04 jun, 2021 - 06:47 • Henrique Cunha
O bispo de Portalegre-Castelo Branco queixa-se do esquecimento a que a região é sujeita. "Estamos a ser despovoados”, lamenta D. Antonino, concretizando: “A região não tem peso, a região não dá votos e, portanto, as pessoas vivem um pouco de costas voltadas para aqui."
"O círculo de Portalegre só tem direito a dois deputados”, aponta o prelado, ressalvando que isso "não se deve a falta de vontade e de atenção do poder local".
"Ainda há uma pastoral muito centrada no padre e não devia ser assim”
"As autoridades locais batem o pé e chamam a atenção para a necessidade de investimentos”, explica.
"Os autarcas lutam pela qualidade de vida das suas populações e há mesmo uma colaboração estreita entre nós. Eles, de facto, vivem preocupados com isso, mas os incentivos aqui não chegam, os apoios de mais alto não chegam, porque a região não tem peso político, porque não tem votos."
"As pessoas vivem de costas viradas para aqui e por mais que se diga que se devem voltar para aqui e resolver esta situação para equilibrar o país, é muito difícil fazermo-nos ouvir e isso é preocupante. Cada vez mais”, sublinha.
"Uma empresa decide fixar-se aqui, mas são exceções e isso é muito pouco e a juventude acaba por sair para onde se possa sentir bem e sentir feliz, para onde possa viver com dignidade e possa constituir família”, nota D. Antonino.
"Quando fala de incentivos à natalidade, deve-se falar de incentivos à fixação das pessoas, sobretudo dos jovens, e isso só será conseguido através de investimento”.
No retrato que traça da realidade, D. Antonino destaca que “há paróquias que não têm batizados há anos, porque não nascem crianças, sendo constituídas por pessoas idosas porque os jovens fogem, como é evidente”.
As paróquias da diocese estão envelhecidas e a falta de sacerdotes é evidente. “Eu estou aqui vai para 13 anos e só ordenei três padres. E já fui ao funeral de mais de 40”, revela o bispo, adiantando que “o que nos tem valido são as ordens religiosas que aqui temos”.
“Temos aqui o Verbo Divino, que tem uma grande área à sua responsabilidade, em Nisa, temos em Castelo Branco os redentoristas, em Proença-a-Nova a Congregação do Preciosíssimo Sangue e em Cernache do Bom Jardim temos a Sociedade da Boa Nova”, enumera D. Antonino Dias, destacando que ainda conta a colaboração de um padre romeno “que tem todo o concelho de Gavião, de um sacerdote dos Açores e de um padre do Congo”.
“Se não fossem os padres de fora, teríamos muito mais dificuldade em cobrir a diocese porque, está bem de ver que, apesar de a população também ser menos, temos o problema da extensão da diocese que é uma dificuldade”, diz.
"Como temos poucos padres, eles acabam por se cansar por passarem muito tempo nas estradas, o que prejudica a evangelização”, aponta o prelado.
"Há paróquias que não têm batizados há anos”
O bispo de adianta que essa evangelização "às vezes falha, sobretudo porque ainda há uma pastoral muito centrada no padre e não devia ser assim”.
“Há muito tempo que apostamos nos leigos, mas há sempre um retraimento e nós sabemos que a evangelização ou se faz com os leigos ou não se faz”, afirma o bispo que reclama “o assumir de mais responsabilidades nas comunidades por parte dos leigos”.
Ao lado dos problemas resultantes da falta de investimento e de uma população idosa, a pandemia veio acrescentar dor e luto e “momentos muitos tristes”.
"O que nos tem valido são as ordens religiosas que aqui temos”
D. Antonino recorda que “houve bastantes mortos por aqui” e que o vírus invadiu muitos dos lares das “40 misericórdias que a diocese tem” e isso “provocou de facto um sofrimento maior”.
