29 fev, 2020 - 09:35 • Lusa
A Catedral de São Pedro de Genebra celebra este sábado a primeira missa católica em quase 500 anos, depois de ter sido transformada pela Reforma no grande templo internacional dos protestantes, num gesto simbólico pelo ecumenismo, adiantou a AFP.
A última missa na Catedral de São Pedro aconteceu em 1535 e terminou em confrontos, com os clérigos expulsos e o edifício espoliado de estátuas e objetos de cultos, símbolos da idolatria.
No ano seguinte a Reforma haveria de triunfar em Genebra, que permanece como o grande centro de reunião internacional do protestantismo.
Este sábado, pelas 18h30 locais (17h30 em Lisboa), a primeira missa em quase cinco séculos vai decorrer sob o signo da "hospitalidade e do reconhecimento", graças a um convite carregado de simbolismo da igreja protestante de Genebra à Igreja Católica local, que ocupou o local por mais de um milénio até ter sido despejada.
A iniciativa pretende levar o ecumenismo um pouco mais longe do que os clássicos encontros inter-religiosos.
"Será uma missa católica num templo protestante", disse o abade Pascal Desthieux, vigário episcopal de Genebra, que vai presidir ao ofício.
A Catedral de São Pedro, igualmente lugar de acolhimento de numerosas cerimónias locais e nacionais laicas suíças, "é um local emblemático para todos os habitantes de Genebra", sublinhou, referindo o entusiasmo da comunidade católica.
As igrejas próximas não vão celebrar missas nessa tarde para levar os fiéis a convergir para São Pedro.
O culto protestante retoma o seu curso no domingo, com os tradicionais ofícios da manhã e da tarde, num edifício onde se encontra a cadeira do pai fundador da Reforma, João Calvino, ao lado do memorial de grandes nomes da fundação do protestantismo, como o soldado-poeta francês Agrippa D'Aubigné, que morreu em Genebra em 1630.
"Nós queremos avançar pela via da reaproximação, escolhendo claramente a confiança em vez da desconfiança", com um "gesto importante" num "local importante simbolicamente", sublinhou o pastor Emmanuel Fuchs, presidente da igreja protestante de Genebra.
"Não podemos ficar prisioneiros da leitura histórica. A História deve ser um pedestal que nos suporta, não um espartilho", sublinhou.
Numa cidade onde o catolicismo voltou a ser a principal religião, responsáveis protestantes e católicos sublinham que as duas igrejas trabalham localmente em conjunto há muito tempo, tendo, por exemplo, capelães comuns para os doentes ou para os presos.
A estrita separação entre Estado e Igreja, que prevalece em Genebra, ao contrário de outros cantões suíços, também pressiona à reaproximação, refere a AFP.
Apesar de recolher a aceitação de uma maioria da comunidade protestante e das suas instituições, a iniciativa de hoje não deixa de ser sensível.
Roma resiste a reconhecer os reformistas enquanto igreja e entre os protestantes ainda permanece uma desconfiança face ao Vaticano, encarando o papado como uma instituição autoritária.
Os responsáveis religiosos da cidade de Genebra procuram evitar que a iniciativa seja encarada como uma "reconquista" católica em terras de Calvino.
"Seguramente que é uma iniciativa que surpreendeu algumas pessoas, desiludiu outras, e outras podem mesmo ter ficado zangadas", reconheceu o pastor Fuchs, que acrescentou que a igreja protestante tem "hábitos de debate" e toma decisões "de forma democrática", referindo acreditar num "largo consenso", ainda assim.
"Não se trata de maneira nenhuma em tentar recuperar a catedral. Já temos a nossa basílica e grandes igrejas. Não há qualquer agenda escondida", garantiu o abade Desthieux.
Numa mensagem a ser transmitida no início da missa, o clérigo católico conta reconhecer e agradecer aos seus "irmãos protestantes" o acolhimento, aproveitando para pedir perdão em nome dos católicos por terem "desconsiderado, julgado mal e condenado" os protestantes.
Fuchs, por seu lado, disse estar confiante que a igreja católica vai celebrar essa missa "com toda a inteligência e a subtileza que o lugar e momento impõem".
Se a iniciativa será repetida, isso fica pendente de uma avaliação "aos frutos" da missa de hoje, acrescentou.