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Encíclica Fratelli Tutti

De Desmond Tutu a Vinícius de Moraes. Curiosidades da encíclica sobre a fraternidade

04 out, 2020 - 11:30 • Filipe d'Avillez

Entre as várias citações que inclui no texto da sua nova encíclica, Francisco refere-se aos bispos portugueses, mas não só. Esta é talvez a primeira encíclica que cita um documentário de Wim Wenders.

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A encíclica Fratelli Tutti, a terceira do pontificado de Francisco, lançada este domingo, está recheada de interessantes curiosidades, desde as figuras referidas pelo Papa enquanto fontes de inspiração até ao claro estender de braços às comunidades não cristãs, nomeadamente aos muçulmanos.

Título em italiano

Mal foi conhecido o título em italiano da nova encíclica começou a gerar-se alguma polémica. Em italiano "Fratelli Tutti" significa Todos Irmãos, mas se em línguas latinas as pessoas estão habituadas a que se use o masculino no plural para se referir ao conceito de irmãos e irmãs – e mesmo aí já existem vozes que o contestam – noutros países o tema é mais sensível. Para evitar mal-entendidos e não chocar sensibilidades com traduções para as línguas de destino, ficou determinado que a encíclica manteria o título original em italiano. Curiosamente, e embora não pelas mesmas razões, aconteceu o mesmo com a anterior encíclica do Papa Francisco, a 'Laudato Si’ e, tal como nessa ocasião, trata-se de uma citação direta de São Francisco de Assis.

Contribuição portuguesa

O Papa tem o hábito, nestes seus documentos, de citar conferências episcopais, ou documentos de sínodos locais e regionais, como forma de reforçar a noção comunitária e sinodal da Igreja.

Nesta encíclica faz referência direta a um documento dos bispos portugueses, numa passagem em que apela a uma política que tenha a capacidade de olhar para o futuro e pensar nas gerações vindouras. “Pensar nos que hão de vir não tem utilidade para fins eleitorais, mas é o que exige uma justiça autêntica, porque, como ensinaram os bispos de Portugal, a terra ‘é um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte’”, escreve o Papa. O documento a que se refere é a carta pastoral “Responsabilidade solidária pelo bem comum”, com data de 2003.

Wim Wenders e Vinícius de Moraes

Os bispos portugueses encontram-se em boa companhia em matéria de citações.

Francisco inclui também uma interessante citação do poeta brasileiro Vinícius de Moraes. A passagem dedicada a “Uma nova cultura”, que começa no parágrafo 215, abre com a frase: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”, retirada da canção “Samba da Bênção”, no disco “Um encontro no ‘Au bon Gourmet’”.

Curiosamente, a encíclica cita também o documentário de Wim Wenders “O Papa Francisco – Um homem de palavra. A esperança é uma mensagem universal”. É certo que nestas passagens Francisco está essencialmente a citar-se a si mesmo, mas habitualmente os Papas fazem-no com referência a discursos, homilias ou outros documentos pastorais, e não a documentários cinematográficos.

Uma encíclica inter-religiosa

O objetivo da encíclica “Fratelli Tutti” é apelar a uma nova cultura de fraternidade e dirige-se por isso não só aos católicos, mas a todas as pessoas de boa vontade. Ao longo do texto é notório o esforço que o Papa faz para incluir neste seu apelo os membros de outras religiões, nomeadamente os muçulmanos.

Francisco refere-se um total de 10 vezes ao grande imã de Al-Azhar, uma referência no mundo islâmico sunita, com quem assinou durante o seu pontificado um “Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum”, em 2019. Existem vários pontos de contacto entre a encíclica e este documento. Mas a primeira referência ao Islão acontece antes, logo no início do texto, quando Francisco admite que teve como inspiração o próprio São Francisco, que arriscou a vida para ir ao encontro do Sultão Malik-al-Kamil em plena época de Cruzadas.

O Papa faz ainda referências ao judaísmo, não só quando recorda de forma explícita a tragédia da Shoah (como os judeus se referem ao genocídio de que foram alvo pelos nazis), mas também ao citar uma importante figura histórica do judaísmo, o sábio Hillel.

“Nas tradições judaicas, o dever de amar o outro e cuidar dele parecia limitar-se às relações entre os membros duma mesma nação. O antigo preceito ‘amarás o teu próximo como a ti mesmo’ geralmente entendia-se como referido aos compatriotas. Todavia, especialmente no judaísmo que se desenvolveu fora da terra de Israel, as fronteiras foram-se ampliando. Aparece o convite a não fazer aos outros o que não queres que te façam a ti. E a propósito dizia, no século I (a.C.), o sábio Hillel: ‘Isto é a Lei e os Profetas. Todo o resto é comentário’”.

Há ainda, no texto, referências a figuras protestantes e até ao hindu Gandhi, bem como aos agnósticos e ateus.

De Martin Luther King a Desmond Tutu

São muitas as personalidades que o Papa cita como fontes de inspiração para esta sua reflexão sobre a fraternidade. São Francisco de Assis é o primeiro deles, referido logo no início do texto, mas no final o Papa menciona por nome alguns outros, incluindo o herói da luta pelos direitos dos afro-americanos, Martin Luther King, que era também um pastor evangélico, e o herói da resistência não-violenta Mohandas Gandhi, da Índia.

O Papa sublinha ainda o exemplo do beato Carlos de Foucauld, um sacerdote católico que foi viver para o deserto do Norte de África para se poder identificar com “os últimos” e ser “o irmão universal”. A vida de Foucauld é interessante, uma vez que não conseguiu converter uma única pessoa em vida, mas tem sido fonte de inspiração para milhares de cristãos desde a sua morte, assassinado – provavelmente durante um assalto mal-sucedido – em 1916.

De todas as pessoas referidas só uma é ainda viva. O sul-africano Desmond Tutu, também não é católico, sendo arcebispo na Igreja Anglicana, mas desempenhou um papel crucial na transição do sistema de Apartheid para a democracia naquele país, sobretudo nos seus constantes apelos ao perdão e à reconciliação, sendo creditado, juntamente com Nelson Mandela, com o facto de se ter evitado, nesse período, um banho de sangue.

Comentários
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  • Ivo Pestana
    05 out, 2020 14:56
    A começar em casa, existem padres que não gostam de colegas padres. É inaceitável.

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