09 jun, 2020 - 06:31 • Ângela Roque
A Solenidade do Corpo de Deus é celebrada pela Igreja Católica desde o século XIII, mas em Lisboa assumiu, ao longo do tempo, uma importância particular. A procissão que percorre as ruas da capital é das mais antigas e participadas, mobilizando os fiéis de uma forma que até surpreendeu o responsável pela organização da iniciativa no Patriarcado.
“A primeira vez que me lembro de participar na procissão fiquei impressionado com a mola humana, e simultaneamente com o silêncio, o respeito, o ambiente orante que se vivia. Em todos os meus anos de padre – e já são muitos - nunca tinha participado numa procissão que transmitisse esse sentido tão profundo de silêncio, de oração, de fixação no essencial”, conta à Renascença Luís Alberto, pároco na igreja de Nossa Senhora de Fátima.
O sacerdote lembra que a procissão esteve proibida aquando da implantação da República, em 1910. “Houve uma interrupção nessa altura, porque a legislação proibia os dias Santos da Igreja e interrompeu o culto público, portanto, a procissão deixou de se poder fazer.”
Viria a ser retomada em 1973, por iniciativa do cardeal D. António Ribeiro, mas em moldes diferentes dos atuais. “Cada ano era uma paróquia de Lisboa que organizava. Só a partir de 2003 é que voltou ao que era tradicional, que era sair da Sé e regressar à Sé, passando pela Baixa de Lisboa”. E sempre uma participação crescente.
A prova da importância que esta festa tem para os cristãos em Lisboa foi demonstrada durante os recentes anos da troika, quando o feriado do Corpo de Deus esteve suspenso (entre 2013 e 2016), mas a procissão nunca deixou de se realizar. “Teve sempre lugar no domingo seguinte”, lembra o padre Luis Alberto.
Desta vez, a pandemia obriga a que não haja cortejo público. “Este ano haverá só a celebração na Sé, com um número selecionado de convites a todas as irmandades que habitualmente incorporam a procissão. A preocupação é evitar a aglomeração de pessoas. São determinações da Conferência Episcopal”, sublinha o sacerdote, que não esconde alguma tristeza pelo facto de a procissão não poder realizar-se.
Festa “mais empobrecida”. Mas não deixará de se fazer
O padre Luís Alberto admite que não haver procissão, na quinta-feira, prejudica a celebração do Corpo de Deus. “Prejudica o aspeto da manifestação pública da fé, claramente, e em certo sentido empobrece a festa. Será uma pena para muita gente que nela participava com muita devoção”. Será, para além disso, “menos uma presença com potencialidade evangelizadora no coração da cidade”, faz questão de sublinhar.
“Há um impacto a este nível. Não vou dizer que seja uma evangelização muito significativa, mas a verdade é que contrariamente a muitas procissões, em que a procissão passa, e pronto, passou, aquelas pessoas que ali estão durante uma hora, uma hora e meia, estão sempre a ouvir cânticos, a ouvir leituras, a ouvir meditações sobre a Eucaristia. Isso mexe com as pessoas”.
Para este responsável, esta é “uma procissão grandiosa”, no número de participantes e dos que a acompanham pelas ruas.
“Em determinados locais dá direito a tirar umas fotografias que são quase icónicas, no sentido de documentarem bem a quantidade de gente que participa”.
O que numa cidade como Lisboa, diz, também tem um significado especial. “É uma cidade com muita gente, e nos últimos anos com muitos turistas, que também acompanhavam. Houve uma altura que tivemos de aumentar ligeiramente o percurso, passámos a ir ao Martim Moniz, e aí apanhamos uma multiplicidade cultural de gente, que de outra forma não era tão visível, tão palpável. E de facto aí há um respeito... é único”.
Mesmo sem procissão, a Solenidade do Corpo de Deus não deixará de ser celebrada. “Será assinalada localmente com o essencial, que é a celebração da eucaristia. Poderá haver comunidades que também consigam ter momentos de adoração do Santíssimo”.
O Corpo de Deus é uma festa móvel que a Igreja assinala 60 dias depois da Páscoa, sempre à quinta-feira, por estar ligada à quinta-feira Santa, o dia da Última Ceia, em que foi instituída a eucaristia. Este celebra-se a 11 de junho.
Em Lisboa o cardeal patriarca, D. Manuel Clemente, irá presidir à missa, pelas 11h00, e abençoará a cidade, a partir do largo da Sé catedral.