31 mar, 2020 - 06:43 • Ângela Roque
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D. António Luciano conhece bem as dificuldades de quem está na linha da frente dos hospitais. Foi enfermeiro nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) e também no Hospital Militar. Nos últimos anos, antes de ser nomeado bispo, foi capelão no hospital da Guarda, para além de ter sido professor de ética e bioética numa escola superior de enfermagem e na Universidade Católica.
Em entrevista à Renascença, o bispo de Viseu elogia o esforço e a dedicação dos profissionais de saúde, não esconde a preocupação com os mais idosos da diocese e com a eventual resistência da população a cumprir o isolamento.
Sobre se se o país podia ter-se preparado melhor, responde com uma pergunta: “em situações como estas, quem está preparado?”.
Como é que acompanha a situação no país e as medidas que têm vindo a ser tomadas pelo Estado para combater esta pandemia do coronavírus?
Olhe, acompanho-as cumprindo-as, e dando instruções para que sejam cumpridas, porque são muito importantes. O isolamento, o ficar em casa, o ter o cuidado de lavar as mãos, sabermos distanciar-nos dos outros, utilizar tudo aquilo que são regras do governo, da direção-geral de saúde, que têm sido também dinamizadas pela Conferência Episcopal, por cada bispo, são medidas muito importantes. Olho este momento presente consternado, preocupado e com receios, mas também com muita esperança.
É enfermeiro de formação, isso também o ajuda não só a viver este isolamento, como também a olhar para a realidade do ponto de vista dos profissionais de saúde e das condições em que estão a trabalhar. Há muitas queixas de falta de equipamento de proteção. Como é que vê essa situação?
Quando no dia 12 de março o diretor da OMS (Organização Mundial de Saúde) proclamou a pandemia, eu fiquei preocupado e vislumbrei logo todo este mundo de sofrimento e também de dificuldades. Comecei a ver um amanhã diferente, porque mesmo com todas as condições que possa haver em qualquer serviço de saúde, num momento destes de pandemia, e do modo como esta está a alastrar, é impossível responder.
Vemos o esforço dos médicos, dos cientistas, dos enfermeiros, dos operadores de saúde, tudo no mesmo sentido para ajudar, mas isto realmente foi uma surpresa tão grande, que mesmo os serviços que estavam mais bem preparados sentiram-se impotentes e incapazes. É preciso reorganizar, disponibilizar, tomar medidas económicas e financeiras. Graças a Deus que o nosso povo e as instituições têm sido muito solidárias: tantas ofertas de ventiladores, luvas, máscaras. Isso é muito bom, mas é como a nossa casa, por mais bem preparada que esteja, quando temos uma dificuldade que vai além daquilo que é normal, já não sabemos o que havemos de fazer. Então, aqui eu peço bom senso e tem havido da parte do governo, da direção-geral de saúde, das administrações hospitalares.
Ao longo destes dias tenho falado com muitos médicos, enfermeiros, tenho-os animado e entusiasmado, dizendo-lhes ‘façam e deem o melhor com o que tiverem, foi para isso que foram formados como profissionais de saúde”. Agora, isto é uma pandemia que fez entrar toda a sociedade em pânico.
"Em situações como estas, quem está preparado? Quando de um momento para o outro são precisos mais meios, muito caros, se calhar não há disponibilidade imediata, até mesmo de estarem fabricados, então é preciso sabermos esperar e dar o melhor "
Portanto, não partilha das críticas do que o país devia ter-se preparado melhor?
É difícil responder à pergunta. Por um lado, tenho alguma partilha, mas por outro lado pergunto: em situações como estas, quem está preparado? E até depois de termos vindo de uma recessão económica, em que era preciso por coisas no seu lugar.
Eu, que estive no meio hospitalar, sei quantas vezes faltavam coisas, mas também sei da capacidade que os profissionais tinham de improvisar. Quando de um momento para o outro são precisos mais meios, muito caros, se calhar não há disponibilidade imediata, até mesmo de estarem fabricados, então é preciso sabermos esperar e dar o melhor. O nosso governo, o nosso primeiro-ministro e o nosso Presidente da República têm procurado responder com os serviços o melhor possível, para que a ninguém falte aquilo que é necessário.
Há muitos anos que não exerce enfermagem? Já teve vontade de voltar à linha da frente?
Sim. Eu até há dois anos - não chega - fui capelão hospitalar, e passava todos os dias pelos serviços, pelos cuidados intensivos, pelas urgências, pelos doentes isolados. Sei bem as medidas que se têm de tomar, mas também sei o que se gasta numas luvas, numa máscara, numa bata, numas botas. E se isso é uma vez ou duas é um gasto, se é de uma forma tão emergente como a que esta pandemia exigiu, isso traz consequências muito graves, por isso às vezes as respostas num lado ou noutro podem faltar.
"Há sempre a tentação de muita gente querer vir visitar as famílias, mas eu acho que cada um deve permanecer no seu lugar, que cada um fique onde está, cumprindo as regras"
Já nos referiu que está em isolamento e a cumprir as regras que são pedidas. No interior do país há mais espaço verde, mais espaço livre, acha que isso pode levar as pessoas a descuidarem mais as regras de isolamento?
Eu acho que não devem descuidar, e apelo a que cada um, onde está, aí deve viver a quarentena e obedecer às ordens que estão a ser dadas. Aqui a obediência é uma coisa muito importante! E depois nesta obediência sermos criativos como a família, em casa, trabalhando, fazendo coisas novas. Também a nível da fé, rezando, e nós temos dado propostas, a nível da diocese, para que em casa ninguém se sinta sozinho.
