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Papa no Iraque

Papa em Ur. “Se quisermos salvaguardar a fraternidade, não podemos perder de vista o Céu”

06 mar, 2021 - 08:10 • Filipe d'Avillez , Aura Miguel

Francisco ouviu testemunhos de membros de outras religiões monoteístas, num encontro na terra natal de Abraão em que não estiveram presentes judeus, os primeiros descendentes do patriarca.

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Papa em Ur. “Se quisermos salvaguardar a fraternidade, não podemos perder de vista o Céu”

O Papa Francisco esteve este sábado em Ur, a terra natal de Abraão, segundo a tradição bíblica, onde fez um forte apelo ao fim da violência inter-religiosa e convidou os seguidores das diferentes religiões monoteístas a verem-se como irmãos e descendentes do mesmo patriarca.

Depois de escutar testemunhos de representantes das comunidades cristã, muçulmana e mandeia do Iraque, Francisco tomou a palavra e recordou a promessa feita a Abraão, a quem Deus mandou sair de Ur para uma terra prometida, garantindo que a sua descendência seria mais numerosa que as estrelas do céu. Essa descendência, disse o Papa, são os homens de hoje, sem distinção.

🔴 Em Direto. Papa participa em encontro Inter-religioso na Planície de Ur

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Publicado por Renascença em Sexta-feira, 5 de março de 2021


“Naquelas estrelas, viu a promessa da sua descendência, viu-nos a nós. E hoje nós, judeus, cristãos e muçulmanos, juntamente com os irmãos e irmãs de outras religiões, honramos o pai Abraão fazendo como ele: olhamos para o céu e caminhamos sobre a terra”, disse Francisco.

“Ao contemplarmos o mesmo céu alguns milénios depois, aparecem as mesmas estrelas. Iluminam as noites mais escuras, porque brilham juntas. O céu oferece-nos assim uma mensagem de unidade: sobre nós, o Altíssimo convida a não nos separarmos jamais do irmão que está ao nosso lado.”

“Mas, se quisermos salvaguardar a fraternidade, não podemos perder de vista o Céu. Nós, descendência de Abraão e representantes de várias religiões, sentimos que a nossa função primeira é esta: ajudar os nossos irmãos e irmãs a elevarem o olhar e a oração para o Céu. E disto todos precisamos, porque não nos bastamos a nós próprios. O homem não é omnipotente; sozinho, não é capaz. E se escorraça Deus, acaba por adorar as coisas terrenas”, enfatizou o Papa.

A verdadeira religiosidade

No berço do pai das grandes religiões monoteístas, onde nos últimos anos tanto sangue tem sido derramado por causa da religião, Francisco afirmou que a verdadeira religiosidade está no amor ao próximo. “Servimos a Deus, para sair da escravidão do próprio eu, porque Deus nos impele a amar. Esta é a verdadeira religiosidade: adorar a Deus e amar o próximo. No mundo atual, que muitas vezes se esquece do Altíssimo ou oferece uma imagem distorcida d’Ele, os crentes são chamados a testemunhar a sua bondade, mostrar a sua paternidade através da nossa fraternidade.”

De igual modo, a verdadeira blasfémia é o ódio aos irmãos. “A partir deste lugar fontal da fé, da terra do nosso pai Abraão, afirmamos que Deus é misericordioso e que a ofensa mais blasfema é profanar o seu nome odiando o irmão. Hostilidade, extremismo e violência não nascem dum ânimo religioso: são traições da religião. E nós, crentes, não podemos ficar calados, quando o terrorismo abusa da religião”, disse o Papa, que fez questão, pela segunda vez nesta visita, de recordar especificamente a comunidade yazidi, que foi das mais duramente perseguidos pelos jihadistas do Estado Islâmico.

Contudo, mesmo nos tempos de maior perseguição, mais uma vez, as estrelas estavam presentes, diz o Papa. “Mesmo naquele momento escuro, brilharam estrelas. Penso nos jovens voluntários muçulmanos de Mossul, que ajudaram a refazer igrejas e mosteiros, construindo amizades fraternas sobre as ruínas do ódio, e penso nos cristãos e muçulmanos que hoje restauram conjuntamente mesquitas e igrejas.”

