01 jun, 2021 - 12:14 • Aura Miguel
O Vaticano publicou esta terça-feira a reforma do livro VI do Código de Direito Canónico (CDC) sobre sanções penais na Igreja. A revisão do texto, pretende “favorecer a unidade da Igreja na aplicação das penas, especialmente no que se refere aos crimes que causam maiores danos e escândalos na comunidade”.
A publicação destas alterações vem acompanhada da Constituição apostólica “Pascite regem Dei”, onde o Papa reconhece que “muitos foram os danos causados no passado pela falta de compreensão da relação íntima que existe na Igreja entre o exercício da caridade e o cumprimento da disciplina sancionatória”. Francisco declara que, nestas matérias, não bastam exortações nem sugestões e, muito menos, “contemporizações que tornam mais difícil a correção e, em muitos casos, agravam o escândalo e a confusão entre os fiéis”.
Estas alterações pretendem pois reforçar a aplicação das penas por parte dos Pastores e Superiores eclesiásticos.
“A negligência do Pastor no uso do sistema penal mostra que ele não está a cumprir a sua função correta e fielmente”, escreve o Papa. Por isso, esta reforma obriga os Pastores a recorrer ao sistema penal “sempre que necessário, tendo em conta os três fins que o tornam necessário na sociedade eclesial, isto é, o restabelecimento das demandas de justiça, a emenda do réu e a reparação dos escândalos", lê-se.
O novo texto do CDC é reforça “alguns aspectos fundamentais do direito penal, como o direito de defesa, a prescrição da ação criminal e penal, uma determinação mais clara das penas, que responda aos requisitos da legalidade criminal e oferece aos Ordinários e Juízes critérios objetivos a fim de identificar a sanção mais adequada para aplicar em cada caso concreto”. O Papa explica que, “a fim de favorecer a unidade da Igreja na aplicação das penas, especialmente no que se refere aos crimes que causam maiores danos e escândalos na comunidade, também se seguiu o critério, servatis de iure servandis para reduzir os casos em que a aplicação de sanções fica ao critério da autoridade”.
Mons. Filippo Iannone, presidente do Conselho pontifício para os Textos Legislativos explicou esta terça-feira de manhã, em conferência de imprensa, que a necessidade desta reforma amadureceu “face aos escândalos recentes causados por situações irregulares, que emergiram de episódios desconcertantes e gravíssimos de pedofilia”. Neste contexto, “revigorou-se o direito penal canónico, integrando-o com reformas legislativas oportunas”, com vista a “utilizá-lo com mais frequência, melhorar as possibilidades da sua aplicação concreta”, definir melhor “um quadro sistemático e atualizado da realidade em constante evolução”.
A legislação agora reformada pretende “oferecer aos Ordinários e Juízes uma ferramenta ágil e útil, com regras mais simples e claras, para incentivar o uso do direito penal quando necessário para que, respeitando as necessidades da justiça, possam crescer a fé e a caridade no povo de Deus”.
Os cânones relativos ao crime de abuso sexual de menores e crimes de pornografia infantil passam a ser designados por "crimes contra a vida, a dignidade e a liberdade da pessoa”, opção que expressa a vontade do Legislador “em reafirmar a gravidade deste crime e a atenção a ser dada às vítimas”. Estes crimes também são agora alargados pelo Código aos membros dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica e aos fiéis leigos que gozam de uma dignidade ou desempenham cargos ou funções na Igreja. E o Cânone 1398 sobre abusos, além dos crimes realizadas por clérigos, religiosos e leigos que ocupam alguns cargos na Igreja, alarga-se também a acções e comportamentos com adultos, cometidos com violência ou abuso de autoridade.
O dever de justiça exige “que se restabeleça a ordem violada, que a vítima seja indemnizada, que quem cometeu o erro seja punido, expie a culpa”, sublinhou aquele responsável do Vaticano.
Estas alterações também prevêem novos crimes em matéria económica e financeira e administração de bens na Igreja. A estes, acrescentam-se alguns novos casos, como a violação do segredo papal, a omissão da obrigação de execução de sentença ou decreto criminal, a omissão da obrigação de avisar sobre a prática de um crime, o abandono ilegítimo do ministério.
Destaque também para os crimes patrimoniais, como a alienação de bens eclesiásticos sem as devidas consultas, os crimes contra a propriedade cometidos por negligência grave ou negligência grave na administração.
A partir de agora, “há uma enumeração das penas de forma mais ordenada e detalhada, de forma a permitir à autoridade eclesiástica identificar as mais adequadas e proporcionais aos crimes individuais", e foi estabelecida a possibilidade de aplicação da pena suspensiva a todos os fiéis, e não apenas para clérigos. “Merece destaque também a afirmação explícita no texto do princípio fundamental da presunção de inocência e da modificação do prazo de prescrição, a fim de favorecer a conclusão dos julgamentos em prazos razoavelmente curtos”, acrescentou Mons. Iannone.