13 set, 2021 - 08:02 • Filipe d'Avillez
O último judeu do Afeganistão abandonou Cabul no final de setembro.
Zebulon Simentov tornou-se uma figura conhecida mundialmente ao longo das últimas décadas, como último representante de uma comunidade que chegou a contar dezenas de milhares de membros.
Resistiu à ocupação soviética, a anos de caos e guerra e ao primeiro regime Talibã. Disse estar disposto a voltar a viver sob os fundamentalistas islâmicos, mas amigos convenceram-no que a fação mais radical do Estado Islâmico afegão seria uma ameaça mais perigosa e finalmente decidiu sair.
Em declarações à agência Religion News Service o empresário no ramo da segurança Moti Kahana, um cidadão israelita e americano, explicou como convenceu o seu correligionário a sair do Afeganistão e organizou a fuga.
Foram semanas de fazer de psicólogo e de psiquiatra, falava com ele cerca de dez vezes por dia, através de um vizinho, que traduzia”, diz Kahana.
Parte do problema foi convencer Simentov a conceder um divórcio à sua mulher, que saiu do Afeganistão há vários anos com a família e com quem deixou de falar. O facto de recusar o divórcio religioso poderia valer a Zebulon Simentov dificuldades legais quando for realojado em Israel, o destino mais provável depois de ter saído do Afeganistão para “um país vizinho”, segundo Kahana.
O empresário, que coordenou a saída, diz ainda que muitos vizinhos pressionaram Simentov a sair, sabendo que assim conseguiriam mandar os seus filhos e familiares no mesmo autocarro, como aconteceu.
Os últimos anos da comunidade judaica no Afeganistão podem ser descritos como uma tragédia cómica.
O êxodo de judeus começou com a fundação do Estado de Israel, que concede cidadania automática a qualquer pessoa que consiga comprovar ser judaica. A ocupação soviética, na década de 80 agravou a situação. Foi aí, diz Simentov, que a maioria das famílias saiu do país. A chegada dos talibã no final dos anos 90 foi o golpe final na comunidade. Sobrou Simentov e Isaak Levi.
Durante anos os dois últimos judeus de Cabul partilharam um apartamento, que servia também de sinagoga. Mas odiavam-se e não escondiam o facto. As disputas entre os dois tornaram-se tão graves que os talibãs intervieram. Prenderam e espancaram os dois judeus e confiscaram um antigo e valiosíssimo rolo de Torá, que acabou por desaparecer com a queda do regime e a ocupação americana.
Quando Levi morreu, em 2005, Simentov não escondeu a sua satisfação. Ficou então um judeu em Cabul. Agora não há nenhum.