O bispo de Portalegre-Castelo Branco diz ter-se vivido "tempos de grande preocupação nas misericórdias e centros sociais” e que a pandemia teve um impacto na diocese idêntico ao verificado noutros locais e regiões, pois “a ação pastoral reduziu-se ao mínimo: o culto, as catequeses, as reuniões, as festas, os convívios, as atividades culturais, as próprias visitas pastorais e outras ações agendadas foram adiadas”.
“Um dos sectores que mais terá feito sofrer as comunidades e as famílias terá sido, por certo, a morte de pessoas e os respetivos funerais, tantos sem velório, com os defuntos a irem diretos para os cemitérios sem que as famílias se quer se pudessem despedir”, refere o prelado, lembrando que “são momentos muitos tristes e em que as pessoas são muito sensíveis”.
Neste "novo normal", o bispo de Portalegre-Castelo Branco encontra “quem esteja ansioso para que a Igreja abra as suas portas e uns outros que aproveitaram a pandemia para se desligar um pouco e a quem vai ser mais difícil integrarem-se”.
Ainda assim, D. Antonino acredita que “a maioria está com vontade de regressar”, até porque “neste tempo, as pessoas estavam muito preocupadas com os idosos porque eram as idades mais criticas mais expostas, mas a gente reconhece que quem faltava quando havia missa eram os mais jovens”.
“Há uma fome e sede de participar, aqueles que antes participavam estão agora dispostos a regressar."
Durante a pandemia, a Igreja de Portalegre-Castelo Branco “foi tentando responder” e, de acordo com D. Antonino Dias, “foram criadas novas formas de manifestar presença, de dizer uns aos outros que estávamos vivos que estávamos solidários".
"Desde que se foi introduzindo esta possibilidade de formação, de reuniões e celebrações pelas redes sociais, alguma coisa também foi acontecendo”, refere.
"A região não tem peso, a região não dá votos”
"Houve experiências pelas redes sociais que gostaria de não ter visto, pois faltava qualidade, dado que no princípio foi tudo assim”, aponta. No entanto, D. Antonino adianta que “as coisas evoluíram e foi possível manter as comunidades unidas e dinâmicas”, dando o exemplo do secretariado dos jovens, que “durante este tempo da pandemia, fez um trabalho excelente".
"Os jovens continuaram a ser dinamizados e desinstalados, tomaram iniciativas e foi interessante”, assim como também “foi importante o que a pastoral social da família e da catequese fizeram”.
“Para enfrentar o novo tempo, vamos dar continuidade com alegria e esperança e já estamos a começar algumas atividades e a sair para o terreno, embora com as devidas cautelas e exigências que se impõem, cuidando-nos e tendo respeito também pelos outros”, acrescenta.
“A pandemia, como todos sabemos, veio trazer à consciência a fragilidade e o sofrimento humano que existe na sociedade, na família, no íntimo de cada pessoa”, diz o bispo de Portalegre e Castelo Branco.
A crise “acentuou as desigualdades e demonstrou que é preciso não perder o sentido do outro, dos mais frágeis, dos que mais sofrem, de quem reclama atenção, ajuda e apoio”, sendo nosso dever “procurar animá-los na esperança e contribuir para minorar o seu sofrimento”.
"Há uma fome e sede de participar”
D. Antonino admite que “a precaridade possa ter feito aumentar as dificuldades e fragilidades no seio de algumas famílias”, que muitas vezes “preferem camuflar essas dificuldades, mantendo esse sofrimento escondido”. Ainda assim, o bispo recorda que a região é sobretudo habitada por uma população idosa que já vive da sua reforma e esses “continuaram a governar-se”.
"Apesar de haver a precaridade, a falta de emprego e a dificuldade de subsistência para algumas famílias, na nossa diocese, as pessoas não sentiram muito efeitos da pandemia”, diz.
