17 nov, 2020 - 11:47 • Rosário Silva
Chama-se “HumanaMente @ctivos” e já deu frutos. O projeto da Cáritas Diocesana de Beja que envolve as novas tecnologias está no terreno desde maio e já chegou a três dezenas de idosos do concelho, com idades entre os 74 e os 89 anos.
Sem querer deixar ninguém para trás num período alargado de confinamento e distanciamento físico e social, a instituição tem, nos últimos meses, conseguido manter ocupados, de forma saudável, os utentes.
O principal objetivo desta iniciativa é a prevenção de demências, a ocupação do ócio e a promoção do envelhecimento ativo, através da teleterapia e da terapia ocupacional, com recurso às novas tecnologias.
“Posso assegurar que os idosos que participam no projeto estão hoje mais comunicativos, mais interativos, interessados em saber mais, denotando-se uma melhoria significativa de alguns, em atividades relacionadas com a atenção, a memória e o cálculo”, assinala Isaurindo Oliveira, presidente da Cáritas Diocesana de Beja, em entrevista à Renascença.
Atenuar o isolamento da população idosa e contribuir, não só para a satisfação das suas necessidades básicas, mas também para a melhoria do seu bem-estar são objetivos do projeto, financiado pelo Programa CUIDA da Fundação Calouste Gulbenkian e Instituto da Segurança Social.
Como surge este projeto e com que objetivo?
A Cáritas Diocesana de Beja atende e acompanha no seu Serviço de Apoio ao Domicílio (SAD) cerca de 70 idosos mais vulneráveis – ou seja, aqueles que, com recursos financeiros limitados, têm dependência física e/ou social ou então que não possuem uma rede de apoio relacional.
A par dos serviços contratualizados, durante muitos anos as instalações da Cáritas Diocesana de Beja foram o ponto de encontro para muitos dos idosos que acompanhamos em SAD, tendo sido este o seu espaço de reencontro, de momentos partilhados e aniversários celebrados.
Aqui, os idosos foram sempre protagonistas, levando-os à projeção e à partilha das suas vivências, memórias, saberes e inquietações, muitas delas espelhadas em trabalhos manuais que estão patentes nas paredes do nosso edificado e gabinetes técnicos.
Mas a pandemia mudou tudo…
Sim, com a pandemia e as consequências do confinamento a que todos fomos sujeitos desde março, os idosos ficaram circunscritos ao seu espaço domiciliário e a um distanciamento físico que os colocaram em maior situação de vulnerabilidade, não só distantes da instituição que os acompanhava, como também da sua rede familiar por um período de tempo indeterminado e, perante isso, não podíamos ficar indiferentes.
Ora, é precisamente a partir desta opção preferencial pelos mais vulneráveis que considerámos logo a necessidade de criar uma resposta às consequências do isolamento físico e confinamento domiciliário dos idosos.
Assim, consideramos imprescindível “incorporar” no SAD, como princípio, em todo o trabalho que realizamos no campo do acompanhamento e promoção do envelhecimento ativo, a criação do projeto HumanaMente @ctivos, cuja viabilidade e execução foi possível no âmbito de uma candidatura que efetuámos ao Programa CUIDA, da Fundação Calouste Gulbenkian e do Instituto da Segurança Social, tendo como parceiros a associação Alememória e o município de Beja.
Há quanto tempo está no terreno e, já agora, quantas pessoas abrange e de que idades?
Estamos no terreno desde 1 de maio deste ano, na área das Uniões de Freguesias da cidade de Beja e nas freguesias rurais de Cabeça Gorda, Nossa Senhora das Neves e Santa Clara de Louredo.
O projeto abrange 30 pessoas, sendo que 20 já são acompanhadas pelo SAD de Beja da Cáritas e 10 são oriundos dos nossos parceiros, a associação Alememória e município de Beja.
No que diz respeito às idades, posso dizer-lhe que o participante mais novo tem 74 anos e o mais velho tem 89 anos de idade.
Na prática, pode explicar-nos em que consiste o projeto?
