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Há imigrantes que esperam anos para ter acesso a direitos fundamentais

21 dez, 2020 - 19:57 • Ana Carrilho

O Serviço Jesuíta aos Refugiados lançou a campanha #Vidas em Espera e pede ao Governo que torne permanentes os apoios concedidos aos imigrantes durante a pandemia.

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Enquanto não têm a situação regularizada em Portugal, os imigrantes pagam impostos e fazem descontos para a Segurança Social, mas se precisarem, não podem usufruir de muitos direitos. Por isso, o Serviço Jesuíta aos Refugiados lançou uma campanha no Dia Internacional do Migrante, assinalado no passado dia 18 de dezembro, que visa reduzir o tempo necessário para a regularização. Na conferência de imprensa, o diretor do JRS, André Costa Jorge, defendeu também a criação de um visto para a procura de trabalho.

Portugal precisa de imigrantes e mais de 80% dos que já cá vivem têm entre 25 e 44 anos. Ou seja, estão em idade ativa. Chegam à procura de trabalho e de uma vida melhor, para si e para as famílias. Mas o processo de regularização não é fácil nem rápido.

Segundo o diretor do JRS – Serviço Jesuíta aos Refugiados – André Costa Jorge, a regularização demora, em média, um ano. Mas há casos em que as pessoas esperam dois ou três anos. Neste momento, há cerca de 250 mil imigrantes à espera de uma decisão que lhes mude a vida.

“Enquanto se está em situação irregular, na cabeça dos migrantes, não se é inteiramente livre, não se pode andar na rua como qualquer um de nós anda. De alguma forma, sentem-se em inferioridade perante o resto da sociedade”. Essa é a primeira consequência, afirma o responsável do JRS, sublinhando que estar em situação irregular não é a mesma coisa que ser “ilegal”. Além disso, estão sujeitos a todos os abusos de várias pessoas e entidades. Por exemplo, de patrões menos escrupulosos ou das próprias autoridades.

Daí, o mote para a campanha #Vidas em Espera, lançada simbolicamente no Dia do Migrante na comunicação social, redes sociais e que também vai estar visível nas caixas de multibanco.

Apoios da pandemia devem ser permanentes

André Costa Jorge aplaude a decisão do Executivo tomou durante a pandemia de conceder igualdade de direitos sociais aos migrantes que trabalham de forma regularizada e aguardam um título. Mas aconteceu de forma excecional e temporária. “Se é possível fazê-lo nestes tempos de exceção, também será possível fazê-lo de forma permanente e duradoura. Porque não há qualquer vantagem para o país que as pessoas permaneçam com as suas vidas em espera”, argumenta o diretor do JRS.

Além disso, apela à aceleração dos processos de autorização de residência junto do SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. E que “seja regra dar direitos a quem contribui, de tantas formas, para o nosso país”.

A propósito, André Costa Jorge recorreu aos dados divulgados pelo Observatório das Migrações e segundo o qual, em 2019, os imigrantes contribuíram com 884 milhões de euros para a Segurança Social.

Para quando o Visto para procura de trabalho?

Mas a “proposta bandeira” do JRS é a criação de um visto para procura de trabalho. “Porque não há forma de as pessoas migrarem para procurar trabalho no nosso país. Entram com um visto turístico, procuram regularizar a sua situação e para esse efeito, tem de pagar coima e a alteração do seu registo, que em média, ultrapassa os mil euros por pessoa”, explica André Costa Jorge. “Isso implica uma alteração legislativa, mas ainda por cima, é uma ideia que consta do Programa do Governo”.

Os imigrantes contribuem para a economia do país e ajudam a equilibrar o problema demográfico, mas continuam a ser vítimas de profundas injustiças e alvos de discursos e de atitudes discriminatórias e de hostilidade. “A pandemia contribuiu para aumentar a sua vulnerabilidade tornando mais difíceis os processos migratórios, a integração e o acolhimento. Além disso, na hora de reduzir postos de trabalho, são os primeiros a descartar”.

Ao longo dos últimos quinze anos, o JRS já deu apoio a cerca de dez mil imigrantes e refugiados. Muitos deles ficam no Centro de Acolhimento, que tem capacidade para 25 pessoas, em média, oito meses. “Mas isso depende das condições específicas de cada pessoa e do projeto de vida para cada um. Durante a pandemia e apesar do confinamento, não só mantivemos, como aumentámos o número de pessoas apoiadas”.

Pelo Centro de Atendimento, que presta apoio jurídico, social, médico, de emprego e formação, já passaram cerca de quinze mil pessoas. Uma das prioridades é o ensino da língua portuguesa e a formação/emprego, em que o Serviço Jesuíta aos Refugiados conta com a parceria com diversas empresas.

SEF: É preciso mudar a forma como o migrante é olhado

O diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados considera que o governo português tem que tirar lições do caso que levou à morte do imigrante ucraniano nos Aeroporto de Lisboa, às mãos de inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

André Costa Jorge considera que é preciso alterar, sobretudo, a forma como o serviço é prestado e o imigrante é olhado, pensando num Serviço de Estrangeiros e Fronteiras mais humano, que garanta os direitos básicos das pessoas. “Porque se tudo mudar (em termos de processos e funcionamento) mas nada mudar na mentalidade, então não serve para nada. A polícia não pode agir, à priori, sobre os imigrantes, com ameaças”.

Kevin tem 24 anos e já nasceu em Portugal. Mas a mãe, imigrante angolana, em determinada altura, deixou caducar os documentos. Foi o filho que acabou por ter problemas para conseguir a nacionalidade. Durante mais de sete anos foi uma “bola de pingue pongue” entre Portugal e Angola, para conseguir os documentos e finalmente, a nacionalidade portuguesa. Conseguiu-a este ano, com a ajuda do JRS, mas para trás já ficaram anos perdidos nos estudos: sem a situação regularizada, não conseguiu entrar no curso que queria. “Mas agora já consegui o meu objetivo: já tenho a nacionalidade, já sou mesmo português”, disse com orgulho na conferência de imprensa em que a #Vidas em Espera foi lançada.

É uma das caras da campanha, assim como os cantores Dino d’Santiago que dá voz à música da campanha ou NBC, que o ano passado levou ao Festival da Canção o tema “Igual a Ti”, focado na imigração e na forma como muitas pessoas vêm os imigrantes, com preconceito e muitas reservas.

Plenamente identificado com os problemas que os imigrantes enfrentam, NBC foi claro na conferência de imprensa: “é a minha história de vida como emigrante. O cantor nasceu em São Tomé, mas veio para Portugal com cinco anos, onde vive há quarenta. “E para quem vive em Portugal há quarenta anos, ouvir certas coisas, é chocante”.

Revela que quando foi convidado a participar no Festival da Canção, entendeu que devia levar alguma da sua identidade: “falar da emigração, de algo que me move e que me comove, tinha que deixar uma semente contra o preconceito”.

É a mensagem que queria passar em “Igual a Ti”, embora não tenha sido tão explícito como queria, porque senão a música seria retirada do Festival. Tive de esconder e escrever o tema quase como se estivesse ainda antes do 25 de Abril de modo a que não levasse nenhum lápis azul. Escrevi o tema embrulhado em palavras que desse um ar poético a algo que não tem nada de poesia. Diz ainda que quando estava a subir ao palco pensou, de forma quase premonitória, quando estava a subir ao palco “Que estas palavras ecoem por aí!”

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