21 abr, 2020 - 19:42 • Henrique Cunha
Veja também:
Os serviços do Estado estão a pedir ajuda às Misericórdias para alojar reclusos libertados no âmbito do combate à pandemia de Covid-19.
O provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, António Tavares, revelou à Renascença que os serviços de atendimento da Santa Casa “têm sido contactados, nomeadamente pela Segurança Social, que tem articulação com a Direção-Geral dos Serviços Prisionais, no sentido de poder apoiar algumas pessoas que, por qualquer razão, não têm condições de habitabilidade ou de regresso à sua habitação”.
Identificados os casos e analisadas as necessidades, os presos são encaminhados para locais de alojamento temporário.
António Tavares explica que “está a ser feita a identificação do problema” e, depois, “as pessoas são encaminhadas para albergues ou para centros de alojamentos de emergência temporários, que ajudam a resolver o problema neste momento”.
O provedor lembra, contudo, que “numa fase posterior a resolução do problema terá que passar, obviamente, pela tentativa de identificação de habitações, nomeadamente habitações sociais a que essas pessoas possam depois vir a recorrer”.
Em Bragança, o padre Fernando Calado Rodrigues, assistente espiritual do Serviço Diocesano de Pastoral Penitenciária da Diocese de Bragança-Miranda, revela que, ao abrigo do processo de aplicação das normas excepcionais de flexibilização de penas resultantes da pandemia do coronavírus, foram libertados “meia dúzia de presos”.
O sacerdote lamenta que “nem sempre todos os passos foram dados como habitualmente, nomeadamente a inscrição dos reclusos no centro de emprego”.
Por outro lado, o padre Calado admite que a preparação do processo para poderem receber o Rendimento Social de Inserção (RSI), e para terem algum rendimento quando saem da cadeia, também não foi devidamente acautelado”, mas considera ser “algo compreensível nestas circunstâncias”.
Reportagem Covid-19
Em Monsanto, entre bungalows que lhes são a casa p(...)
O sacerdote revela que se está a conseguir resolver o problema através da interajuda e que, por exemplo, “ao nível do centro social e paroquial [de Santo Contestável], que é próximo da cadeia e que colabora muito com o estabelecimento prisional temos procurado acolher e apoiar todos aqueles que saem, nomeadamente dando-lhe as refeições, garantindo-lhe a alimentação”.
“O alojamento, ou em alojamento familiar, ou a Segurança Social alugando quartos, está a ser garantido a esses reclusos que saem. Está-se a conseguir resolver o problema, apesar de ter sido assim de um momento para outro e de ter havido algumas dificuldades iniciais”, revela o padre Calado.
Ainda assim, o sacerdote lamenta a falta de alojamentos, que decorre do facto do distrito de Bragança, ter apenas nesta altura um centro de alojamento temporário.
“Nós temos aqui um problema no distrito. É que antigamente tínhamos vários CATS – Centros de Acolhimento Temporário mas entretanto, todos foram fechando e só temos um com 10 lugares, o que é manifestamente pouco para as necessidades e por isso, Vemo-nos com alguma dificuldade para arranjar alojamento”, denuncia o sacerdote que, ainda assim, admite que “a Segurança Social tem resolvido o problema através do aluguer de quartos para instalar esses reclusos”.
As dificuldades de reinserção também são notadas em Braga pelo padre João Campos, responsável pela Pastoral Penitenciária da Arquidiocese. Nas palavras do sacerdote, “nos casos em que as relações familiares foram destruídas pelo tempo de prisão é-lhes mais difícil realmente arranjar um sítio para ficarem e terem comida, e terem perspectivas de futuro”.
“Creio que é um problema sério num futuro muito próximo”, assegura o responsável, que deixa uma pergunta retórica: o que é que estas pessoas vão fazer da sua vida senão arranjam um trabalho?
Neste contexto, o padre João Campos pede uma análise mais global ao problema da reinserção dos reclusos. “Eu acho que é necessário ver o problema num âmbito mais abrangente”, explica o padre João Campos.
O sacerdote desresponsabiliza os técnicos de ação social “pelo problema em si, a que se junta o problema da Covid – 19”, pois o problema é muito maior, “porque existe uma grande falta de vontade política, administrativa, há uma falta de organização e até de gestão” a que se junta “a falta de meios humanos, técnicos, financeiros… e também a falta de empenho da própria sociedade que no seu conjunto pode também ajudar a resolver este problema”.
“Creio que a libertação dos reclusos, neste momento, assim apressada, acho que não resolve problema nenhum”, conclui o sacerdote da Arquidiocese de Braga.