17 jun, 2021 - 07:00 • Lusa com Redação
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas Carvalho, considera que a pandemia de covid-19 aumentou a sensibilidade para os problemas sociais já existentes, como os relacionados com os imigrantes, que ganharam uma nova importância.
“Penso que alguma coisa se desenvolveu e alguma sensibilidade cresceu, até porque fomos obrigados a isso. Se tivermos pessoas em grupos de risco, isso vai acabar por se refletir na qualidade de vida e na capacidade de ultrapassar a crise”, disse.
Em entrevista à agência Lusa, um ano após ter sido nomeado presidente da CEP, D. José Ornelas dá como exemplo os surtos em grupos de imigrantes da construção civil em Lisboa e nos lares e ainda a situação recente dos imigrantes da agricultura.
“Não são fatores novos, eram conhecidos, muitas vezes se tinha falado neles, mas ganharam uma nova acuidade e vêm dizer que isto não tem só a ver com a pandemia. Termos uma situação destas, de injustiça em que há pessoas que não tem acesso ao mínimo para terem qualidade de saúde, de habitação condigna, de uma vida com capacidade de acesso aos meios necessários para a sua própria defesa e vida e acaba por se manifestar em todos” disse José Ornelas, destacando que este é um problema não só português, mas de toda a humanidade.
A pandemia, adiantou, revelou a importância global de olhar por todos, dando também como exemplo a questão do acesso às vacinas, com a necessidade de não ser apenas apanágio de alguns, uma vez que a sua falta afetará todos.
José Ornelas citou as encíclicas do Papa Francisco Laudato Si (nas quais o pontífice critica o consumismo e o desenvolvimento irresponsável e faz um apelo à mudança e à unificação global para combater a degradação ambiental) e as alterações climáticas. E Fratelli Tutti (a mensagem social global do Papa) já evidencia a necessidade do envolvimento de todos num desenvolvimento sustentável e ecológico do planeta porque a todos atingirá.
Questionado sobre o papel da igreja durante a pandemia, José Ornelas disse que tem procurado estar ao serviço da sociedade, atenta aos mais frágeis.
“Não fechamos nunca as igrejas totalmente, devem ficar abertas pelo menos umas horas por dia para que as pessoas possam rezar, para dialogar e para partilhar, porque as portas das igrejas foram locais onde se depositava ajuda e onde se ia buscar”, disse, lembrando o impacto económico nas famílias desde o início da pandemia em Portugal, em março de 2020.
Assumindo-se como um otimista face à crise que a pandemia fez instalar, José Ornelas defende, contudo, que as dificuldades não se ultrapassam com opiniões, mas com atitudes e disponibilidade para ajudar as pessoas que precisam.
D. José Ornelas relembrou o impacto que poderá vir a ter o fim das moratórias.
“Estas dividas tem de ser pagas, acabando é preciso ver se as empresas aguentam e se as pessoas que têm dividas como vão pagar. Vai ser duro e esperemos que os dinheiros que estão a chegar da Europa possam criar emprego e permitir melhores expectativas de vida para as famílias”, disse.
O presidente da CEP e bispo de Setúbal defende que é necessário que o Rendimento Social de Inserção seja cada vez mais associado à requalificação das pessoas.
“O rendimento de inserção deve ser para casos graves ou temporários para levar as pessoas à autossuficiência, porque se não vamos criar uma grande comunidade de subsidiodependentes”, disse José Ornelas, considerando que as pessoas devem ser autoras e protagonistas do seu próprio desenvolvimento.
Um Estado social, defende, não deve deixar ninguém para trás em aspeto algum, seja no que é preciso para se viver seja para um contributo a dar à sociedade para construir um mundo melhor
Questionado sobre a situação da diocese que dirige, José Ornelas foi bastante critico quanto à distribuição da riqueza na região de Setúbal, considerando que a península está a ser vítima de uma distinção negativa grave ao ser incluída na Nuts de Lisboa e Vale do Tejo (sistema de avaliação de riqueza do país).
“É a tal história de ter dois frangos para dividir por duas margens, um come três quartos do frango e o outro come o resto”, disse.
“São milhares de milhões de euros que a península de Setúbal está a perder”, frisou, adiantando que as empresas estão a ir para o Alentejo onde podem obter 80% de ajudas ou até mesmo a fundo perdido enquanto em Setúbal os subsídios vão até um máximo de 40 por cento.
Setúbal, prosseguiu, que já esteve a um bom nível, voltou agora a descer para um dos piores PIB do país.
“Isto é culpa de uma desorganização ao nível do país que é possível reconverter, mas leva anos e é preciso que lá cheguemos vivos. O que esta acontecer é injusto”, insistiu.
No entender de José Ornelas, é tudo decidido em função do Terreiro do Paço fazendo de Setúbal uma península para servir Lisboa, um modelo centralizador que diz não funcionar.
“Isto não pode ser”, disse, alertando para a necessidade de serem seguidos o que considera serem bons exemplos, como é o caso da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Lisboa, que apostou na sua instalação na margem sul do Tejo.
Nascido há 66 anos, em Porto da Cruz, na Madeira, José Ornelas Carvalho, bispo de Setúbal, é desde 16 de junho de 2020 presidente da Conferência Episcopal Portuguesa.
Especialista em Ciências Bíblicas, com o grau de doutor em Teologia Bíblica pela Universidade Católica Portuguesa, foi docente desta instituição académica entre 1983-1992 e 1997-2003.
Foi superior da Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus, cargo que assumiu a 1 de julho de 2000; seria eleito superior geral dos Dehonianos a 27 de maio de 2003, cargo que ocupou até 6 de junho de 2015.