07 mar, 2021 - 14:25 • Filipe d'Avillez
A mensagem circulou este domingo no Twitter. Numa parede de uma qualquer vila na Planície de Nínive, terra ancestral dos cristãos indígenas desta região do Médio Oriente, e onde sofreram terríveis horrores e perseguição às mãos do Estado Islâmico – e não só – ao longo dos últimos anos, vê-se ainda um graffiti deixado pelos jihadistas.
“Conquistaremos Roma”, promete a pintura, feita por um fundamentalista islâmico que muito provavelmente já morreu.
A promessa não se cumpriu, como não se cumpriu a promessa da restauração de um califado e de uma nova era de ouro para o Islão. No seu lugar surgiu um inferno, como tantas vezes acontece quando se procura impor uma utopia.
Os jihadistas que ocuparam Mossul e as aldeias cristãs da Planície de Nínive não chegaram a Roma, mas hoje Roma foi a Mossul e à Planície de Nínive.
Pode-se dizer que triunfou a Cruz, mas apenas caso se entenda a Cruz como Francisco a descreveu este domingo em Mossul, Qaraqosh e Erbil, no terceiro dia da sua viagem ao Iraque. Triunfou a Cruz da reconciliação, do perdão. A Cruz que estende os braços abertos e desarmados para os seus fiéis mas também para os seus inimigos. A cruz que rejeita a “vingança, que nos mergulha numa espiral de retaliações sem fim”.
Essa Cruz triunfa cada vez que um cristão iraquiano opta por permanecer na sua terra em vez de emigrar, triunfa cada vez que um cristão iraquiano perdoa, em vez de alimentar ódios, como fez a mãe que deu testemunho na Igreja em Qaraqosh, de como perdeu o seu filho para um morteiro jihadista, e como a morte desse seu filho e de mais dois jovens permitiu salvar o resto da cidade.
Triunfou a Cruz que salva e não a Cruz que divide. Não que as divisões não existam, mas porque já bastam por si mesmas e não precisam de ser alimentadas por quem está longe, armado em cruzado atrás de um teclado, criticando o Papa por procurar dialogar com as altas figuras do mundo muçulmano, como o grande ayatollah Ali al-Sistani.
Ao longo dos primeiros dois dias da sua viagem tornou-se evidente que o Papa tinha um discurso para dentro e outro para fora. Aos políticos e líderes civis falava da necessidade de respeitar os direitos dos cristãos, de não os tratar como cidadãos de segunda no seu país, mas aos cristãos falava da necessidade do perdão e da reconciliação e de entender que a bem-aventurança prometida por Jesus está precisamente na humildade e na fraqueza.
Podiam parecer discursos contraditórios, mas não são. E este domingo, em Qaraqosh, a cidade que renasceu das cinzas, Francisco proferiu a frase que une essas duas narrativas. “O caminho para uma cura plena poderia ainda ser longo, mas peço-vos, por favor, que não desanimeis. É preciso capacidade de perdoar e, ao mesmo tempo, coragem de lutar.”
Perdoar o mal sofrido, como Cristo perdoou na Cruz, mas lutar por um futuro melhor, mais justo, porque menos que isso seria submissão. O que aquele jihadista que sonhou conquistar Roma não entendeu foi que impor a submissão aos fracos é o caminho dos cobardes. Triunfou a Cruz, e Roma foi ao Iraque para o demonstrar.