21 out, 2020 - 11:38 • Olímpia Mairos
As duas primeiras monjas trapistas já estão em Palaçoulo, Miranda do Douro. No próximo dia 26, devem chegar mais três. E, se tudo correr bem, se a pandemia da Covid-19 o permitir, no dia 15 de novembro estará completa a comunidade, constituída por 10 monjas, dando-se início à vida monástica em terras transmontanas.
As obras da hospedaria, ou casa de acolhimento, onde, numa primeira fase, ficará a comunidade, estão a decorrer dentro da normalidade e estão praticamente concluídas.
“Partimos de Vitorchiano para ficar aqui definitivamente. Na segunda feira, confiamos as nossas intenções, as intenções da Igreja e da nossa comunidade a Nossa Senhora de Fátima, e ontem à tarde chegamos aqui e começamos o nosso desafio”, conta a superiora da comunidade, a Irmã Guisy Maffini.
A monja, de 57 anos, descreve a chegada como “um dia especial, porque é um dia de saudade e de agradecimento. “De saudade porque a nossa vida se desenvolveu em Vitorchiano, para mim, durante 32 anos, e para a irmã Debora, durante 17 anos. A nossa vida nasceu ali. As nossas raízes estão ali”.
Mas “o dom é para ser doado e, portanto, é uma alegria também poder doar a nossa vida para que algumas pessoas, algumas raparigas, possam encontrar o que nós encontramos, explica a religiosa, assegurando que vão “ficar aqui para sempre, se Deus quiser. A nossa vida agora é aqui”.
Até ao final do ano, as monjas vão “fazer apenas uma coisa e que é instalarem-se, rezar e viver a nossa vida. Vamos acabar a hospedaria e, se Deus quiser, ultimar o projeto do mosteiro”, conta a irmã Guisy, adiantando que 2021 deverá marcar o arranque da construção do mosteiro.
“Esta casa de acolhimento foi pensada para acolher hóspedes e também não tem a estrutura do mosteiro cisterciense. Foi pensada para pessoas que desejam descobrir a nossa vida”, explica.
E para as monjas trapistas, como para S. Bento, os hóspedes e peregrinos são o próprio Cristo.
“Qualquer pessoa que nos procura, que procura Deus, é para nós imagem de Cristo. Por isso, o peregrino é acolhido com tudo o que nós temos, com a nossa vida, com a nossa possibilidade de acolhimento. O nosso pão é o seu pão. Não temos um restaurante, oferecemos o que temos”, explica a superiora da nova comunidade.
No mosteiro de Palaçoulo as dez monjas, com idades compreendidas entre os 36 e os 83 anos, vão trabalhar para “ganhar a vida”.
“Plantamos árvores de fruto oferecidas pela diocese, 500 amendoeiras e um pomar, com mais de 100 árvores de fruto, para nós e para os nossos hóspedes. Temos um pequeno espaço dedicado às compotas, trabalho que será depois desenvolvido no mosteiro”, conta a irmã Giusy, acrescentando que “algumas irmãs aprenderam a tratar de abelhas”, embora seja cedo para iniciarem a “produção de mel, porque não há condições na hospedaria”.
“Temos também uma comunidade que nos cuida, que é muito generosa, e está também a acompanhar este desafio económico que não é pequeno. Seremos acompanhadas por Vitorchiano, até ao momento em formos capazes de nos mantermos por nós próprias. Nessa altura faz-se a passagem de fundação a priorato e depois a abadia. Mas é um processo que leva muito tempo”, salienta.
No dia 14 de outubro, no final da audiência pública semanal que decorreu no Auditório Paulo VI, o Papa Francisco saudou as monjas trapistas de Vitorchiano, de partida para Palaçoulo, no concelho de Miranda do Douro. “Saúdo as monjas trapistas de Vitorchiano, de partida para Portugal. Corajosas, vão fundar um mosteiro em Portugal”, disse Francisco.
Convidada pela Renascença a comentar a saudação do Papa, a irmã Guisy, com um sorriso no rosto, afirma: “Não sei se é coragem ou se é desejo de responder ao bem que recebemos. É preciso ter encontrado algo de maior e lindo. Eu não acho que sou corajosa, acredito ser uma irmã muito sortuda”.