O HumanaMente @ctivos consiste na realização de técnicas de teleterapia, de estimulação cognitiva e motora, individualizada, no domicilio e à distância, utilizando para o efeito o uso das novas tecnologias por parte dos idosos selecionados, que na sua maioria são caracterizados por viverem sozinhos e com défice cognitivo ligeiro, alguns deles, já com demência de Alzheimer e demência frontotemporal.
Houve, então, uma seleção?
Sim, inicialmente aplicou-se um teste de avaliação cognitiva (MOHOST) e procedeu-se à caracterização médica e social dos idosos, para posteriormente iniciarmos com os selecionados um processo de capacitação para o uso individual e correto do tablet com ligação WI-FI, bem como o seu acesso à plataforma eletrónica da CogWeb, permitindo aos idosos o treino cognitivo online, com exercícios previamente planeados e personalizados, bem como, a realização de videochamadas junto dos familiares, sempre orientados pela terapeuta ocupacional.
Nos idosos com maior dificuldade na sua autonomia, foram disponibilizados vários cadernos Cogweb, com materiais de treino cognitivo em formato papel e lápis e com vários níveis de dificuldade.
Tudo para responder ao problema do isolamento físico?
Sim, naturalmente que a grande preocupação da Cáritas foi o isolamento dos idosos e, ainda que com as tecnologias possa haver uma aproximação, sobretudo aos familiares que na sua maioria estão a residir noutro ponto do país, priorizámos sempre a presença humana, através da terapeuta ocupacional no domicílio das pessoas idosas, permitindo desta forma garantir um acompanhamento de proximidade, com afeto e o apoio emocional e espiritual que nos caracteriza.
Podemos afirmar que esta intervenção tem atenuado o isolamento da população idosa que a Cáritas já acompanha e contribui, não só para a satisfação das suas necessidades básicas, mas também para a melhoria do seu bem-estar.
Os mais velhos gostam de aprender e estão recetivos às novas tecnologias?
Os idosos manifestam muito interesse em participar nas atividades propostas, em querer aprender mais e estarem mais estimulados cognitivamente, uma vez que já estão há muito tempo em casa sem estarem ocupados, com outro tipo de atividade.
Esta, é uma forma de se sentirem ocupados na sua própria habitação, a par de estarem acompanhados e serem valorizados na elaboração das atividades, reforçando positivamente as suas capacidades.
São muitos os que referem que as atividades propostas são interessantes, porque uma larga maioria nunca tinha utilizado um tablet na sua casa e acedido à internet, e a verdade é que a grande maioria nem tem computador ou telemóvel com as capacidades de comunicação e interação das que o projeto proporciona.
Todos eles manifestam interesse em saber mais e em explorar aquilo que o tablet lhes pode oferecer.
Até ao momento, que balanço é possível fazer?
Podemos dizer que o balanço é francamente positivo para todas as partes envolvidas. Em primeiro para os idosos, que são a razão da existência deste projeto e que com ele ganham ferramentas e competências para estarem estimulados cognitivamente e acompanhados pela Cáritas apesar do confinamento.
Para as suas famílias, que estando longe, confiam e sabem que a Cáritas encontrou uma solução inovadora para o problema do confinamento não deixando ninguém para trás, garantindo um acompanhamento de proximidade.
Para os financiadores do projeto, que percebem que o investimento tem um impacto positivo na vida das pessoas e na comunidade, através da melhoria da qualidade de vida e bem-estar dos idosos e das parcerias criadas.
Por fim, para a Cáritas Diocesana de Beja, que através deste projeto materializa uma intervenção há muito identificada como prioritária e complementar aos serviços muito bem prestados pela equipa do SAD, e que com a contratação de uma terapeuta ocupacional (criação de um posto de trabalho a uma pessoa desempregada), permitiu concretizar uma intervenção multidisciplinar e complementar, contribuindo de forma decisiva para um envelhecimento ativo dos nossos idosos, a par de um acompanhamento que permite a identificação de eventuais necessidades e respetiva articulação com os parceiros da rede social ao nível da saúde comunitária.
Pode dizer-se que os idosos que participam neste projeto, apesar de confinados, não perderam esse elo importante que é a comunicação e a socialização?
