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Editoras católicas. “Há uma falta total de políticas culturais de apoio ao livro”

02 jun, 2020 - 17:31 • Ângela Roque

Editoras católicas falam em quebras “brutais” nas vendas e tiveram de recorrer ao "lay off". Com a Feira do Livro de Lisboa remarcada para final de agosto e as livrarias já abertas a meio gás, tentam retomar a atividade, lentamente. Mas há quem não poupe críticas à falta de apoio ao setor.

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A pandemia causou elevados prejuízos no mercado editorial e livreiro. Os dados oficiais apontam para uma diminuição nas vendas superior a 80%, no geral, mas as editoras católicas ressentiram-se ainda mais. Henrique Mota, da Editora Lucerna, não poupa críticas à ministra da Cultura, Graça Fonseca, e à ausência de uma “política para o livro”.

“Há uma desatenção total, um desinteresse pela sobrevivência das empresas que estão associadas ao livro”, sublinha o editor, à Renascença, considerando que a atual ministra revela mesmo alguma “livrofobia”, que só entende por desconhecimento da importância que este setor tem em termos económicos, para além dos culturais.

“O livro é a indústria cultural mais significativa em termos de faturação, impacto no PIB e emprego”, garante este responsável, lembrando que a indústria gráfica portuguesa depende em grande medida dos catálogos dos editores. “E não falamos só de gráficas, falamos também da distribuição, de uma multidão de 'freelancers', desde o designer ao paginador, desde o revisor ao ilustrador, até aos autores."

“O livro é a única indústria cultural na qual a Europa é líder mundial e tem uma enorme expressão em termos de exportações. Em Portugal, passa-se a mesma coisa: é a única indústria cultural em que Portugal tem exportações significativas. Portanto, não pode ser abandonada. Abandonar o livro significa uma desconsideração inaceitável”, sublinha.

Sobre a Feira do Livro de Lisboa, remarcada para final de agosto, Henrique Mota admite que “pode ser, em termos imediatos, um novo fôlego para o mercado, e uma oportunidade para os editores recuperarem alguma tesouraria e alguma da sua sustentabilidade e viabilidade das suas empresas”, e até elogia a APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), que “teve uma política muito correta, que foi reembolsar os editores pelos pagamentos que estavam feitos para a Feira que devia ter acontecido agora”.

Henrique Mota deixa um alerta: “eu, como editor, se pensar em termos de futuro, não posso deixar de me preocupar com a sobrevivência das livrarias”, e diz que é por aí que os apoios do Estado deviam começar a ser dados. “Se o dinheiro e os apoios forem injetados a partir das livrarias, sobrevivem as livrarias, sobrevivem os editores, as gráficas e todos aqueles que trabalham à volta do livro”.

Para este responsável, que já esteve à frente da Federação Europeia de Editores, uma boa medida são os "book vouchers", “para fazer entrar dinheiro nas livrarias, sabendo que esse dinheiro acabará por chegar à rede toda”.

“Isto foi um balde de água fria”

A pandemia, e o consequente confinamento, coincidiram com a Quaresma, o que para as editoras que trabalham na área da religião e da fé foi ainda mais complicado. Muitos livros que iam ser publicados ficaram pelo caminho.

“Isto foi como que um balde de água fria. Apanhou-nos desprevenidas”, diz à Renascença a irmã Eliete Duarte. A responsável pela Paulinas Editora lembra que em março ainda fizeram um lançamento relacionado com a Quaresma. “Lançamos quatro livros do padre Amaro Gonçalo praticamente uma semana antes, quase não tiveram tempo de chegar às livrarias, porque fecharam a partir de 13 de março e só voltaram a abrir dia 4 de maio”, conta.

Com as cinco livrarias que têm em Portugal todas fechadas, e as exportações para os PALOP paradas, os prejuízos acumularam-se. “Foi brutal. No mês de abril a quebra de vendas foi de 85%, foi mesmo um desastre total. O mês de maio já foi na ordem dos 70 por cento”, refere esta responsável, confirmado que o recurso ao lay-off foi inevitável. “Temos cerca de 20 funcionários, alguns ainda estão em lay-off parcial, porque as livrarias estão a trabalhar, mas não totalmente. Asseguramos o funcionamento das lojas, mas não com todo o pessoal que habitualmente está lá, porque os clientes ainda estão com muito receio. Aqui no armazém temos um funcionário que vem só uma vez por semana para fazer os envios dos pedidos que vão chegando”.

Durante o período de confinamento, tentaram não perder o contacto com os clientes. “De tudo o que tínhamos previsto publicar em abril, só saiu um livrinho para as crianças, para poderem ocupar o tempo em casa”, um livro didático sobre a pandemia, com contos e jogos para se entreterem.

