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Padre Júlio Caldeira

Povos indígenas ameaçados. ​“Se a Amazónia fosse um país, seria o quinto com mais contágios”

14 jul, 2020 - 14:54 • Ângela Roque

Missionário da Consolata ao serviço da Rede Eclesial Pan-Amazónica garante que o coronavírus se transformou numa das principais ameaças aos povos indígenas, não só no Brasil. À Renascença, o padre Júlio Caldeira diz que a violência e os crimes ambientais aumentaram com a pandemia, provando que o Sínodo sobre a Amazónia era mesmo uma urgência.

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Desde que surgiu a pandemia do novo coronavírus que a Rede Eclesial Pan-Amazónica monitoriza a evolução da doença nos nove países de que a Amazónia faz parte, e os dados não são animadores. Se a Amazónia fosse toda ela um só país, seria o quinto a nível mundial em número de casos de covid-19, indica o padre Júlio Caldeira, diretor de comunicação da REPAM, com base nos dados que o organismo representativo da Igreja católica tem recolhido nos nove países da Amazónia.

“Segundo o mapa que elaboramos às segundas, quartas e sextas-feiras, já são 541 mil casos e 16 mil falecidos. 5% dos casos a nível mundial estão na região amazónica. Se a Amazónia fosse contar como um país, seria o quinto com mais contágios depois dos Estados Unidos, Brasil, Índia e Rússia”, refere o missionário, que acredita que os números destes vários países até pecam por defeito. “Existe um sub-registo, porque não se realizam os exames necessários, e muitas comunidades - a maioria delas no interior da floresta amazónica - não tem garantido o seu direito a esse serviço básico de saúde”, conta.

Entre os povos indígenas que vivem nas regiões mais remotas há ainda menos assistência e menos meios para registar e tratar os casos de covid-19, mas a doença já lá chegou. “Já são 15 mil casos de 168 povos indígenas de etnias distintas, atingindo os quase mil mortos. O índice de mortos é o dobro do que acontece entre outros povos”.

Natural de Paraíba do Sul, no estado brasileiro do Rio de Janeiro, o padre Júlio Caldeira acompanha com preocupação a evolução da doença no seu país natal.

“É muito triste ver a situação que passa no meu Brasil. São quase dois milhões de casos, 72 mil mortos. A Amazónia brasileira vai-se tornando o foco central da pandemia, com mais de 430 mil casos, e 13.300 mortos”, refere o missionário, que não poupa críticas à atuação do Governo de Jair Bolsonaro.

“Há atitudes quase criminais, podemos dizer, dos nossos representantes do Governo, que estão fomentando que algumas pessoas não sigam as recomendações dos organismos de saúde internacionais. No Brasil o número vai crescendo pela falta dessa ação do governo nacional”.


Igreja em defesa dos indígenas exige medidas urgentes

Júlio Caldeira passou os últimos dez anos entre a Colômbia, o Perú e o Equador, a apoiar os povos indígenas em Sucumbios. Atual diretor de comunicação da REPAM, a Rede Eclesial Pan-Amazónica, fez parte da equipa de Media que acompanhou o Sínodo dos Bispos sobre a Amazónia, que decorreu em outubro de 2019, no Vaticano.

Em missão atualmente no Equador, garante que a Igreja Católica continua atenta e é, em muitos casos, a única ajuda para os povos na Amazónia, com um “trabalho social bem coordenado e muito bem feito”, que tem permitido fortalecer o trabalho na área da saúde.

“No Peru, por exemplo, houve uma grande campanha para comprar ventiladores, que ajudou a salvar muitas vidas”, conta.

Destaca, ainda, a ajuda humanitária de emergência que tem sido dada, nomeadamente “com alimentos, visto que na Amazónia e nos países latino-americanos, a maioria das pessoas vive da economia informal, e com a quarentena não tem como trabalhar”.

E diz que é também a Igreja que tem dado resposta “aos casos mais dramáticos”, como “o do derrame de petróleo aqui, no Equador, que afetou mais de 100 mil pessoas, que não tinham acesso a água”.

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A Igreja também continua na linha da frente para denunciar os crimes ambientais e a violação sistemática dos direitos humanos na região. “Ainda em maio os 67 bispos da Amazónia exigiram, numa nota oficial, medidas urgentes do Governo para combater o coronavírus, ao mesmo tempo que denunciaram o descontrolo nos acessos aos territórios indígenas, especialmente com a extração dos recursos naturais, que está a crescer”.

Júlio Caldeira diz que por toda a Amazónia, mas sobretudo no Brasil, a pandemia tem sido acompanhada do “aumento do desmatamento e dos incêndios, da extração do minério e da violência contra os líderes, especialmente os líderes indígenas e os líderes sociais”, e não tem dúvidas de que “esses crimes sócio ambientais demonstram a ineficiência do Governo, que muitas vezes está mais preocupado com processos económicos ou interesses de alguns setores, do que com a população da Amazónia, especialmente essa população que mais sofre”.

“É um tempo de graça para a Igreja na Amazónia”

Para o padre Júlio Caldeira, a situação atual na Amazónia mostra como foi oportuno e pertinente o Sínodo dos Bispos promovido pelo Papa, em outubro, e as decisões que já se lhe seguiram, como a de criar uma Conferência Eclesial da Amazónia.

Presidida pelo cardeal brasileiro Claudio Hummes, nela “têm assento não só bispos, mas também três representantes indígenas”, duas são mulheres, assim como “as diferentes e principais instituições da região e do território, como o Conselho Episcopal Latino-americano, a Confederação Latino-Americana de Religiosos e Religiosas, a Cáritas da América Latina e do Caribe, e também representações leigas, como a Secretaria executiva da REPAM”, lembra o missionário.

“Este é um tempo de graça para a Igreja na Amazónia, na busca desses novos caminhos que abarcam a dimensão social, cultural, ecológica e eclesial como nos propõe o documento final do Sínodo, e também os sonhos do Papa Francisco, que apresentou na exortação apostólica 'Querida Amazónia’”, sublinha, lembrando que há muitas outras propostas que terão ainda de ser amadurecidas.

“Essa conferência quer oferecer um modo de articular a maioria das propostas que foram colocadas no Sínodo amazónico. Algumas são desafiantes, muito complexas e enormes, como a de criar uma universidade Amazónica, por exemplo. É preciso avançar e começar a desenvolver a proposta do Rito Amazónico, em diálogo com as instâncias do Vaticano, e fazer o acompanhamento das experiências e propostas de novos ministérios. A nova Conferência Eclesial quer tudo isso, mas também devemos dar tempo e espaço para ir amadurecendo todas essas propostas”.

As declarações do padre Júlio Caldeira estiveram em destaque na Renascença no espaço informativo que às terças-feiras, depois das 13h00, é dedicado aos temas relacionados com a religião e a vida da Igreja.

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