08 ago, 2020 - 10:02 • Rosário Silva
As obras na Cartuxa de Évora arrancam até ao final do ano. A Fundação Eugénio de Almeida (FEA) vai investir cerca de 300 mil euros, para “atualizar e consolidar” a zona da hospedaria, que vai receber, a partir de 2021, as primeiras seis monjas do Instituto das Servidoras do Senhor e da Virgem de Matará, uma comunidade religiosa vocacionada para a vida contemplativa.
Desde 1960, que a Ordem Cartusiana habitava o Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli, “sob o lema da oração, contemplação e trabalho”. A despedida aconteceu de forma emotiva e muito participada, em outubro de 2019.
Num momento de “intermezzo”, entre a saída dos monges e a entrada das monjas, a FEA, decidiu promover um ciclo de visitas guiadas, aberto à comunidade. Até 19 de setembro, é possível visitar o Mosteiro em dois horários distintos: às 8h00 e às 19h00, períodos em que a particularidade da luz confere uma atmosfera especial à leitura do espaço.
Em entrevista à Renascença, Maria do Céu Ramos, a secretária-geral da FEA, fala sobre este ciclo de visitas guiadas, mas também sobre o presente e futuro da Cartuxa de Évora.
A Fundação Eugénio de Almeida (FEA), enquanto responsável pela Cartuxa de Évora, está a promover, pela primeira vez desde a sua reconstrução como eremitério em 1960, um ciclo de visitas guiadas. Com que objetivo?
Com o objetivo de dar a conhecer a Cartuxa como ela nunca foi vista, nem vivida. Ao longo dos últimos 60 anos, a Cartuxa viveu a clausura decorrente da vida monástica que ali estava sediada. A Ordem Cartusiana viveu no Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli, sob o lema da oração, contemplação e trabalho durante estas últimas seis décadas, e durante todo esse período apenas em três momentos a clausura se abriu. Foram momentos festivos e emotivos e, agora, depois da partida dos monges, em outubro passado, o espaço encontra-se desabitado, a preparar obras de conservação do edifício e, por isso, despojado da vivência humana, espiritual e monástica que lhe é identitária. Digamos que este é um momento de intermezzo, um momento entre a vida cartusiana que habitou o mosteiro nos últimos 60 anos, e o acolhimento de uma nova ordem religiosa, que virá no inicio do próximo ano para Évora, o Instituto das Servidoras do Senhor e da Virgem de Matará, que é uma comunidade religiosa vocacionada para uma vida contemplativa. E, neste intervalo, enquanto o espaço se prepara para receber obras de conservação, entendeu a FEA que é o momento oportuno para que a comunidade local e todos os interessados, possam conhecer aquele lugar, enquanto centro de vida espiritual na relação com as caraterísticas patrimoniais que o identificam. O enorme claustro, o maior da Península Ibérica, as celas que estão numa relação entre si, e outros lugares que estão no perímetro da Cartuxa, traduzem-se numa relação que é desenhada para favorecer a vivência monástica, mas, também, o esplendor das componentes que são, no fundo, o pilar do labor, do trabalho e da dedicação dos seus habitantes.
É, portanto, um momento de descoberta para quem possa ter esta oportunidade?
Sim, claro. Toda esta realidade arquitetónica patrimonial da configuração do lugar, e do apoio que ela dá a uma vivencia religiosa, é em si um desafio. É uma descoberta que interessa a todos, crentes e não crentes, pois a espiritualidade, é uma dimensão humana que sempre se realiza, e que a ordem religiosa dos cartuxos viveu no silêncio da sua clausura, e que agora a partir do próximo ano, voltará a encontrar-se sobre a mesma égide, mas com uma nova ordem religiosa.
E, é uma iniciativa que vai ao encontro, também, de um dos objetivos da FEA, nomeadamente no que respeita ao incremento de uma maior proximidade com a cidade e os seus habitantes, e a relação com o seu património, neste caso, um mosteiro com grande significado afetivo para as pessoas?
O que, talvez, a maior parte das pessoas não saiba, é que a FEA tem nos seus estatutos um artigo que determina que a instituição deva conservar aquele lugar, enquanto centro de vida espiritual. A fundação não é, apenas, a proprietária do convento, desde 1871, ano em que foi adquirido por José Maria Eugénio de Almeida, bisavô do nosso fundador, como também o fundador determinou que a FEA, deve conservar aquele lugar pelo seu valor histórico, identitário, patrimonial e artístico, e como centro de vida espiritual. É uma missão da FEA, no sentido mais próprio e mais profundo, e a vivência dessa missão é, neste momento, corporizada nestas visitas, de uma maneira mais neutra, para conhecer o lugar, a sua história, a sua trajetória, reforçando a ligação da Cartuxa à comunidade. Os monges brancos, como eram e são conhecidos, apesar de terem vivido em clausura, eram muito queridos dos eborenses. Penso que eram o símbolo de uma espiritualidade humana, de uma relação que cada um de nós encontra com o silêncio, com a oração, com o transcendente. Esta proximidade física da Cartuxa à cidade, e os mais de 400 anos que o convento tem em Évora, tornam a relação fortíssima, e a FEA, é a entidade responsável por cultivar e aprofundar essa relação.
Como é que a FEA está a preparar esta transição?
Em primeiro lugar, identificando todas as necessidades da ordem que vai acolher, uma ordem feminina, e que tendo também uma vocação de contemplação, é uma ordem recentemente fundada, não tem 900 anos como a Ordem de São Bruno e, portanto, está mais situada na contemporaneidade, numa prática e numa vivência mais situadas na realidade presente. Portanto, identificarmos as necessidades desta ordem religiosa, é o que estamos a fazer, desenhando o programa de obras na hospedaria que vai acolher seis monjas, as fundadoras que se vão instalar na Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli. Depois de identificarmos essas necessidades, desenhámos o programa de arquitetura e estamos a lançar agora os concursos para a realização das obras.
