29 dez, 2021 - 16:04
Arrisco filtrar 2021 com os meus olhos de jornalista-missionário, a partir de Roma, Portugal, Cabo Verde, Tanzânia ou Suíça, terras por onde andei neste ano tão atípico. E – confesso – deixo-me conduzir pelo Papa Francisco nas suas tão ousadas como inesperadas visitas e intervenções. É ele quem inspira o título pois, na Sexta-feira Santa de 2020, insistiu na urgência de dizer ‘Sim’ ao Amor, sem ‘Ses’ nem ‘Mas’! 2021 deixa-nos agora cheio deles!
2021 começou a dançar ao ritmo da mensagem que o Papa Francisco escreveu para o Dia Mundial da Paz sobre ‘a cultura do cuidado como percurso de paz’. No turbilhão de uma grande crise sanitária, o mundo viu agravadas outras crises: climática, alimentar, económica e migratória. Há testemunhos enormes de solidariedade, mas também cresceram ondas de nacionalismo, racismo, xenofobia e conflitos.
O mundo celebrou, a 4 de fevereiro, o I Dia Mundial da Fraternidade Humana. Foi atribuído o Prémio Zayed da Fraternidade Humana a António Guterres (Secretário-Geral da ONU) e a Latifah Ibn Ziaten, mulher franco-marroquina que perdeu um filho nos atentados terroristas de Toulouse (2012) e se tornou uma activista pela paz e não violência.
Acolhido com um banho de cultura iraquiana em Bagdad, a 5 de março, o Papa Francisco elogiou ‘a diversidade religiosa, cultural e étnica’. Hoje o Iraque é chamado a mostrar a todos, especialmente no Médio Oriente, que as diferenças, em vez de gerar conflitos, devem cooperar harmoniosamente na vida civil’.
Angola ficou positivamente marcada por uma Assembleia Plenária dos Bispos Católicos (24.02 a 1.3.2021) que publicaram uma ‘Mensagem Pastoral sobre o momento actual’ que mostra uma Igreja a partilhar o dia a dia do povo e, por isso, elogiando o bom e denunciando o que prejudica a vida das populações, sobretudo as mais pobres e abandonadas.
22 de abril marcou os 20 anos da Carta Ecuménica Europeia.
Moçambique vive tempos de tragédia, sobretudo no norte, na província de Cabo Delgado. D. Luiz Lisboa, Bispo que foi transferido para o Brasil, foi uma voz corajosa e incómoda a quem tentaram silenciar e arrumar (conseguiram-no, em parte!). Após a sua partida e o recrudescer dos ataques no norte, a Conferência Episcopal de Moçambique saiu à praça para gritar em nome do povo um ‘basta!’ à dramática situação que muitos vivem.
Ascensão rima com Comunicação e, por isso, todos os anos é nesta Solenidade que se celebra o Dia Mundial das Comunicações Sociais. Desde 1967, o Papa escreve uma Mensagem para este Dia Mundial, este ano celebrado a 16 de maio. ‘Vem e verás’ é a frase bíblica para inspirar a atitude de ‘comunicar encontrando as pessoas onde estão e como são’.
O mundo mudou a 24 de maio de 2015. O Papa Francisco publicou a encíclica social ‘Laudato Si’. É o texto papal mais citado, comentado e divulgado. Gerou amigos e inimigos, foi alvo de reações de sentidos contrários, o que se explica pela actualidade do tema e pelos interesses económicos que põe em risco. Para continuar a alimentar esta chama da ‘ecologia integral’, o Papa Francisco propôs um ‘Ano Laudato Si’, concluído a 24 de maio.
A palavra ‘sinodalidade’ fez parte de quase todos os discursos do Papa. Há que caminhar juntos, dando ouvidos, vez e voz a todos. É um caminho que terá muitas etapas até 2023.
Tudo ganhou corpo em Lisboa, a 17 de Julho de 1996 com a I Cimeira de Chefes de Estado e de Governo dos Países Lusófonos. 25 anos depois, em Luanda, a 7 e 8 de Julho, avaliou-se o caminho feito e rasgaram-se linhas de futuro para uma lusofonia mais solidária e fraterna. Construir e fortalecer um futuro comum e sustentável’ foi o lema desta XIII Conferência.
Vivi um intenso mês de agosto em Cabo Verde. Lá, falar em Cesária Évora, em mornas e coladeiras, em morabeza e sodade… é falar de um povo simples, mas muito alegre. É uma das raras democracias africanas.
1 de setembro é o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, instituído pelo Papa Francisco em 2015, inspirado numa prática antiga da Igreja Ortodoxa. Este é, por isso, um dia profundamente ecuménico, unindo diversas Igrejas.
Os líderes do G20 reuniram-se em Roma, a 30 e 31 outubro. A COP26, nos dias seguintes, encheria Glasgow de líderes políticos, cientistas, jornalistas e activistas sociais e ambientais. Assinaram um Acordo Final com decisões aquém do esperado e, sobretudo, muito longe do necessário. Contudo há no ar uma nesga de optimismo, porque o Acordo é aberto e haverá prolongamento no Egito em 2022. É urgente aplicar com seriedade o que de positivo esta Cimeira trouxe à história.
Outubro rimou com Missão e andei por terras da Tanzânia onde aconteceu o Capítulo Geral dos Espiritanos. Apesar da pandemia, reuniram-se mais de 100 pessoas vindas de 60 países dos cinco continentes. Deu para construir uma ideia de como está o mundo.
A visita do Papa ao Chipre e à Grécia (2 a 6 de dezembro) foi uma peregrinação às fontes da cultura e da fraternidade. A cultura e a civilização gregas mudaram a história do mundo, marcando-a profundamente. A Grécia e o Chipre são portas da Ásia, mas também ficam ligadas à África através do Mediterrânio. E a Ilha de Lesbos é um dos grandes símbolos da tragédia humana que as deslocações de migrantes estão a provocar. O Mar que uniu os povos está a tornar-se um imenso cemitério. Termino com o grito-apelo do Papa: ‘É urgente parar ‘este naufrágio de civilização’. É preciso trabalhar ao estilo de Deus: ‘proximidade, compaixão e ternura’.
Tony Neves, Assistente Geral dos Missionários Espiritanos, em Roma