24 dez, 2020 - 07:00 • Andrea Gagliarducci*
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O meu gabinete fica a poucos passos da Praça de São Pedro e mais perto ainda da Sala de Imprensa da Santa Sé. Mas desde o dia 9 de Março até 11 de Maio não pude lá ir, porque o Governo italiano decretou confinamento geral para combater a pandemia. Quando as restrições começaram a ser levantadas pude finalmente regressar ao escritório e voltar à minha vida normal. Mas já nada era igual.
Como jornalista que cobre quase em exclusivo o Vaticano, a maior parte do meu trabalho consiste em falar com pessoas e encontrar-me com pessoas. Vou tomar o pequeno-almoço onde sei que costuma ir um certo monsenor, almoço em restaurantes a que costumam ir funcionários do Vaticano. O mundo em torno do Vaticano é bastante pequeno e eventualmente acabamos todos por nos conhecer.
Mas depois da primeira vaga este mundo ficou virado de pernas para o ar. As pessoas continuaram a ir para os seus escritórios no Vaticano, embora para muitos assuntos se encorajasse o teletrabalho. Nunca foi fácil visitar pessoas no Vaticano, pois é preciso autorização, contudo agora essas autorizações tornaram-se mais difíceis de obter.
Alguns dos locais onde nos costumávamos encontrar tiveram de fechar, outros para lá caminham, por isso as relações humanas complicaram-se. As ligações pessoais realizam-se sobretudo por telefone ou por mensagem, mas não é a mesma coisa. No Vaticano é muito mais importante conseguir falar em pessoa e ter confiança na pessoa com quem estamos a falar. Há coisas que não se podem dizer ao telefone.
O Vaticano também deixou de ser o mesmo. As celebrações pascais foram sem fiéis e foi simplesmente chocante não ver as multidões de pessoas a chegar para celebrar a Páscoa com o Papa. Vai ser igual no Natal. Embora as ceelbrações não sejam privadas, só 100 pessoas é que vão ser convidadas para participar. No Natal o Papa lê a sua mensagem Urbi et Orbi, e por isso a missa do dia de Natal é frequentada pelos embaixadores acreditados junto da Santa Sé, mas este ano foi dito aos embaixadores que não vão ser convidados. O mesmo se aplica à missa do dia 1 de Janeiro, que é também o Dia Mundial da Paz. A mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz é enviada para todas as chancelarias do mundo, por isso a presença dos embaixadores tem um significado, mas este ano eles não vão estar lá.
Para o mundo exterior estas preocupações podem parecer estranhas. Mas para o mundo do Vaticano não são. O Vaticano vive de tradições e de símbolos, e tudo tem um significado. Quando essas tradições e símbolos desaparecem, o Vaticano sente que perdeu alguma coisa.
A Pandemia não afectou o Vaticano em termos de doença. Há prudência, houve alguns infetados e ninguém está a desvalorizar o problema. Mas a pandemia atingiu o Vaticano em termos de humanidade. O que se perdeu foi o sentido de comunidade, que abrange desde a celebração da missa até à vida do dia a dia.
Os jornalistas também fazem parte desse sentido de comunidade. Agora estamos todos um pouco mais perdidos. E esta tem sido a infeção mais significativa da pandemia no Vaticano, que continua a ser simbolizada por aquela imagem do Papa Francisco, num dia chuvoso, a subir de uma Praça de São Pedro assustadoramente vazia para a Basílica de São Pedro.
*Andrea Gagliarducci trabalha para o grupo EWTN como analista do Vaticano na Catholic News Agency e é vaticanista para a ACI Stampa. Já foi vaticanista para jornais italianos como o La Sicilia, Il Tempo, Il Fatto Quotidiano. Escreve ainda nos blogs " Mondayvatican" (www.mondayvatican.com) and "Vatican Reporting".