20 out, 2020 - 13:27 • Filipe d'Avillez
Portugal nunca foi tão popular junto da China. Quem o diz é o padre Peter Stilwell, que regressou há pouco a Portugal depois de oito anos à frente da Universidade de São José, em Macau.
O padre de ascendência inglesa, mas que nasceu e foi ordenado em Portugal, sente que a identidade portuguesa e Macau está mais forte que nunca e está para ficar.
“Macau existe há 450 anos, tem uma população luso-asiática, a comunidade macaense, que está lá há gerações. Esta comunidade faz a ponte entre a cultura chinesa e a ocidental há séculos e conhece e sempre soube gerir as relações com a China continental ao longo de mudanças de regime, de imperadores, de dinastias, sabendo que às vezes é preciso recuar, outras avançar nestas negociações, é preciso ter calma, não ser confrontacional”.
Ao contrário do que se chegou a temer na altura em que Macau regressou à administração chinesa, os traços da cultura portuguesa não foram ameaçados. Pelo contrário, considera o padre Peter, saíram reforçados.
“Acho que sim, no sentido de que estão lá essas famílias luso-asiáticas e com passaporte português e portanto isso, acompanhado da ideia de que o Governo central abençoou a relação com países lusófonos e que tem muita preocupação com isso, porque tem consciência de que a sul do Equador a língua mais falada é o português, levou a que o prestígio de Portugal tenha vindo a subir na China.”
“O Governo central também disse a Macau que Macau devia ser a plataforma de encontro entre a China e os países lusófonos e quando Macau não tem feito o suficiente nessa área o Governo tem espicaçado e tem substituído pessoas e mostrado que isso não foi simplesmente uma coisa escrita num papel, é um interesse que se desenvolveu”, acrescenta, concluindo que “neste momento estuda-se mais português, fala-se mais português em Macau, na comunidade chinesa, do que no tempo da administração portuguesa”, acrescenta.
Macau
A perseguição aos cristãos tem aumentado na China (...)
O padre Peter foi chamado pelo Patriarca de Lisboa em 2012, numa altura em que já pensava reformar-se do cargo de diretor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa (UCP), a ir para Macau assumir a reitoria da Universidade de São José (USJ), a única universidade católica em solo chinês e que tem uma ligação à UCP.
Ao final de dois mandatos de quatro anos, está de regresso a casa com a sensação de missão cumprida. “Acho que no conjunto dos oito anos, e graças ao trabalho de todos os que estão dentro da Universidade, e aos apoios que recebemos dos que estão fora, muitos dos projetos que tinham sido pensados pelo meu antecessor, o professor Rúben Cabral – do novo campus e de ter uma universidade que pudesse ter critérios internacionais – foram realizados. Por isso, sem dúvida que os oito anos foram de crescimento e de estabilização e hoje a universidade é vista com respeito pelas outras universidades locais.”
De tal forma, explica, que o reitor da outra universidade no território, a Universidade Cidade de Macau, aceitou recentemente passar para vice-reitor da USJ.
Parte do sucesso, acredita o padre Peter Stilwell, deve-se ao facto de ter chegado a Macau na altura certa e com a experiência certa. “Quando eu cheguei a Macau as universidades estavam a pensar reorganizar os seus estatutos, ter uma nova lei do ensino superior que pudesse corresponder às exigências que o ensino superior tem hoje a nível mundial. Todo o processo de Bolonha tinha sido introduzido na Europa e depois, com impacto mundial no princípio deste milénio, por isso tudo era bastante recente. Eu tinha a vantagem de ter assistido aqui e ter sido responsável na Faculdade de Teologia pela adaptação da UCP ao sistema de Bolonha, conhecia por dentro as exigências desse sistema e que nos tinha levado a repensar o que era o ensino superior e como se podia desenvolver.”
“Portanto eu levava muitas vantagens e coincidiu ser num momento em que a própria região autónoma de Macau estava a desenvolver o seu ensino superior para uma nova etapa.”
Perto de completar 74 anos – e tendo em conta que já pensava reformar-se da vida académica antes de ir para Macau – o padre Peter diz que agora espera poder gozar de um merecido descanso, mas deixa logo antever que de descanso, propriamente dito, essa reforma terá pouco.
“Falaram-me de no próximo ano poder eventualmente dar uma cadeira a nível dos doutoramentos; estou a ajudar a Faculdade de Teologia a constituir o seu Conselho Estratégico e pediram-me para retomar o projeto [Ruy] Cinatti na Universidade. O Patriarca pediu-me para retomar o departamento do diálogo inter-religioso e das relações ecuménicas, e por isso já tenho coisas mais que suficientes, e estou ainda a arrumar a casa! Tenho muita coisa para arrumar.”