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Ainda este ano?
Sim, as obras, seguramente, começam este ano. Vamos ver se as fazemos a um bom ritmo, tendo em conta o contexto presente.
Vão incidir em que parte do mosteiro?
Vão incidir na hospedaria, a zona do convento que, desde sempre, acolheu os visitantes que ali ficavam para exercícios espirituais ou para retiros. É a casa que, durante um certo período do Século XX, foi residência da família Eugénio de Almeida. O engenheiro Vasco Maria Eugénio de Almeida teve nessa zona da hospedaria a sua residência particular, antes de ir para o Paço de São Miguel, portanto é uma zona que apesar de estar fortemente marcada pela arquitetura cartusiana, já foi objeto de modernização no Século XX. Agora, vamos apenas atualizar e consolidar essa zona. Neste momento, ainda não vamos intervir no grande claustro e nas celas, pois é uma obra de grande envergadura e de alcance mais substancial, mas em todo o caso, esta primeira fase, a sua conclusão, permitirá acolher a comunidade e devolver essa vivência espiritual e monástica ao convento.
São obras suportadas pela Fundação?
Sim, as obras são exclusivamente suportadas pelos capitais próprios da FEA.
Qual é o investimento?
São obras estimadas em 300 mil euros, talvez um pouco mais.
E quanto à zona do eremitério mais central, o claustro maior, há projetos para a sua recuperação?
É intenção firme da FEA, reabilitar o Mosteiro, para que numa segunda fase, venham mais monjas do Instituto das Servidoras do Senhor e da Virgem de Matará. Logo que for possível, queremos fazer as obras, para que todas as celas possam ficar habitadas, mas são obras muito exigentes. Recordo que o convento é classificado como monumento nacional, por isso há todo um diálogo necessário com a tutela. Depois, são obras de uma envergadura financeira completamente diferente destas obras que agora vamos realizar. Mas como lhe digo, há uma intenção firme da nossa parte em avançar com esse projeto. A primeira fase será fazer um diagnóstico e levantamento do claustro, das celas e de todo esse espaço, para depois reabilitar e requalificar para que o Mosteiro possa, na plenitude, ser devolvido à sua natural função monástica.
A fundação vai, também, continuar a dar o seu apoio, neste caso, à nova comunidade, como fazia com os monges cartuxos?
Exatamente. Dentro do entendimento da sua missão estatutária face à Cartuxa, a FEA não apenas tem de conservar os espaços físicos, mas conservar a comunidade, apoiar a vida da comunidade, como sempre fez com os cartuxos durante 60 anos, provendo as suas necessidades básicas decorrentes ou excecionais, e por isso, sim, para além das obras, vai apoiar o sustento e permanência da comunidade religiosa que virá no inicio do próximo ano.
Quais são as expectativas em relação à vinda destas irmãs? Os monges eram muito acarinhados pela cidade. Parece-lhe que vai acontecer o mesmo com esta comunidade feminina?
Imagino que haja muita curiosidade e expetativa. Ninguém escapa a esse sentimento que é muito humano, sobretudo depois de uma presença tão prolongada, forte e marcante como foi a dos cartuxos. Mas digamos que mesmo depois dessa marca tão profunda, é possível esperar o melhor da presença feminina de uma ordem contemplativa, que tem uma constituição relativamente recente, num ramo muito dedicado e identificado com os valores da Ordem de São Bruno, coração, trabalho e contemplação com silêncio. Embora seja uma ordem feminina, recentemente fundada, tem muitos pontos de identificação e contacto com a Ordem de São Bruno e o importante é que essa espiritualidade que é trazida de novo ao lugar, abra as portas ao futuro.
Voltando ao ciclo de visitas guiadas que mensagem quer deixar?
A mensagem que gostava de deixar é um convite aberto, muito caloroso, para que todas as pessoas que por qualquer motivo tenham interesse em conhecer a cartuxa de Évora, aproveitem bem este momento que é uma espécie de janela de oportunidade, uma porta no tempo que nos permite entrar para lá da clausura. Este convento, em breve, voltará a ficar em clausura, por isso, é um convite aberto, generoso, uma vez que gostávamos que todos se sentissem impelidos a conhecer a história, a trajetória e as caraterísticas daquele lugar. São visitas conduzidas pelo arquiteto Luís Ferro, que é profundamente conhecedor daquele lugar, quer do ponto de vista arquitetónico, quer do ponto de vista histórico, e até espiritual e religioso. São visitas únicas, não apenas por serem uma oportunidade no tempo, mas também por serem uma vivência, dentro do espaço conduzido por uma pessoa muitíssimo qualificada. Há, até, alguns pormenores singulares que têm a ver com as horas da realização das visitas. Por exemplo às 8h ou às 19h, pois são momentos em que a luz habita o convento da Cartuxa conferindo-lhe, enfim, uma ambiência que noutros momentos do dia não tem, e que se identifica com momentos importantes da rotina cartusiana.
Pelo que sei, a procura tem sido muita. A FEA pondera promover outras visitas, além das que estão agendadas até setembro?
Sim, neste momento, estão previstas cinco, mais duas visitas por ocasião do dia aberto da Fundação. Não queremos deixar ninguém de fora desta oportunidade. É, contudo, necessário haver um registo prévio no site da fundação. As visitas são gratuitas, demoram cerca de hora e meia e a FEA tem condições, e muito gosto, em multiplicar as visitas para que um maior número de pessoas, e todos os interessados, possam conhecer melhor a sua Cartuxa.
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