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Entrevista

Ambiente: “Todos podemos ser ativistas por um mundo melhor”

18 jun, 2020 - 13:13 • Ângela Roque

Patrícia Pedrosa, realizadora do documentário “VI(R)AGENS”, acredita que a pandemia abriu uma oportunidade de mudança a nível climático. Apresentação do novo trabalho, esta quinta-feira, inclui um debate online com eurodeputados.

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Não é a primeira vez que Patrícia Pedrosa colabora com a Fundação Fé e Cooperação (FEC) com trabalhos relacionados com as alterações climáticas.

Houve um em que abordou a questão da alimentação, noutro a questão da energia. Agora, com o “VI(R)AGENS - Caminhos de Conversão Ecológica”, que realizou para a FEC em parceria com a Associação Casa Velha e a CIDSE, com apoio do Instituto Camões, conta histórias de resiliência e de ativismo climático, em Portugal e em Moçambique.

À estreia do documentário - esta quinta-feira, às 18h00, no canal da FEC no Youtube - segue-se o debate online “Que viragens pós-covid 19?”, com a participação dos eurodeputados Carlos Zorrinho, Graça Carvalho e José Gusmão, da investigadora Luísa Schmidt e do jovem ativista Pedro Franco. A moderação será do jornalista José Pedro Frazão.

A Renascença falou com a realizadora sobre este documentário, pensando muito antes da pandemia e inspirado pela encíclica "Laudato Si", do Papa Francisco.

Do que é que trata este documentário e qual é o objetivo?

Este trabalho trata muito da questão do ativismo, não na forma tradicional como o entendemos, porque, à primeira vista, a palavra tem aquela carga de ir para a rua, para a manifestação, mas nós quisemos entender a palavra "ativista" e também "ativismo" de outra maneira, como sendo algo que fazemos a partir de um desejo interior que cada um tem. Ou seja, aquelas pessoas que aparecem no documentário são pessoas que têm uma vontade muito grande de mudar alguma coisa, neste caso, relacionada com as alterações climáticas, e têm uma consciência do coletivo.

São ativistas pelo bem comum, por um mundo melhor?

Sim. E todos podemos ser. Não são só aqueles que se envolvem numa manifestação ou numa greve. Cada um de nós pode ser ativista, porque cada um de nós tem um desejo muito profundo. Estou a pensar, por exemplo, no Almerindo Fortes, que aparece no documentário, que tem desde pequenino um contacto muito próximo com a natureza, através da agricultura, porque sempre trabalhou no campo com o pai e com a família. A paixão que ele tem pela agricultura aproxima-o da natureza. Ele está, neste momento, a trabalhar com as crianças do bairro da Fonte da Prata (Amora). Criaram uma horta e nessa experiência ele acaba por cativar aquelas crianças para aquela que é a sua paixão de sempre.

É deste ativismo que falamos no documentário. Também falamos do outro, com a Matilde Alvim, uma das jovens que está à frente da greve climática estudantil. Quisemos saber que motivação interior teve, o que é que a faz envolver-se nestas questões, nestas lutas pelo bem comum contra as alterações climáticas.

O documentário tem protagonistas de Portugal e também de Moçambique. Tem a ver com o Idai e a devastação que deixou?

Também. O Andrade fala-nos da bioconstrução e do trabalho que fez com algumas populações, fala da situação na Beira, e diz "se cortarmos todo o mangal e se não o preservarmos, se não plantarmos e não tivermos outros materiais alternativos para a construção, é muito fácil vir um tufão, um ciclone, e destruir toda a comunidade, como aconteceu". Ali, tem-se muita consciência, foi um fenómeno muito recente e viveu-se muito em concreto a questão das alterações climáticas.

Sem dúvida que as alterações climáticas afetam os mais vulneráveis e, em Moçambique, a população está muito exposta às alterações da meteorologia, porque os ciclos das chuvas já não são os mesmos, as secas são mais prolongadas, a chuva, quando vem, vem de repente e mais intensa. O Sr. Paulino fala-nos disso mesmo. Ele também é agricultor ali e fala da devastação da floresta e de como isso compromete a vida das populações.