“Aliás, foi o presidente da Cáritas diocesana que me chamou a atenção para isso: como muitas pessoas vivem da reforma e não criam necessidades, foram atravessando este tempo sem grandes sobressaltos”, esclarece o prelado.
D. Antonino Dias reconhece a a existência de alguma "pobreza envergonhada" a que se dá resposta, muito graças a "uma direção da Cáritas muito atenta e que também desempenha a missão do secretariado da ação social e tem desenvolvido um papel importante, o que me deixa descansado".
"Fazem ai um bom papel”, reforça, destacando: "Eles têm sempre em mente aquilo que João Paulo II chamou 'a nova fantasia da caridade' uma caridade que seja criativa face às novas interpelações, que seja capaz de dar resposta e uma caridade que não substitua justiça”.
“Por isso, há um esforço para que não se fique à espera que as pessoas batam à porta, há esta preocupação de ir ao encontro”, refere o bispo, garantindo que as instituições diocesanas só não fazem mais porque “desconhecemos ou não temos sinais exteriores”.
"Há uma preocupação grande e os responsáveis pela ação social estão atentos. Inclusivamente, em Castelo Branco há uma colaboração muito grande com a própria Câmara, há uma interação muito boa e útil e que ajuda muito nessa dimensão da ação pastoral”, assegura.
Apesar da proximidade e das semelhanças no plano da exploração agrícola, o bispo diz que no Alto Alentejo "não há situações idênticas às vividas em Odemira.
"Como muitas pessoas vivem da reforma e não criam necessidades, foram atravessando este tempo sem grandes sobressaltos”
D. Antonino Dias refere ter conhecimento das denúncias que o arcebispo de Évora e o bispo de Beja fizeram “há já bastante tempo”, tendo havido "quem os criticasse por terem dito o que disseram”, mas reafirma não ter, tal como a Cáritas não tem, conhecimento de casos”.
"Não estou a dizer que não haja, mas que eu tenha conhecimento - e falamos sobre isso - aqui na área da diocese, parece-me que não há”, esclarece.
Sobre a realidade de Odemira, o bispo diz que se trata “sem dúvida, de uma desumanidade”.
“Não sei se os proprietários tinham conhecimento, dizem que isso não fazia parte da ação deles, que se deve a quem recruta os trabalhadores,” mas “seja como for, todos ficamos mal na fotografia: fica a sociedade civil e fica a sociedade eclesial, que talvez pudesse estar ainda mais atenta”.
"É uma vergonha para nós, para o país”, pois “parece até que nos esquecemos que somos um país de emigrantes que também sofreram as 'passas do algarve' quando, nos primeiros tempos, tínhamos de saltar paredes para fugir de Portugal para conseguirmos qualidade de vida”.
"Estamos agora a fazer o mesmo. Acho que há aqui qualquer coisa que não funciona”, lamenta.
"Há um esforço para que não se fique à espera que as pessoas batam à porta”
Foi a meio da pandemia que, finalmente, começaram as obras de restauro da catedral de Portalegre. O bispo não atribui à crise sanitária responsabilidades pelo atraso no projeto, lembrando que se trata de "uma longa história”.
"Começámos a tratar do projeto da catedral em 2009”Estamos em 2021 e, graças a Deus, depois de tantos anos de burocracias, estudos e trapalhadas, só agora é que, de facto, a obra está a ir para frente e sinto-me feliz por isso”, diz o bispo.
"Bem precisamos" da obra, porque "é uma catedral bonita e muito rica, dizem que tem aqui o maior conjunto em Portugal de retábulos maneiristas e é monumento nacional”.
D. Antonino Dias sugere que deveria ter havido da parte das autoridades “uma maior preocupação para que a demora não fosse tanta” e proclama: “Lutamos e vencemos e agora é importante chegarmos ao fim.”
O bispo de Portalegre-Castelo Branco acredita que no “principio do próximo ano, as obras devem estar concluídas”.
Que lições devem ser tiradas da pandemia pela Igre(...)