De visita às obras, praticamente concluídas, da hospedaria que vai acolher as monjas, o bispo da Diocese de Bragança-Miranda, D. José Cordeiro, reforça a natureza hospitaleira do povo transmontano que se cruza com o cariz monástico do acolhimento e enaltece a missão das monjas.
“Somos hospitaleiros e hóspedes deste grande dom divino e humano. É um bem para a Igreja presente em Portugal e no mundo, porque o mosteiro é este lugar de contemplação, de silêncio, de paz, que quem se aproxima dele recebe tanto da vida que cativou estas mulheres corajosas, como sublinhou o Papa Francisco”, afirma o prelado.
O bispo transmontano salienta que desde a primeira hora, há quatro anos, quando teve o primeiro encontro em Vitorchiano, altura em nasceu “este sonho de Deus que agora se torna realidade”, percebeu “o alcance, o valor e a importância da liturgia para a evangelização da Europa e concretamente em Portugal”.
D. José Cordeiro observa que o ser humano, em constante busca e à procura de espiritualidade, encontrará no novo mosteiro “um contributo para uma resposta”.
“Estamos habituados a relacionar a fé com a água. Mas a sede também é fé. E o desejo de rezar, já é rezar, como dizia santo Agostinho. Este lugar é o lugar permanente de uma oração muito própria”, refere o prelado, revelando que esteve na revisão dos textos que ali “vão ser rezados sete vezes ao dia, na liturgia chamada monástica, em que se rezam os 150 salmos [da Bíblia] em duas semanas”.
As dez monjas já dominam a língua portuguesa e até a mirandesa. Não só a falada, mas também a escrita. E já editaram três pequenos livros infantis em português, com orações para as crianças.
“É espantoso como encarnaram a cultura, desde os materiais à geografia, não apenas do espaço, mas à geografia das pessoas, ao conhecimento da alma das pessoas”, observa D. José, adiantando que as monjas “já são, de pleno direito canónico e jurídico, uma comunidade constituída na diocese e fazem já parte da orgânica e constituem já o anuário da diocese e da presença da vida consagrada em Portugal”.
O bispo de Bragança-Miranda assume que o mosteiro é “um desafio permanente e constante à renovação da liturgia e da pastoral na diocese.
“As monjas estão aqui como esta presença permanente, como Moisés diante da sarça ardente. Já temos as carmelitas, com um outro rasgo espiritual, já temos outros institutos de vida consagrada, mas um mosteiro deste tipo de vida monástica, assente na oração, no trabalho e no acolhimento, é uma realidade nova e única e, por isso, este dom maior para a Igreja”, assinala.
De acordo com D. José Cordeiro, de vários lugares de Portugal e de Espanha, há muitos pedidos para “vir ao mosteiro, para poderem ser hospedados, e o sinal mais significativo”, assinala, é que já existem “muitas jovens a inquietarem-se e a perguntarem-se: porque não fazer uma experiência destas? prontas a descobrir uma liberdade maior do coração, como manifestam estas dez mulheres corajosas”.
“Neste mosteiro não haverá grades de separação, o que não diminui em nada a exigência da vida. O que fica destas mulheres é a exigência de vida que levam e a felicidade que transmitem, a alegria”, indica o bispo transmontano, manifestando o desejo de que o mosteiro, “tendo iniciado em tempo de pandemia de Covid-19”, possa fazer renascer “para a Igreja em Portugal e no mundo, uma pandemia da esperança”.
D. José Cordeiro constata que o mosteiro “já começou a ser um impulso para o turismo religioso na região”.
“Já há muitas pessoas que visitam e procuram este lugar e vai suscitar uma presença ainda maior de outras formas de vida consagrada nesta região, neste território, que começaram já a nascer”.
“Quem vier aqui, até pelo ambiente que já nos envolve, vai sentir a paz do coração”, assegura, pedindo que, “como desafiou o Papa Francisco, rezemos para que este mosteiro de Santa Maria, Mãe da Igreja, de Palaçoulo tenha muitas vocações, como tem o mosteiro de Vitorchiano, a mãe desta fundação”.
O bispo de Bragança-Miranda assinala ainda a feliz coincidência de “já no século XIII, estas terras” pertencerem “a um mosteiro beneditino e, depois, cisterciense, o mosteiro de Moreruela”.
