as estruturas sociais velam pelos seus direitos”, afirma.
E a liberdade individual? “A questão da liberdade é uma questão falsa. Quando uma pessoa pede para antecipar o fim é porque tem problemas e esses problemas não são considerados, não são enfrentados, se uma pessoa tem uma vida de inferno, mas não aparece ninguém a ajudá-lo, a tentação é: tirem-me daqui de qualquer maneira, mas temos a responsabilidade de acompanhar cada cidadão”, realça.
“Este é um assunto grave e que precisava de ser olhado de outra maneira, não creio que tenha sido dado crédito às comissões de ética. Se esta é a forma de os nossos representantes atuarem a seu belo prazer então esta é uma democracia muito enferma”, conclui.
Sem esconder a preocupação, D. Manuel Felício alerta: “estamos numa sociedade que não garante nem protege ou acompanha os cidadãos. Não pode tratar os cidadãos como números. Este modelo de vida em sociedade não serve ninguém. Muitas tutelas abandonam as instituições. Não é uma sociedade que inspira confiança aos cidadãos”.