02 dez, 2021 - 15:10 • Filipe d'Avillez , Cristina Nascimento
O Papa Francisco pediu esta quinta-feira em Chipre uma Igreja paciente e fraterna, sem muros, que seja exemplo para o resto da Europa.
No seu primeiro discurso público em solo cipriota, Francisco falou a diversos representantes da Igreja Católica naquela ilha, na catedral maronita de Nossa Senhora das Graças, onde foi acolhido pelo Patriarca maronita, o cardeal Bechara Rai. Francisco pareceu estar bem-disposto e enérgico, improvisando várias vezes durante o discurso e fazendo até algumas piadas.
O Papa começou por recordar que o Cristianismo em Chipre traça as suas raízes ao apostolado de São Barnabé, que foi enviado pelos discípulos para acompanhar a igreja nascente em Antioquia, formada por pagãos convertidos e que precisavam de orientação na fé. “Venho com o mesmo desejo: ver a graça de Deus em ação na vossa Igreja e na vossa terra, alegrar-me convosco pelas maravilhas que o Senhor realiza e exortar-vos a perseverar sempre, sem vos cansardes, sem nunca desanimardes.”
Francisco sublinhou a multiculturalidade da comunidade católica em Chipre, onde existe uma comunidade maronita de raízes libanesas, mas radicada há vários séculos, e uma comunidade latina formada por imigrantes vindos de diversos países e com diversas tradições culturais. Esta Igreja deve ser um exemplo para o resto da Europa, disse o Papa. “Este rosto eclesial reflete o papel de Chipre no continente europeu: uma terra com os campos dourados, uma ilha acariciada pelas ondas do mar, mas sobretudo uma história que é entrelaçamento de povos e mosaico de encontros. Assim é também a Igreja: católica, isto é, universal, espaço aberto onde todos são acolhidos e abrangidos pela misericórdia de Deus e pelo convite a amar. Não há – e oxalá nunca existam – muros na Igreja Católica: é uma casa comum, é o lugar das relações, é a convivência das diversidades.”
Voltando ao exemplo de Barnabé, o Papa elogiou a dimensão da paciência revelada pelo santo na forma como lidou com os novos cristãos daquela comunidade e exortou os cristãos cipriotas a seguir esse exemplo.
“Em toda esta situação, o comportamento de Barnabé é de grande paciência: é a paciência de se pôr constantemente em viagem; a paciência de entrar na vida de pessoas até então desconhecidas; a paciência de acolher a novidade sem formular juízos apressados; a paciência do discernimento, que sabe captar por toda a parte os sinais da ação de Deus; a paciência de ‘estudar’ outras culturas e tradições. Barnabé tem sobretudo a paciência do acompanhamento: não esmaga a fé frágil dos recém-chegados com atitudes rigorosas, inflexíveis, nem com solicitações demasiado exigentes quanto à observância dos preceitos. Acompanha-os, toma-os pela mão, conversa com eles”, disse Francisco.
“Queridos irmãos e irmãs, precisamos de uma Igreja paciente: uma Igreja que não se deixa abalar e perturbar pelas mudanças, mas serenamente acolhe a novidade e discerne as situações à luz do Evangelho. Nesta ilha, é precioso o trabalho que realizais no acolhimento dos novos irmãos e irmãs que chegam doutras margens do mundo: como Barnabé, também vós sois chamados a cultivar um olhar paciente e solícito, ser sinais visíveis e credíveis da paciência de Deus que nunca deixa ninguém fora de casa, privado do seu terno abraço.”
Há aqui lições para uma Europa em crise, considera Francisco. “A Igreja em Chipre vive de braços abertos: acolhe, integra, acompanha. É uma mensagem importante também para a Igreja em toda a Europa, marcada pela crise da fé: não adianta ser impulsivos e agressivos, nostálgicos ou lamurientos, mas sim progredir lendo os sinais dos tempos e também os sinais da crise. É preciso recomeçar a anunciar o Evangelho com paciência, sobretudo às novas gerações.”
O Papa recordou então outra passagem da vida de Barnabé. Depois de ter sido responsável por acolher São Paulo, quando este se converteu de perseguidor em zeloso seguidor de Cristo, os dois partem em missão precisamente para Chipre, mas uma forte discussão leva-os a seguir caminhos diferentes. As discussões são naturais, disse o Papa aos cristãos cipriotas, mas não precisam de se converter em divisões.
“Isto é a fraternidade na Igreja: pode-se discutir sobre as perspetivas, sensibilidades e ideias diferentes. E, em certos casos, ajuda dizerem-se francamente as coisas, face a face; é ocasião de crescimento e mudança. Mas lembremo-nos sempre disto: discute-se, não para se fazer guerra nem para se impor, mas para expressar e viver a vitalidade do Espírito, que é amor e comunhão. Discute-se, mas continuamos irmãos”, afirma Francisco.
Numa ilha ainda dividida entre turcos muçulmanos e gregos de maioria ortodoxa cristã, Francisco alertou para o perigo das divisões se tornarem guerras. “Aqui, em Chipre, existem muitas sensibilidades espirituais e eclesiais, histórias de proveniência diversas, diferentes ritos e tradições. Mas não devemos sentir a diversidade como uma ameaça à identidade, nem devemos tornar-nos ciumentos e apoquentar-nos com os respetivos espaços. Se cairmos nesta tentação, cresce o medo; o medo gera desconfiança; a desconfiança desemboca na suspeita e, mais cedo ou mais tarde, leva à guerra.”
“Com a vossa fraternidade, podeis recordar a todos, à Europa inteira que, para construir um futuro digno da humanidade, é preciso trabalhar juntos, superar as divisões, derrubar os muros e cultivar o sonho da unidade. Temos necessidade de nos acolhermos e integrarmos, de caminharmos juntos, de sermos todos irmãs e irmãos”, concluiu Francisco.
A viagem do Papa a Chipre começou esta quinta-feira. O Papa continua no país até sábado de manhã, altura em que viaja para a Grécia, onde fica até segunda-feira.
Ainda esta tarde o Papa encontra-se com o Presidente da República de Chipre e depois com representantes da sociedade civil daquele país, a quem fará novo discurso, o último desta quinta-feira.
Sexta-feira será dedicada sobretudo a encontros com a comunidade ortodoxa e com migrantes, havendo ainda uma missa de manhã com a comunidade católica em Nicósia.