13 set, 2021 - 09:50 • Filipe d'Avillez
O Papa Francisco avisou, esta segunda-feira, para o risco e a tentação de se desperdiçar os fundos europeus para a retoma pós-pandémica, incorrendo numa “euforia passageira”.
No primeiro dia completo da sua visita à Eslováquia, onde chegou ao final do dia de domingo, Francisco foi recebido no palácio presidencial pela chefe de Estado Zuzana Caputova.
O aviso do Papa veio logo no começo do seu discurso, com o apelo à fraternidade. “Precisamos de fraternidade para promover uma integração de que há cada vez mais necessidade. Sente-se a sua urgência atualmente, num momento em que, depois de meses muito duros de pandemia, se prognostica – embora com muitas dificuldades – o tão almejado recomeço económico, favorecido pelos planos de retoma da União Europeia.”
“Mas pode-se correr o risco de se deixar levar pela pressa e a sedução do lucro, gerando uma euforia passageira que, em vez de unir, divide. Além disso, num mundo onde todos estamos interligados, onde todos habitamos uma ‘terra-de-meio’, a mera recuperação económica não é suficiente. Enquanto em várias frentes continuam as lutas pela supremacia, que este país reafirme a sua mensagem de integração e paz, e a Europa se destaque por uma solidariedade que, ultrapassando as suas fronteiras, possa colocá-la de novo no centro da história.”
À chegada ao palácio presidencial o Papa foi recebido com uma oferta tradicional de pão e sal, símbolo de hospitalidade na Eslováquia. Francisco aproveitou para referir a importância do pão na tradição cristã.
“O pão, escolhido por Deus para Se tornar presente entre nós, é essencial. A Escritura convida a não o acumular, mas a partilhá-lo. O pão de que fala o Evangelho é sempre dividido. É uma mensagem forte para a nossa vida comum: diz-nos que a verdadeira riqueza não consiste tanto em multiplicar o que temos, como sobretudo em partilhá-lo equitativamente com aqueles que nos rodeiam. O pão, cuja fração evoca a fragilidade, convida-nos de forma particular a cuidar dos mais frágeis. Que ninguém seja estigmatizado ou discriminado. O olhar cristão não vê, nos mais frágeis, um peso ou um problema, mas irmãos e irmãs que devem ser acompanhados e defendidos”, referiu Francisco.
O Papa Francisco lembrou durante o seu discurso o papel importante que a Eslováquia desempenha enquanto ponte entre o Ocidente e o Oriente europeu.
Poucas coisas simbolizam melhor essa posição da Eslováquia do que as diferentes tradições litúrgicas que convivem no país, e na terça-feira Francisco irá celebrar uma eucaristia segundo o rito bizantino, usado pela comunidade católica de rito oriental que vive no país.
Encorajando os eslovacos a continuar a ser um exemplo de paz na região, Francisco exortou-os a resistir à ditadura do pensamento único, como outrora resistiram ao comunismo, usando agora como referência o simbolismo do sal.
“No tempo de Cristo, o sal, além de dar sabor, servia para conservar os alimentos, não os deixando deteriorar. Oxalá nunca permitais que os fragrantes sabores das vossas melhores tradições sejam estragados pela superficialidade do consumo e do lucro material; e, muito menos, pelas colonizações ideológicas. Até algumas décadas atrás, nestas terras, um pensamento único impedia a liberdade; hoje, outro pensamento único esvazia-a de sentido, reduzindo o progresso ao lucro e os direitos a meras carências individualistas.”
“Hoje, como então, o sal da fé não é uma resposta segundo o mundo, não reside no ardor de empreender guerras culturais, mas na sementeira calma e paciente do Reino de Deus, a começar pelo testemunho de caridade”, afirmou ainda o Papa, dizendo que o caminho não é o do conflito com o mundo. “Este é o caminho: não a luta pela conquista de espaços e relevância, mas a via indicada pelos Santos, a via das Bem-aventuranças. É daqui, das Bem-aventuranças, que brota a visão cristã da sociedade.”
A viagem do Papa Francisco prossegue ainda esta manhã com um encontro com os bispos, padres, religiosos e seminaristas na Eslováquia. Depois do almoço o Papa faz uma visita privada ao Centro Belém, na capital, antes de se encontrar com a comunidade judaica. O dia termina com breves encontros com o presidente do Parlamento e com o primeiro-ministro, ambos na nunciatura em Bratislava.
A visita à Eslováquia chega ao fim na quarta-feira, dia 15.