13 mai, 2020 - 18:00 • Ângela Roque
Delegada do Centro Nacional de Cultura para o Caminho do Mar, que liga o Estoril a Fátima, Isabel Blanco Ferreira já fez dezenas de peregrinações. “Fui 14 vezes a Fátima a pé, e a Santiago de Compostela também peregrinei 14 vezes”, conta à Renascença, lamentando que, este ano, a pandemia também não lhe permita cumprir outra tradição que mantém: a de ir, pelo Pentecostes, até Huelva, em Espanha, “até à Basílica da Virgem del Rocio. Já peregrinei até lá por oito vezes”.
Ao Santuário de Fátima espera conseguir voltar daqui a uns meses: “Tenho o sonho de, no final de Setembro, poder lá ir de novo, em peregrinação."
Isabel e o marido, Jaime Ferreira, costumam peregrinar com amigos. “Temos um núcleo duro que, há muitos anos, vai sempre junto a Fátima”. Neste mês de maio, também se mantiveram unidos na oração, numa “peregrinação espiritual profunda”, fazendo o caminho “sem andar”.
Peregrinar juntos, mas à distância
O grupo com o qual costuma ir até Fátima está ligado à paróquia do Estoril e preparou este 12 e 13 de maio de forma especial, organizando uma forma alternativa de viver esta peregrinação.
“Este grupo peregrina há mais de 40 anos. E, desta vez, também peregrinámos juntos. Desde o dia 6 de Maio, através da aplicação Zoom, todos os dias nos juntámos, pelas 21h30, para rezar o terço, e no domingo, dia 10, assistimos juntos à Eucaristia”, conta à Renascença.
“Foi muito desafiante. Não fui a pé, mas peregrinei de forma intensa, não menos intensa do que se fosse a pé. Mesmo sem movermos o corpo, a nossa fé e a nossa devoção a Maria está viva”, refere Isabel Blanco Ferreira, que vê nos meios digitais e tecnológicos grandes aliados da fé.
“Quantas vezes os condenámos por serem mal utilizados, invasivos e viciantes, por nos retirarem do convívio e proximidade da família e dos amigos. E agora, podemos utilizá-los e vê-los pelo lado bom e útil: tem sido uma forma de estarmos juntos, e neste caso de rezarmos juntos e de partilhar sorrisos, afectos e emoções”, sublinha.
Para Isabel Blanco Ferreira a experiência de peregrinar à distância, como grupo, também os desafiou a serem “pacientes e obedientes”, a saber “esperar pela próxima peregrinação, e obedecer à orientação da Igreja, que por amor e missão nos impõe este cuidado de nos cuidarmos e de cuidar dos outros”.
“As velas no chão iluminaram-me a alma”
Como muitos outros católicos, Isabel acompanhou as celebrações do 12 e 13 de maio através dos meios digitais, e pela televisão. Diz que se emocionou, sobretudo com a procissão das velas. “Foi uma procissão diferente, a escuridão como alegoria da escuridão que o mundo atravessa. Por outro lado, as velas no chão iluminaram-me a alma... É a luz da esperança. E as 21 velas, representando as 21 dioceses, diziam que estávamos todos juntos num só coração”.
Da noite de dia 12 destaca, ainda, o gesto do lava pés: “fez-me recordar mais do que a dor do caminho, a simbologia de quem nos cuida fisicamente. Como quando chegamos a Fátima, tudo passa, porque temos alguém que cuida de nós. Principalmente Nossa Senhora. E a ladainha que acompanhou o regresso da Senhora à Capelinha, tirou-nos do silêncio, que lá tão bem conhecemos... porque nesta noite de 12 de maio é impactante o silêncio no Santuário, mas não nos nossos corações, que a olham e lhe falam”.
“Senti-me representada, até pela oração em vários idiomas, e recordei a minha última peregrinação, a de 2019, porque fomos em casal, com amigos espanhóis, que vão também connosco em peregrinação a Santiago e ao Rocio”.
A culminar a peregrinação interior e espiritual que fez por estes dias esteve a eucaristia de 13 de maio, que começou com o Santuário submerso neblina matinal. “O vazio, a penumbra muito profunda, mostraram o silêncio interior, o recolhimento. Às vezes parece que nada se vê, mas a esperança e a fé podem sempre fazer-nos encontrar uma saída”.
Uma Igreja solidária e com criatividade
Numa análise ao que têm sido estes tempos de isolamento, que obrigaram à suspensão das celebrações comunitárias, por razões sanitárias, Isabel Blanco Ferreira considera muito positivo o esforço e empenho da Igreja para se manter próxima das pessoas.
“Este momento desafiou a criatividade de muitos sacerdotes e de muitos católicos, que apesar de cumprirem o confinamento, conseguiram rezar mais e ser mais caridosos. Os meios digitais estão a ser utilizados para um bom serviço, com um bom fim”.
“No fundo a Igreja continua o seu percurso de mais de 2000 anos, adaptando-se e encontrando soluções para os desafios que cada época lhe traz”, sublinha.
Considera, ainda, que para os católicos em particular, privados de celebrações comunitárias, este tem sido um tempo de exercício contínuo de paciência e esperança.
“A Igreja é feita de pessoas, e como humanos erramos muitas vezes, acertamos outras. Mas, a Igreja tem Cristo como guia, e tem o amor na sua base. Neste momento é-nos pedido que aceitemos com paciência as suas directizes. Se assim fizermos, teremos a Virgem Maria como modelo, que também soube aceitar tudo, e tanto”, refere.
Não menos importante, lembra ainda, tem sido a resposta aos que estão a sofrer mais com a crise económica e social. “A Igreja tem tido um enorme papel no apoio solidário às famílias”, diz, dando como exemplo o que se passa na sua paróquia. “Aqui onde vivo, no Estoril, diariamente surjem novos pedidos de apoio, entre oito a 10 novas famílias, a juntar às mais de 170 pessoas que já se apoiava. E ninguém fica de fora! Os voluntários e trabalhadores da paróquia multiplicam-se em empenhamento”.
“A Igreja está viva na oração e na caridade”, refere Isabel Blanco Ferreira, que não tem dúvidas de que durante o isolamento “os católicos aproximaram-se mais, e de muitas formas, mesmo que não tanto fisicamente. Até porque o Papa Francisco insiste que além de rezar é preciso agir”.