“Foi uma edição online, para poderem descarregar gratuitamente”, explica, lembrando que no site tentaram sempre ir divulgando mensagens dos autores que publicam, “o Thomas Halik, o D. Tolentino Mendonça, e outros”. E fizeram algumas promoções “no sentido de disponibilizar livros que as pessoas pudessem adquirir com preços mais acessíveis”, mas a procura foi relativamente baixa. E nem as poucas encomendas pela internet, nem a reabertura, já em maio, das livrarias, permitiu até agora falar em recuperação.”

A Lucerna e a Paulus Editora - que, para além dos livros, também publica a revista ‘Família Cristã’ - também recorreram ao mecanismo de apoio ao emprego. Na Paulus, dos 35 funcionários, 18 estiveram em ‘lay-off’ e os restantes em teletrabalho.

“Nestes primeiros dias de junho, ainda estamos com alguns colaboradores em 'lay-off', sobretudo os que trabalham nas livrarias, que reabriram a meio gás”, confirma à Renascença o diretor editorial da Paulus, Tiago Melo, explicando que “algumas só abrem quatro horas, outras oito”, uns funcionários vão de manhã, outros à tarde. “Por causa do espaço, e pela segurança, tiveram de intercalar nos horários”.

O teletrabalho mantém-se noutros setores. “Na parte editorial, de revisão, e quem trabalha para a revista, os jornalistas, a contabilidade, esse pessoal continuou a trabalhar, mas em teletrabalho”.

“Estar na Feira do Livro é uma missão”

Sem o imprevisto da pandemia, esta primeira semana de junho seria de azáfama em Lisboa, com a tradicional Feira do Livro, no parque Eduardo VII. “Seria uma semana de muita festa, porque a Feira do Livro é sempre uma festa, de contacto com os autores, com os leitores, é sempre um momento muito gratificante!”, diz a irmã Eliete, da Paulinas.

A 90ª edição da Feira está agora prevista para o verão (de 27 de agosto a 13 de setembro), mas a esperança em relação ao evento é ainda muito cautelosa. “Vamos ver como as coisas evoluem, porque isto é tudo uma caixinha de surpresas”, diz.

O trabalho de casa está, no entanto, adiantado. “Queremos publicar toda a obra completa de Edith Stein (Santa Teresa Benedita da Cruz, padroeira da Europa). Vamos começar com ‘A vida de uma família judia’, e outros escritos autobiográficos. Esse livro está pronto para a Feira do Livro. Esperemos lança-lo lá”, refere a irmã Eliete.

Na Paulus a aposta editorial vai passar por um novo livro da coleção Youcat. “Já saiu o catecismo jovem, a Bíblica Jovem e a Doutrina Social jovem, agora vamos ter uma novidade que é o ‘Curso Fundamental da Fé para os Jovens’, e acredito que será uma das grandes propostas, porque a coleção Youcat é um sucesso, tem a linguagem dos jovens e das crianças”, indica Tiago Melo.

Henrique Mota, da Lucerna, confirma para já a publicação de duas obras de Bento XVI durante a Feira do Livro de Lisboa, mas promete outras novidades. “Um deles garantidamente, chamado ‘Judeus e Cristãos’, que é um diálogo do Papa Bento com o rabino de Viena de Áustria. Mas temos muitos outros ainda em fase de decisão”.

“Ainda com incertezas quanto à forma como a Feira irá decorrer, em termos de condicionantes de segurança, as editoras católicas esperam conseguir manter a tradição de promoverem encontros e debates com os autores, a propósito dos seus livros. Ainda há contas a fazer, porque participar na Feira também implica investimento.

“Tem a questão dos valores, dos espaços, quais são os incentivos que o próprio Estado vai dar”, diz Tiago Melo, da Paulus, que não prevê um futuro facilitado.

“Não sei se as ajudas vão ser suficientes para manter as editoras e o universo livreiro a funcionar, porque acredito que a recuperação económica vai ser muito lenta. Muitas outras empresas estão a fechar, há um aumento do desemprego, e quem precisa de bens básicos, primários, não vai trocar comida, aluguer e outras coisas por um livro, e isso atinge diretamente o mercado editorial”, sublinha. Mas, não ir à Feira está fora de questão.

“Para nós estar na Feira não é apenas para vender, é quase uma missão, um carisma”, diz o irmão Tiago Melo, da Paulus, que encara como uma responsabilidade editorial ajudar as pessoas em geral, e os cristãos em particular, a “não desistirem da cultura da cultura da leitura. Isso também é uma missão da Igreja, e nós estamos cá para isso, para ajudar as pessoas. Porque ler é sonhar, é planear o futuro, é abrir-se a um novo mundo”.

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