07 jun, 2021 - 08:38 • Olímpia Mairos
O padre Kwiriwi Fonseca, responsável pela comunicação da Diocese de Pemba, denuncia o rapto de centenas de jovens rapazes e raparigas naquela região desde outubro de 2017. “São feridas difíceis de curar”, afirma o sacerdote em declarações à Fundação AIS.
Embora não existam estatísticas oficiais sobre o número de pessoas raptadas, o padre Fonseca não tem dúvidas em afirmar que serão centenas de jovens.
“Podemos falar em centenas porque se nós contarmos com todas as aldeias onde houve raptos, podemos [apontar] para esse número sim”, afirma o sacerdote, acrescentando que as centenas de jovens terão sido levados com objetivos muito concretos.
“Os terroristas estão a usar meninos para os treinar, enquanto as meninas são feitas de esposas, violadas. Algumas das mulheres, quando [os terroristas] percebem que [já] não lhes interessa, são mandadas embora”, denuncia.
Denunciar a situação das pessoas raptadas pelos terroristas em Cabo Delgado, assim como procurar apoiar os deslocados é uma das missões deste sacerdote católico. No seu dia a dia, contacta com os que foram forçados a fugir, escuta as suas memórias dolorosas e procura ajudá-los a descobrir caminhos de futuro no meio da tempestade em que se encontra a região norte de Moçambique.
O sacerdote não esquece, por isso, o relato que escutou de uma mulher de Mucojo que perdeu toda a família.
“Apareceram lá cinco homens de surpresa [e as populações] perceberam que eram eles, eram os Al-Shabaab, os terroristas. E os terroristas encontraram lá o marido desta senhora, o seu irmão, quatro filhos e levaram os três meninos, um de 14, outro de 12 e outro de 10 anos. O marido e o irmão já tinham sido amarrados. E insistiram para que a mulher se fosse embora pois iriam matar o marido e o irmão. Ela resistiu e não saiu do local. Então, viu degolar o seu marido e o seu irmão. Naquele momento uma criança, uma menor, dos seus dois ou três anos, viu [também] toda esta cena e essa criança neste momento [continua] assustada e insiste para que voltem [à aldeia] para ver o pai. Ela viu tudo isso”, descreve o sacerdote à AIS.
Desde 2017 que a província de Cabo Delgado, em Moç(...)
Muitos dos deslocados de Cabo Delgado encontram-se atualmente em outras províncias como Niassa, Nampula, Zambézia e mesmo Maputo.
Em Lichinga, na província de Niassa, a irmã Mónica da Rocha, religiosa portuguesa que pertence à Congregação das Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima, conta à AIS que “os raptos, a separação de famílias e as violações”, sendo uma consequência dos ataques terroristas, “já existiam antes do conflito de Cabo Delgado um pouco por todo o país”.
“Os raptos em contexto de guerra são mais comuns em jovens e crianças. No caso dos meninos raptados são na maioria das vezes levados para serem treinados para lutar [ao lado dos terroristas] e no caso das meninas para serem [suas] escravas sexuais. Já no caso das violações abrangem todas as idades. Num dos relatos que ouvi um grupo de insurgentes fez cerco a um grupo de mulheres que estavam a trabalhar na machamba e violou todas incluindo grávidas e senhoras de idade”, conta a religiosa.
O rapto de jovens pelos terroristas nestes três anos e oito meses de guerra em Cabo Delgado, conheceu um episódio dramático que foi denunciado pela Igreja Católica. No dia 8 de abril de 2020, 52 jovens, na sua maioria cristãos, foram executados por se terem recusado a integrar as fileiras jihadistas.
O crime ocorreu na aldeia de Xitaxi, distrito de Muidumbe. D. Luiz Fernando Lisboa, então bispo de Pemba, disse na altura à Fundação AIS que a notícia da morte destes jovens o encheu de “imensa tristeza” e falou deles como “verdadeiros mártires da paz, porque não aceitaram participar na violência, na guerra, e por isso foram assassinados”.