20 jun, 2021 - 16:44 • Henrique Cunha
No Dia Mundial do Refugiado, e quando se contabilizam mais de 80 milhões de pessoas numa situação de grande debilidade, André Costa Jorge, diretor-geral do Serviço Jesuíta aos Refugiados e coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados, diz à Renascença que “é a indiferença e até a hostilidade de muitos países que criam barreiras e acabam por alimentar as redes de tráfico”.
Confrontado com o aumento de ideias populistas no nosso país, o responsável alerta para “o medo” que essas ideias tentam incutir, dizendo que têm como objetivo “dividir para reinar”.
André Costa Jorge afirma que “nenhuma sociedade se constrói de forma positiva criando muros e separando as pessoas umas das outras”.
Que sentido e importância tem o assinalar do Dia Mundial do Refugiado?
Os dados que temos do mundo refletem uma situação preocupante, em que continua a aumentar o número de pessoas que por razões de perseguição de guerras de conflitos tem de sair das suas casas, tem de deixar os seus países as suas comunidades. Infelizmente temos que continuar a assinalar o Dia Mundial do Refugiado. A maior parte dos refugiados situa-se justamente fora dos países desenvolvidos, fora dos países que potencialmente têm melhores condições para o acolhimento. O importante é não esquecermos que não se tratam de números, não se tratam de estatísticas, mas sim de pessoas....
Não são estatísticas, mas há um número que faz despertar todas as campainhas de alarme e que é o da existência de cerca de 85 milhões de refugiados e migrantes por todo o mundo, não é?
Sim, e isso de uma maneira global só nos diz que o mundo está doente. E não apenas doente com o Covid. Está doente com um conjunto de doenças mais antigas e que nós temos tido muita dificuldade em debelar que é a doença das guerras e dos conflitos e das perseguições que matam milhões de pessoas no mundo e que colocam estes tais 80 milhões de pessoas fora das suas casas e fora dos seus países e pior do que isso diria mesmo a indiferença, ou até a hostilidade que todos aqueles países que poderiam fazer muito melhor na solidariedade, na hospitalidade , no acolhimento, muitas vezes viram as costas e acabam por criar muros que nos separam, muros que criam barreiras e que acabam por alimentar também as redes de tráfico, acabam por alimentar todo um conjunto de negócios de milhões que lucram com a vulnerabilidade e a fragilidade dos mais pobres e os migrantes e os refugiados são por definição os pobres entre os pobres.
Nem sequer pátria, nem sequer um lugar, nem sequer um espaço, uma casa têm. Portanto creio que devemos todos nas nossas comunidades assinalar este dia e lembrarmo-nos de que aquilo que acontece com tanta gente no mundo poderia também acontecer connosco.
Aliás, o lema definido pelo Papa Francisco para este dia é "Rumo a um nós cada vez maior"!
Exatamente. Talvez nos tenha faltado em tantas matérias, na ecologia, na proteção da saúde, por exemplo no momento que estamos todos a viver esta consciência de que ninguém se salva sozinho.
Eu creio que essa visão de um “nós cada vez maior” é um mote, um lema muito feliz. Creio que toda a humanidade, em particular também a Igreja Católica, deve abraçar esse lema e deve fazer desse objetivo “um nós alargado” uma realidade. Todos nós como sociedade e também os decisores políticos, os partidos políticos devem estar mais conscientes e devem prestar maior atenção para as necessidades de um acolhimento de migrantes e de refugiados que não permita situações de injustiça estrutural e que desde as questões do acesso à documentação aos procedimentos sejam mais céleres e mais rápidos que as pessoas possam rapidamente integrar-se no país, e não estar em situações de abuso ou de desproteção ou ausência de cuidado.
O que queremos para nós devemos também querer também para todos aqueles que decidem e que escolhem Portugal como seu país de acolhimento e pais de vida. Portugal deve ter uma posição em termos internacionais humanista, solidária, e em termos internos deve procurar ter políticas de proteção das pessoas migrantes e das pessoas refugiadas.
Francisco uniu-se ainda ao apelo dos bispos para c(...)
E em Portugal não há um risco de regressão por acusa do aumento de ideias mais populistas que nos tentam incutir medo?
As expressões do medo são expressões de insegurança que são exploradas para fins populistas e que exploram sobretudo a insegurança das pessoas. Naturalmente devemos levar muito a sério as posições que procuram criar nos migrantes um medo irracional. Devemos criar as condições para acolher bem. Devemos perceber e compreender os benefícios da diversidade na nossa sociedade. Portugal precisa de todas as pessoas, não precisa de construir barreiras artificiais internas.
Devemos apontar caminhos de unidade, de solidariedade, de compaixão. E o desafio para todo o cidadão é afastarmo-nos o mais possível de todos aqueles discursos venham de onde vierem que apontam para a criação de falsas tensões, de falsas clivagens entre nós e os outros. Não podemos desperdiçar o maior bem que temos que são as pessoas, venham de onde vierem.
E, portanto, eu creio que as posições daqueles que procuram alimentar através de discursos de ódio, ou do medo ou da insegurança, alimentar divisões e falsas divisões entre as pessoas, creio que estes discursos não criam valor, antes pelo contrário. Nós todos como sociedade devemos denunciar posições que criam separações artificiais e sobretudo não constroem futuro. Não temos muito tempo a perder.
A crise da pandemia tem um impacto na sociedade, na economia e até no bem-estar psicológico das pessoas. Portugal, como sociedade, deve estar focado no futuro, no futuro de uma sociedade mais coesa, mais unida. Não consigo compreender como é que podemos perder tempo a apontar e a levantar medos e insegurança quando o trabalho que temos para fazer é um trabalho de unidade.
O desafio é não alimentar falsos medos e não irmos na conversa daqueles que procuram dividir para reinar, e apostarmos sim naquilo que diz o Papa Francisco, e irmos todos rumo a “nós cada vez maior”, porque ninguém se salva sozinho.
Nenhuma sociedade se constrói de forma positiva criando muros e separando as pessoas umas das outras. O desafio da sociedade é o de sermos mais solidários mais coesos, mais unidos na diversidade. Na diversidade de religiões, na diversidade étnica, na diversidade da cor da pele. E com essa diversidade construirmos uma mesa com lugar para todos.