Sim, esta intervenção permitiu ter os idosos ocupados de forma saudável, prevenindo o agudizar das suas demências, proporcionando a interação com as novas tecnologias, ao mesmo tempo que se fomenta a partilha de momentos, histórias de vida e acontecimentos importantes de forma lúdica, mas com objetivos técnicos que fomentam uma melhoria da sua qualidade de vida.
Posso assegurar que os idosos que participam no projeto estão hoje mais comunicativos, mais interativos, interessados em saber mais, denotando-se uma melhoria significativa, de alguns, em atividades relacionadas com a atenção, a memória e o cálculo.
Algum episódio que queira contar sobre a forma como estas pessoas reagem quando estão em contacto com os seus familiares através da tecnologia?
Olhe, a maioria dos envolvidos manifestam hoje o interesse em utilizar o tablet na sua casa e isso é revelador do grau de confiança e conhecimentos que adquiriram. São muitos os que têm curiosidade em saber como é feita a sua utilização, para além dos exercícios cognitivos e das videochamadas feitas aos familiares, com a ajuda da terapeuta.
GNR
O distrito de Vila Real lidera a tabela, seguido d(...)
Já temos alguns, inclusive, que referem que gostariam para prenda de Natal a aquisição de um tablet. Na interação com os familiares, ficam surpresos, pois nunca pensaram que um dia poderiam estar a utilizar este método de comunicação para falar com os filhos que estão longe. É uma forma diferente de os ver e “matar” as saudades, apesar da distância.
Neste tempo de pandemia, pode dizer-se que o projeto tem sido uma espécie de "lufada de ar fresco" para estas pessoas?
Sem dúvida. A maior preocupação que tivemos com o início da pandemia foi o que fazer com os idosos que regularmente vinham à Cáritas, com os quais tínhamos uma ligação emocional muito forte e que, com a pandemia, deixaram de frequentar as diferentes atividades nas nossas instalações e na comunidade.
Sabemos que nada substitui a presença humana, os afetos, o sorriso, os momentos, as partilhas – ao fim e ao cabo, a vida “normal” que levávamos e que todos queremos resgatar – mas dentro desta situação controversa conseguimos ter a aptidão para avaliar o problema do isolamento dos idosos, com sensatez, clareza e bom senso e, de forma criativa, propor a realização de uma intervenção que alia as tecnologias, ao conhecimento e envelhecimento ativo, esbatendo as distâncias e acompanhando as pessoas mais vulneráveis. Por tudo isso já valeu a pena.
Sendo um projeto que surgiu de uma candidatura, até quando se vai desenvolver? Está a ser ponderado o seu prolongamento?
O projeto HumanaMente @ctivos vai decorrer até dia 30 de dezembro deste ano, com financiamento garantido a 100% pelo Programa CUIDA da Fundação Calouste Gulbenkian e do Instituto da Segurança Social, a quem generosamente agradecemos a confiança depositada. Naturalmente que, depois deste conhecimento adquirido, dos vínculos criados, das experiências gratificantes e do crescimento mútuo, a Cáritas Diocesana de Beja tudo fará para continuar a intervenção.
Tendo em conta as aprendizagens que decorreram nesta fase piloto, estamos esperançados num possível prolongamento do financiamento por parte destas entidades, ou de outras, que venham a mostrar interesse e que são imprescindíveis para a sustentabilidade da nossa instituição e serviço.
De uma coisa não temos dúvidas: conseguimos demonstrar que cada euro colocado neste projeto chegou aos seus destinatários e teve impacto na sua vida, e na vida das suas famílias.
Perante isto, não temos dúvidas de que, da nossa parte, estaremos disponíveis para prosseguir esta intervenção, pois sabemos o quanto ela é importante para as pessoas idosas, independentemente do período de pandemia que estamos a viver. Queremos sensibilizar, através dos organismos públicos e sociais que integramos, as entidades competentes, particularmente o Instituto da Segurança Social, para que, no quadro do acordo existente com a Cáritas Diocesana de Beja para a prestação do SAD, possa ter-se em conta a necessidade e a importância que reveste uma terapeuta ocupacional na problemática da velhice e na promoção de um envelhecimento ativo.