“É fantástico como Deus reescreve a história desta forma tão bela”, declara o bispo transmontano, acrescentando que, no caso da diocese, 375 anos após a fundação, e depois de ser extinto um mosteiro beneditino em Castro de Avelãs, reerguer-se um mosteiro feminino e com esta coragem, com esta confiança, com esta esperança”.
A casa de acolhimento, designada na regra de S. Bento como hospedaria, tem capacidade para 40 hóspedes, mas neste momento vai funcionar provisoriamente como mosteiro. Para os hóspedes vão ficar disponíveis apenas uns cinco quartos, com capacidade para cerca de 12 pessoas.
“Será um espaço de acolhimento, sem qualquer intuito comercial ou turístico, mas naquilo que é o específico da espiritualidade beneditina e cisterciense da estrita observância”, remata o bispo de Bragança-Miranda.
O padre António Pires, pároco de Palaçoulo e procurador das monjas italianas em Portugal, grande obreiro do sonho que já é realidade, afirma à Renascença ter consciência que o mosteiro “é das maiores graças” que recebeu na vida.
“O dom da vida é uma graça muito grande, a ordenação sacerdotal outra graça muito grande e na minha vida sacerdotal, sem dúvida que esta é a graça das graças”, explica o sacerdote.
Com um brilhozinho nos olhos, o padre António descreve o empreendimento como “algo de extraordinário”.
“Esta obra é apenas a casa de acolhimento, o brilho será maior, quando o mosteiro estiver concluído e tanto mais que a vida monástica em Portugal é praticamente inexistente. E acredito que aqui, a vida monástica será um grande centro de espiritualidade e de liturgia”.
O procurador das monjas adianta que as obras do mosteiro, com a igreja abacial, devem ter início em maio do próximo ano e, se assim for, com dois anos de construção, deverá estar concluído em 2023.
Alzira Rodrigues, de 85 anos, já visitou “várias vezes as obras” da casa de acolhimento. “Está tudo muito limpinho, tudo muito bem arranjado, já tem a capela pronta”, conta à Renascença, atalhando que não quer morrer sem ver o “mosteiro pronto”, porque quer ir lá à missa.
Também Ilídio Antunes, de 73 anos, está ansioso por ver a obra concluída. “A hospedaria já está feita. Agora só já falta o mosteiro. É uma obra muito importante, é quase como uma aldeia. Quando estiver tudo pronto fica como uma aldeia”, afirma o habitante de Palaçoulo, acrescentando que desde que a obra começou, tem vindo ali muita gente e “quando estiver pronto, virá muita mais”.
Domingos Martins, de 69 anos, conhecido empresário na área da cutelaria, acredita que “a aldeia vai ficar envolvida num conjunto de ações que o mosteiro vai desenvolver e que vai trazer uma mais valia para Palaçoulo, pelas pessoas que aqui virão e também pelo estatuto que vai ter a aldeia, por ter um mosteiro”.
“E vai ajudar muito, porque, se Palaçoulo já é o que é, que é responsável por fazer de Miranda do Douro o terceiro concelho que mais exporta, com isto vai ficar com mais nome e mais implantado no mapa”, acrescenta.
Este habitante de Palaçoulo acredita que “o mosteiro vai trazer mais gente, uns por curiosidade e outros para usarem mesmo o mosteiro, que vai ter uma hospedaria”.
“As pessoas podem usufruir do silêncio, respirar um bom ar puro, estamos aqui no Planalto Mirandês, que é muito bem arejado, e também pelos sabores que temos aqui na gastronomia, com pratos que não se produzem em mais nenhuma parte do país”.
O primeiro mosteiro trapista em Portugal fica em Palaçoulo, no concelho de Miranda do Douro. Chama-se “Mosteiro Trapista de Santa Maria, Mãe da Igreja” e é uma fundação do Mosteiro de Vitorchiano (Itália), pertencente à Ordem Cisterciense da Estrita Observância (OCSO), também conhecida como “Trapista”. O investimento, estimado em seis milhões de euros, será suportado integralmente pela Ordem formalmente designada "Cisterciense da Estrita Observância”.
Neste momento ultima-se a conclusão da casa de acolhimento. Depois, e já com a comunidade de 10 monjas no local, o que deve acontecer em meados de novembro, avançam as obras do mosteiro propriamente dito, com a igreja abacial, projetado para 40 monjas.