Para que estas estrelas brilhem com mais força, mais do que a violência das armas, torna-se necessário renunciar à inimizade, considera Francisco.

“Uma antiga profecia diz que os povos ‘transformarão as suas espadas em relhas de arados, e as suas lanças, em foices’. Esta profecia não se realizou; antes, espadas e lanças tornaram-se mísseis e bombas. Então donde pode começar o caminho da paz? Da renúncia a ter inimigos.”

“Quem tem a coragem de olhar as estrelas, quem acredita em Deus, não tem inimigos para combater. Tem apenas um inimigo a enfrentar, que está à porta do coração e insiste para entrar: é a inimizade. Enquanto alguns procuram mais ter inimigos do que ser amigos, enquanto muitos buscam o próprio benefício à custa de outros, quem olha as estrelas da promessa, quem segue os caminhos de Deus não pode ser contra ninguém, mas por todos; não pode justificar qualquer forma de imposição, opressão e prevaricação, não se pode comportar de modo agressivo”, concluiu.

A coragem de permanecer

O Papa referiu-se ainda aos testemunhos que tinha acabado de ouvir, começando pelos dois jovens amigos do 10º ano, o cristão Dawood e o muçulmano Hassan, que abriram juntos uma loja de roupa para financiar os seus estudos e consolidaram uma forte amizade, apesar de serem de religiões diferentes.

“Este é o caminho, sobretudo para os jovens, que não podem ver os seus sonhos truncados pelos conflitos do passado. Urge educá-los para a fraternidade, educá-los para olharem as estrelas. Trata-se duma verdadeira e própria emergência; será a vacina mais eficaz para um amanhã pacífico. Porque sois vós, queridos jovens, o nosso presente e o nosso futuro!”, disse Francisco.

A fuga de membros das minorias religiosas, sobretudo jovens, é uma ameaça para o futuro das mesmas no Iraque.

Há, contudo, quem tenha demonstrado a coragem de ficar. É o caso de Rafah Husein Baher, de uma comunidade ancestral do Iraque que pratica o mandeísmo, uma religião gnóstica, de tradição abraâmica, que tem a particularidade de venerar João Baptista e ainda utiliza uma língua descendente do aramaico, que era a língua falada por Jesus.

“A visita de Sua Santidade ao Iraque significa que a Mesopotâmia ainda é respeitada e valorizada. É um triunfo da virtude. Bem-aventurado aquele que tira o medo às almas. Bem-aventurados os pacificadores”, disse, antes de afirmar que, ao contrário de tantos dos seus correligionários, tinha optado por ficar na sua terra.

“Em virtude do lema da sua visita – são todos irmãos – aqui declare que eu permanecerei na terra dos meus antepassados. Serei sepultada junto do meu pai: é a minha decisão, em respeito pelas grandes palavras ‘somos todos irmãos’. E gostava que a ouvisse na língua de João Baptista: enyan bahdady ahe”.

Contudo, este evento inter-religioso foi também uma demonstração de que nem todas as comunidades conseguiram permanecer no Iraque. Para um encontro que tinha por objetivo salientar o que as religiões abraâmicas têm em comum, foi notória a ausência de qualquer representante da comunidade judaica.

A comunidade judaica do Iraque era das mais antigas do mundo, mas anos de perseguição levaram à fuga de praticamente todos os seus membros.

Mais difícil de explicar é a ausência no encontro de qualquer testemunho de membros da comunidade muçulmana sunita. Os sunitas são pouco menos de metade da população do Iraque, mas a nível mundial são a esmagadora maioria.

O encontro terminou com a leitura de uma oração comum, que elogiou o exemplo e a coragem de Abraão e enfatizou a necessidade do perdão e da fé para ajudar as sarar as feridas dos conflitos.

Findo o encontro inter-religioso em Ur, Francisco regressa a Baghdad, onde celebra missa às 15h, hora de Portugal continental.

No domingo Francisco viaja para Erbil e visita a cidade cristã de Qaraqosh e na segunda-feira parte de volta para Roma.


[Notícia atualizada às 9h26]

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