Que mensagem central deixa este documentário?

Eu vou citar a "Laudati Si", que faz agora cinco anos. Há uma frase central, que já usámos num outro trabalho que a FEC fez em colaboração com a Casa Velha, e que vai ao encontro do cerne deste documentário, que é: “O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as ações que procuram construir um mundo melhor”.

Aquelas pessoas estão ali porque querem construir um mundo melhor e praticam-no diariamente nos seus gestos de cuidado mútuo.

O que pretende mostrar é que há gente a lutar pelo que parece impossível e que não há impossíveis nesta matéria?

Isto começa em cada um de nós, no seu dia a dia, ter esta consciência do coletivo. Eu acredito que se pode ir muito longe com este cuidado da comunidade, da Casa Comum. Acredito que não há impossíveis. E, quando acreditamos e temos um desejo profundo, é fácil passar aos outros a mensagem.

Este foi um trabalho pensando antes da covid-19?

Foi pensando e realizado antes da pandemia. As últimas imagens do documentário mostram a manifestação da greve climática estudantil, em setembro de 2019, com muita gente na rua. Seis meses depois, estamos tão afastados daquela realidade, por causa da pandemia, e podemos pensar o que é que esta questão das alterações climáticas tem a ver...

Eu vi um "cartoon" muito sugestivo, durante estes dias de confinamento, que mostrava uma primeira onda pequenina, que era o Covid 19, uma segunda onda um bocadinho maior, que era a crise económica que já está a acontecer, e uma terceira onda, gigantesca, que era a onda das alterações climáticas. Ou seja, todas estas crises acabam por ter uma relação mais ou menos direta, mas, apesar de hoje estarmos a viver uma situação de aflição e medo, não nos podemos esquecer que há outras ondas e que temos de nos preparar de alguma maneira para atuar.

O atual contexto de pandemia pode ser uma oportunidade de mudança?

Eu gostaria de acreditar que sim. Acho que temos de ser otimistas, olhar à nossa volta e perceber que algumas coisas mudam, vão mudando, mas ter também consciência de que há uma grande força por parte das grandes corporações e todo o sistema económico no qual vivemos. Não se muda do dia para a noite.

Estamos todos a viver ainda a pandemia, não sabemos onde é que ela vai chegar, nem como, mas sabemos que as companhias aéreas vão continuar a viajar e a usar combustível fóssil e que as pessoas vão continuar a usar o carro, embora já haja mais pistas cicláveis nas cidades e as pessoas procurem a bicicleta. Gosto de acreditar que sim e sinto que, mesmo em termos de políticas, há alguma vontade nesse sentido de mudança, mas temos de estar atentos e informados para continuar a trabalhar por um mundo mais sustentável, atento e que cuida da nossa casa comum.

A apresentação do documentário, hoje, será seguida do debate “Que viragens pós-Covid 19”. É importante estas reflexões se vão fazendo?

É bastante importante. O documentário não vem sozinho, está associado a um estudo realizado pelo Pedro Franco (que participa no debate) e a um trabalho artístico da Rita RA e, neste conjunto, acho que criamos uma dimensão de reflexão sobre estas questões, mesmo em relação ao momento em que vivemos. São rampas de lançamento para pensarmos até que ponto esta pandemia nos pode ajudar a dar o salto para um mundo mais sustentável.

Se a FEC e a Associação Casa Velha, que estão na base da produção deste trabalho, já estavam atentas às alterações climáticas, é importante continuarem atentas e fazerem pensar os políticos, os dirigentes, os investigadores e trazerem a debate também o público.

Como é que este documentário pode ser visto?

Para já vai poder ser visto "online", na página da FEC no Youtube. Eventualmente, depois, poderá ter algumas exibições, mas, para já, ficará disponível assim, a partir de hoje.

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