22 out, 2020 - 00:25 • André Rodrigues
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O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) é a favor do referendo como forma de travar o processo da eutanásia, mas considera "intolerável" o agendamento, em tempo de pandemia, do debate sobre o referendo, que terá lugar no Parlamento esta quinta-feira, com votação no dia seguinte.
"Numa altura em que se fazem tantas críticas à falta de cuidado dos lares, a melhor coisa que o Parlamento tem para fazer é discutir se estas pessoas têm o direito ou não a procurar assistência para morrer?", questiona D. José Ornelas em entrevista à Renascença.
Sobre a posição expressa pelo Papa Francisco num documentário, no qual defende a criação de leis de união civil para homossexuais, o presidente da CEP sublinha que "igualdade de direitos e de oportunidades não significa fazer tudo igual". Mas revê-se na necessidade invocada pelo Papa de criar leis que defendam e respeitem a dignidade humana e a orientação sexual.
A petição para a realização de um referendo sobre a eutanásia é debatida esta quinta-feira e votada no dia seguinte: o referendo é a única via possível para travar o processo?
O referendo é a via que nos faltava percorrer. Respeitando sempre a opinião de cada um, julgo que a questão da vida não é referendável mas é o caminho que resta às pessoas que não concordam com esta possibilidade de legalização da eutanásia para que o debate se faça na sociedade e não, simplesmente, no Parlamento.
Acho, por isso, que o referendo é o último caminho que nos resta para defender algo que julgamos essencial e civilizacional, não é apenas uma questão de cristãos.
A eutanásia regressa ao Parlamento, depois de, em 2018, os deputados terem chumbado a sua legalização. O quê que mudou desde essa altura e quais devem ser as linhas de reflexão que os deputados devem seguir, dois anos depois?
Há uma primeira questão que é fundamental: a possibilidade de decidir ou aceitar que se tire a vida a uma pessoa, colaborando ativamente nesse processo, é algo que repugna uma sociedade que se quer defensora da vida em todos as fases por que ela vai passando.
Referendo à eutanásia
Em entrevista à Renascença, a enfermeira Margarida(...)
Em segundo lugar, neste momento, com todos os dramas que se vivem nos lares, onde pessoas que se encontram nessa situação de doença irreversível, diria que é um péssimo sinal, uma péssima ideia regressar a este assunto que vai contra todos os esforços para defender os nossos idosos e para encontrar caminhos de acompanhamento em cuidados paliativos que possibilitem uma morte digna para que, dentro da normalidade do decurso vital, todos nós temos.
A pandemia adensa o medo, sobretudo entre os idosos, porque são eles o principal grupo em risco. Como interpreta o regresso ao tema neste contexto?
Acho de muito mau gosto o Parlamento ter agendado uma discussão sobre este tema no momento que estamos a viver. É intolerável, não percebo! As pessoas que estão a ver partir outros colegas e amigos ao lado deles atingidos pela pandemia e, numa altura em que se fazem tantas críticas à falta de cuidado dos lares, a melhor coisa que o Parlamento tem para fazer é discutir se estas pessoas têm o direito ou não a procurar assistência para morrer?
Acho que é pior momento que poderiam encontrar para discutir isto.
Dir-me-ão que o Parlamento é soberano e eu quero que continue a ser soberano, mas devia respeitar aqueles que os elegeram e, numa questão tão importante, propor isso à discussão de todos.
A Conferência Episcopal já pediu ou tenciona pedir audiências, designadamente com o Presidente da República para abordar este assunto?
Já houve contactos no passado. Aguardamos pelo desfecho da discussão e votação que estão agendadas e veremos, depois em que sentido nos vamos movimentar.
Do seu ponto de vista, qual seria o significado de uma eventual futura legalização da eutanásia em Portugal?
É uma questão civilizacional, não é uma questão exclusivamente da Igreja. Não se trata de fazer processos. Trata-se, sim, de criar uma mentalidade de respeito pela vida ao longo de toda a existência humana.
Não quero julgar ninguém e respeito o drama das pessoas que sentem o peso de uma doença terminal, mas a eutanásia não pode ser a solução.
Não podemos entrar naquela lógica 'se queres morrer, eu ajudo-te'. A ciência e, sobretudo, a proximidade humana pode inverter o pensamento dessas pessoas. Podemos, antes dizer-lhes, 'queres morrer, mas eu vou ajudar-te a viver'.
"Eles são filhos de Deus e têm direito a uma famíl(...)
Esta quarta-feira, o Papa defendeu a criação de leis de união civil para homossexuais, criticando a discriminação destas pessoas. Como interpreta este sinal dado por Francisco?
O Papa tem defendido que as pessoas, qualquer que seja a sua orientação sexual, têm o direito serem respeitadas naquilo que são.
Os estados têm o dever de defender e concretizar essa defesa, legalmente, dentro do respeito pela diversidade que existe na sociedade.
Mas o casamento entre pessoas do mesmo sexo já consagra esse respeito...
... mas não creio que alguma vez a Igreja Católica vá considerar que uma união entre pessoas do mesmo sexo seja um matrimónio.
Igualdade de direitos e de oportunidades não significa fazer tudo igual.
Significa que cada um, na sua individualidade, é respeitado em todos os momentos por aquilo que é.
Por isso, a sociedade e, muito particularmente, o Estado deve criar os mecanismos necessários para que isso seja possível, com um quadro legislativo capaz de reconhecer a cada um a dignidade que tem tal como é e não como eu gostava que fosse.