02 abr, 2020 - 19:56 • Aura Miguel
Quando João Paulo II morreu, exatamente há 15 anos, no dia 2 de abril de 2005, considerou-se que a visão “do grande sofrimento do Papa” revelada nas aparições de Fátima, estava cumprida. E que, face ao atentado de 13 de maio de 1981 e aos acontecimentos extraordinários que se lhe sucederam, o conteúdo do terceiro segredo se tinha esgotado no longo pontificado do Papa polaco.
Quando Bento XVI visitou Portugal, em maio de 2010, o horizonte do segredo de Fátima assumiu novos contornos. A bordo do avião papal, Ratzinger revelou aos jornalistas que “além desta grande visão do sofrimento do Papa, que podemos atribuir a João Paulo II, em primeira instância, indicam-se realidades do futuro da Igreja que se desenvolvem e se mostram paulatinamente”. Ou seja, “além do momento indicado na visão (do segredo), fala-se, vê-se, a necessidade de uma paixão da Igreja, que naturalmente se reflete na pessoa do Papa; mas o Papa está para a Igreja e, assim, são sofrimentos da Igreja que se anunciam. O Senhor disse-nos que a Igreja seria sempre sofredora, de diversos modos, até o fim do mundo.”
Nesse ano de 2010, em pleno escândalo dos abusos na Igreja, Bento XVI faz uma leitura atualizada do segredo de Fátima. E especifica aos jornalistas: “a novidade que podemos descobrir hoje nesta Mensagem reside também no facto de que os ataques ao Papa e à Igreja não vêm só de fora, mas que os sofrimentos da Igreja vêm justamente do seu interior, do pecado que existe na Igreja”.
Nas aparições de Fátima, segundo os relatos da Lúcia, a Virgem profetizou, a 13 de julho de 1917, que “o Santo Padre terá muito que sofrer”. Essa terceira aparição, incluiu a revelação de um segredo, com diversas visões. Numa delas, as três crianças viram “um bispo vestido de branco” que presumiram ser o Santo Padre, a atravessar “uma grande cidade meia em ruínas” e que, “meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho”.
O segredo de Fátima foi oficialmente publicado pela Santa Sé no ano 2000, com um extenso comentário teológico do cardeal Ratzinger, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Mas foi só quando veio a Portugal, em 2010, que Ratzinger, já como Papa, fez esta leitura de atualidade. Disse-o, não só aos jornalistas, mas também aos bispos portugueses, num encontro com eles, em Fátima, a 13 de maio.
Bento XVI disse-lhes ter vindo ao Santuário, “movido por uma dívida de gratidão à Virgem Maria, que aqui comunicou aos seus videntes e peregrinos um intenso amor pelo Santo Padre que frutifica numa vigorosa retaguarda de oração com Jesus à cabeça: Pedro, «Eu roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos» (Lc 22, 32). E acrescenta: “Como vedes, o Papa precisa de abrir-se cada vez mais ao mistério da Cruz, abraçando-a como única esperança e derradeiro caminho para ganhar e reunir no Crucificado todos os seus irmãos e irmãs em humanidade.”
Abrir-se “ao mistério da Cruz” foi o que também fez o Papa Francisco, na Oração da passada sexta feira, 27 de março. No meio da angústia e adversidade, em que “densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; se apoderaram das nossas vidas”, em que nos revemos temerosos e perdidos”, “todos frágeis e desorientados”, o Sucessor de Pedro chega-se à frente e abraça a Cruz.
É, de novo, “a paixão da Igreja que se reflete na pessoa do Papa”, desta vez no ano de 2020.
Quando veio a Fátima, no centenário das aparições, Francisco apresentou-se na Capelinha como “bispo vestido de branco” e implorou de Nossa Senhora um olhar sobre “as dores da família humana que geme e chora neste vale de lágrimas”. O mesmo aconteceu agora, ao percorrer sozinho, “acabrunhado com dor e pena”, sob chuva torrencial, aquela Praça vazia “que atesta a fé rochosa de Pedro”.
Naquela tarde, foi Pedro, quem segurou na custódia com o Santíssimo Sacramento e, “com andar vacilante”, abençoou a cidade de Roma e o mundo inteiro, “como um abraço consolador de Deus”. E como “a nossa fé é fraca e temos medo” o “bispo vestido de branco” confiou-nos a Deus, sem esquecer a intercessão de Nossa Senhora, “saúde do povo, estrela do mar em tempestade.”
É a certeza da fé de Pedro: se abraçamos o Senhor, Ele não nos deixa “à mercê da tempestade” e “continua a repetir- nos: «Não tenhais medo!»”