Receia que a situação piore com o aproximar da Páscoa?
Há sempre a tentação de muita gente querer vir visitar as famílias, mas eu acho que cada um deve permanecer no seu lugar, que cada um fique onde está, cumprindo as regras.
Tem havido alertas para os riscos de se viajar das cidades para as aldeias, e até para a chegada de emigrantes. Acha que as pessoas não têm sido cautelosas o suficiente?
Já houve casos em que se calhar devia ter havido mais prudência, e as pessoas deviam ter tido mais sinceridade de dizer por onde andaram, de onde vieram, porque é que estão aqui. Porque às vezes parece que temos medo, mas perante uma pandemia destas não temos de ter medo, temos de ter coragem, confiança na medicina, confiança nos governantes, na Igreja, darmos todos as mãos para podermos responder a esta pandemia, que é terrífica.
O que é que o preocupa mais na diocese, neste momento?
Preocupam-me os casos que já estão contextualizados, e rezo por eles. Mas, preocupa-me por exemplo os lares, as instituições onde há tanta gente. Graças a Deus na diocese não há conhecimento ainda de nenhum caso grave, mas isso preocupa-me. Agora, eu pergunto todos os dias: onde já houve casos, como é que entrou lá o vírus? Através de alguma visita? Através de alguém que veio e não disse de onde veio?
Nós hoje também temos de ter este discernimento de não abusar daquilo que muitas vezes é a nossa liberdade. A nossa liberdade é uma liberdade de participação, assim como a nossa autonomia. Temos de pensar que às vezes querendo fazer bem a uma pessoa, se calhar vamos provocar-lhe um mal maior, então é preciso também muita contenção, muita serenidade, muita calma.
"O povo português é um povo solidário, próximo, amigo, saberá dar as mãos e havemos de arregaçar as mangas e trabalhar para que não nos falte o pão de cada dia, e de modo particular saber partilhá-lo com aqueles que o não têm"
A diocese está a acompanhar e a ajudar de alguma forma as instituições sociais desta área, que trabalham com os idosos?
Sim, através da Cáritas e dos responsáveis dos centros sociais, eles fizeram o plano de contingência, estão a seguir as instruções que são dadas através da Segurança Social, para que tudo corra bem.
A diocese também pôs à disposição instalações ou outra forma de apoio, colaborando com as autoridades civis no combate a esta pandemia?
Sim. Temos alertado nos arciprestados para que haja disponibilidade para acolher aqueles que precisam, de modo particular, a última ala do Seminário que nos foi pedida e que nós disponibilizámos para a polícia municipal, também para médicos e enfermeiros do hospital, quem precisar. E estamos abertos a todas as iniciativas. Aqui a mão dada de cada um é que é a resposta forte para nós combatemos este vírus que é o inimigo invisível, como eu lhe chamei numa nota que publiquei.
Ao nível da economia da região, tem tido ecos de dificuldades nas empresas da zona?
Há uma ou outra empresa que já fechou. Esse é um segundo momento, mas aquele que eu queria agora resolver era que se descobrisse a origem deste vírus, e se encontrasse um medicamento que fosse capaz de lhe resistir. Depois virá esse outro momento, e nesse o povo português é um povo solidário, próximo, amigo, saberá dar as mãos e havemos de arregaçar as mangas e trabalhar para que não nos falte o pão de cada dia, e de modo particular saber partilhá-lo com aqueles que o não têm.
Quer deixar alguma mensagem aos cristãos para esta quaresma tão diferente que estamos a viver?
O que eu queria dizer, de modo particular aos cristãos de Portugal e da diocese de Viseu, é que acompanhem as instruções que vão ser dadas para se viver na verdade o tempo da Páscoa.
A visita pascal, que tinha na diocese tanta expressão, essa pode ser feita onde estamos, as famílias reunidas, rezando a oração do Pai Nosso, ouvindo, por exemplo, o toque festivo dos sinos no Domingo de Páscoa, acompanhando o Tríduo Pascal e as celebrações que nos são propostas através dos meios de comunicação social. E aí temos realmente que vos agradecer, a todos, e àqueles que vamos inventando, porque hoje, graças a Deus, as novas tecnologias dão-nos possibilidade de fazermos muita coisa.
Quero agradecer a todos os meios de comunicação social todo o bom serviço que têm prestado. Continuai a fazê-lo, porque eu acho que elucidar as pessoas, e principalmente as do interior, é muito importante, porque há uma ou outra que às vezes ainda tenta resistir, porque pensa que isto não nos acontece a nós. Mas, esta pandemia é global, e estamos a ver todos os dias o seu crescimento.
Gostaria ainda de agradecer às famílias todo o trabalho que têm tido na relação com os filhos, na compreensão. Sei que é diferente de quando um estava na escola e os outros a trabalhar, mas nessa família que é Igreja doméstica é onde se ensina a rezar, onde se aprende a viver, onde se criam afetos, e gostaria de dar os meus parabéns à família. Acredito que depois disto tudo será diferente. Não sei se será melhor, se será pior, mas tudo será diferente.
E gostaria de desejar a todos uma boa Semana Santa e uma boa Páscoa com muita esperança. Deus está connosco, nunca nos abandona, esta epidemia há de passar e nós havemos de vencer todos juntos, com a ajuda de Deus.